Esse ambiente de conflito comercial teve reflexo direto no mercado brasileiro
NELSON ALMEIDA
Esse ambiente de conflito comercial teve reflexo direto no mercado brasileiro


A intensificação da disputa comercial entre Estados Unidos e China reacendeu alertas sobre os impactos no custo de vida no Brasil e sobre a condução da política monetária.

Com tarifas elevadas entre as duas maiores economias do mundo, o risco de encarecimento de produtos e elevação da inflação global levantou dúvidas sobre os próximos passos do Banco Central brasileiro em relação à taxa básica de juros, a Selic.

Desde semana passada, o cenário se agravou com a decisão da China de impor uma tarifa de 34% sobre todos os produtos vindos dos EUA, em resposta ao aumento anterior promovido por Washington.

No dia seguinte, Pequim também limitou a exportação de terras raras, insumos estratégicos utilizados nos setores de tecnologia e energia e tarifou os EUA em 84% em resposta à tarifa norte-americana de 104%.

Nesta quarta-feira (9), a Casa Branca subiu ainda mais o tom, elevando as tarifas para 125% sobre produtos chineses.

Esse ambiente de conflito comercial teve reflexo direto no mercado brasileiro. Na terça, o dólar comercial fechou em R$ 5,9985, maior cotação desde 21 de janeiro deste ano, quando chegou a R$ 6,0313.

A valorização da moeda norte-americana de 1,49% em um único dia foi puxada pelo aumento da percepção de risco nos mercados globais e pela fuga de capital de países emergentes, como o Brasil.

Já nesta quarta-feira (09),  após Trump anunciar uma pausa de 90 dias no ''tarifaço'' - menos para a China -, o dólar caiu e fechou o dia cotado a R$ 5,84.

A escalada nas tarifas tem gerado preocupações adicionais entre economistas e analistas de mercado. O principal receio é de que a inflação, já resistente, possa ser pressionada por fatores externos, como o aumento no custo de importações, principalmente combustíveis e bens de consumo.

“O tarifaço anunciado por Donald Trump tende a elevar os custos globais, o que pode intensificar a inflação importada no Brasil”, avaliou Nicolas Frajhof, economista e COO da fintech Stay, em entrevista ao Portal iG.

Para ele, a conjuntura já apresenta pressões inflacionárias internas e expectativas desancoradas. Nesse contexto, o choque externo se torna mais um fator de risco que pode atingir até mesmo os núcleos da inflação, forçando o Banco Central a adotar uma política ainda mais restritiva.

A incerteza afeta não só o comportamento dos preços, mas também a confiança de investidores e empresários. Para o CEO da Valoriq, Jeff Ferro, a volatilidade atual dificulta qualquer previsão mais firme sobre a trajetória da taxa Selic.

“É cedo para conclusões definitivas, mas o recente tarifaço aumenta a incerteza sobre a trajetória dos juros”, afirmou ao iG.

Segundo ele, embora a inflação esteja resistente, o recuo nos preços do petróleo Brent e a possibilidade de uma estabilização global nas tarifas podem ajudar a conter parte da pressão inflacionária.

Ainda assim, ele considera que o Banco Central deve manter cautela e priorizar o controle das expectativas de inflação, o que pode adiar eventuais cortes na Selic.

Comércio exterior

O presidente Donald Trump há muito tempo promove o aumento das tarifas
Saul Loeb
O presidente Donald Trump há muito tempo promove o aumento das tarifas


A guerra tarifária também impacta diretamente o comércio exterior brasileiro. São Paulo, por exemplo, exportou US$ 13,6 bilhões para os EUA em 2024 — produtos que vão de aviões a sucos de laranja e óleos combustíveis.

Para a China, o volume foi de US$ 8,3 bilhões. Apesar de o Brasil não estar diretamente envolvido na troca de tarifas entre as potências, as consequências indiretas já são sentidas.

A pressão cambial encarece produtos importados e impacta o custo de produção, inclusive em setores que dependem de insumos externos, como o de combustíveis.

O recente reajuste nos preços da gasolina, da energia elétrica e do gás de cozinha, chamado popularmente de “tarifaço”, coincide com esse cenário de instabilidade internacional, afetando diretamente o bolso da população.

Para os consumidores brasileiros, esse contexto pode resultar em nova rodada de aumentos no custo de vida nos próximos meses, caso os repasses de preços ao longo da cadeia produtiva se intensifiquem.

Isso exigiria do Banco Central uma resposta mais dura para conter a inflação, como a manutenção ou até a elevação dos juros.

De acordo com Luiz Augusto Ferreira, estrategista chefe da Brain Cenários Políticos e Econômicos e ex-presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a postura de Donald Trump nas negociações comerciais tende a ser agressiva.

“Ele joga as taxas lá em cima, vê a condição que os países têm de fazer uma retaliação consistente contra os Estados Unidos, e a partir daí ele negocia ainda mais”, afirmou, em entrevista ao iG. Para Ferreira, o Brasil não deve ultrapassar os limites da diplomacia, mesmo diante de uma pressão internacional crescente.

“Acho importante a reciprocidade para mostrar força como uma das dez maiores economias do mundo, mas não acho que seja algo que deva exceder o limite da diplomacia, principalmente com um gambler , um jogador como o Trump”, completou.

Brasil e sua neutralidade

Banco Central
PEDRO LADEIRA
Banco Central


O Brasil tem adotado uma posição de neutralidade frente à escalada tarifária, mantendo relações comerciais com ambos os países. O diretor de Negócios da Comdinheiro/Nelogica, Filipe Ferreira, avaliou que essa estratégia pode favorecer o país no curto prazo.

“A gente tem bons comércios com os Estados Unidos, bons comércios com o China, e até por esse bom posicionamento a gente não foi agressivo em nenhum momento”, afirmou ao iG.

Para ele, a postura cautelosa permitiu ao Brasil preservar oportunidades de exportação, inclusive em segmentos como o de metais, que podem se beneficiar de uma antecipação da demanda por parte de compradores internacionais que buscam fugir das tarifas.

Ferreira acredita que esse movimento pode gerar um pico de demanda no curto prazo, especialmente entre empresas que vinham sofrendo com barreiras comerciais e agora veem chance de retomada.

“Tudo caminha para uma estabilização abaixo dos 25% indicados anteriormente”, avaliou, referindo-se ao possível recuo das tarifas em futuras negociações.

Apesar dos potenciais benefícios pontuais para alguns setores, o cenário global permanece incerto. A queda nas bolsas internacionais nesta quarta — com recuos de 1,57% no S&P 500, 2,15% no Nasdaq e 0,84% no Dow Jones — indica que investidores ainda não vislumbram uma resolução próxima para o conflito tarifário.


O Brasil segue atento aos desdobramentos. Embora não tenha sido alvo de novas tarifas desde o início da crise atual, o país já foi impactado anteriormente, como no caso das sobretaxas sobre o aço.

As autoridades brasileiras ainda não anunciaram qualquer medida de retaliação, mas o governo acompanha os desdobramentos na Organização Mundial do Comércio, onde a China já formalizou uma queixa contra os Estados Unidos.

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