Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um aumento no número de pessoas que trabalham com aplicativos. Seja como motoristas, entregadores de comida ou profissionais autônomos em diversas áreas, cerca de 1,5 milhão de brasileiros agora dependem de plataformas para se manter financeiramente, conforme o levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Esta tendência, impulsionada por mudanças nas formas de trabalho e na tecnologia, tem impactado significativamente a economia do país de várias maneiras.
Para Douglas Alexandre Santos Silva, mestrando em Sociologia na Universidade de São Paulo (USP), existem duas camadas articuladas para entender o fenômeno do trabalho por plataformas digitais no Brasil. A primeira implica um olhar atento à estrutura do nosso mercado de trabalho. “Por aqui, a informalidade nunca foi residual; pelo contrário, foi sempre condição da maioria absoluta da população”, defende.
“No período auge de nosso crescimento econômico, na década de 1970, atingimos a marca de 50% da população economicamente ativa empregada no mercado formal de trabalho. A segunda camada diz respeito às trajetórias daqueles que, hoje, encontram nas empresas-plataformas uma atividade ocupacional. Aqui, a questão se torna mais delicada e merece um olhar mais atento, pois o mundo do trabalho sob o jugo das empresas-plataforma é muito diverso”, complementa.
Para o pesquisador, avaliar o impacto da plataformização na estrutura do mercado de trabalho envolve discernir o que é novo e o que são formas tradicionais de funcionamento desse mercado. “Enquanto alguns desses jovens têm nas plataformas de delivery o seu ‘primeiro emprego’, muitos encontram nelas apenas mais um episódio de uma inserção ocupacional precoce e marcada por informalidade e precariedade”, conclui.
No 4º trimestre de 2022, o rendimento médio mensal dos trabalhadores em plataformas foi de R$ 2.645, 5,4% superior aos demais (R$ 2.510). Eles também dedicaram mais horas semanais (46h vs. 39,6h) e tiveram menor contribuição previdenciária (35,7% vs. 60,8%).
Para os dois grupos menos escolarizados, os trabalhadores vinculados a aplicativos de serviço tinham um rendimento médio mensal real que ultrapassava em mais de 30% o rendimento daqueles que não utilizavam essas ferramentas digitais. Já entre as pessoas com nível superior completo , o rendimento dos que atuavam em plataformas (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não adotavam aplicativos de serviços (R$ 5.348).
Em 2022, foi registrado um total de 12,9 milhões de pessoas empregadas sem registro na carteira, refletindo um aumento de 14,9% em comparação ao ano anterior. Este crescimento evidencia a generalização da informalidade. Vale ressaltar que, ao contrário da uberização em si, a pejotização tende a impactar não apenas os trabalhadores de baixa qualificação, atingindo também profissionais com níveis elevados de formação.
Segundo o coordenador do curso de Ciências Contábeis da Faculdade Anhanguera, Fernando Pereira da Silva, a economia dos aplicativos, também conhecida como gig economy , revolucionou a maneira como as pessoas acessam serviços e, ao mesmo tempo, como indivíduos encontram oportunidades de trabalho.
Para o professor, o crescente número de trabalhadores em aplicativos tem implicações positivas. “Por um lado, contribui para a redução do desemprego , proporcionando oportunidades de renda para pessoas que de outra forma poderiam estar desempregadas. Além disso, as empresas de aplicativos frequentemente investem em tecnologia e infraestrutura, o que impulsiona o crescimento de setores relacionados, como telecomunicações, logística e alimentação”.
No entanto, Fernando destaca que o aumento do trabalho por aplicativos também levanta desafios e controvérsias. A regulamentação dos serviços de aplicativos é uma preocupação constante. Fernando ressalta que o governo e as autoridades municipais têm buscado encontrar maneiras de equilibrar a flexibilidade e o desenvolvimento econômico trazidos pelos aplicativos com a necessidade de proteger os direitos dos trabalhadores.
Os trabalhadores vinculados a plataformas concentravam-se principalmente nos níveis de escolaridade médio completo ou superior incompleto, representando 61,3%. Essa faixa educacional lidera também no total de ocupados, mas de forma mais acentuada para os plataformizados, em comparação aos 43,4% no geral. Por outro lado, a população sem instrução e com fundamental incompleto era a menor entre os trabalhadores de plataformas, totalizando 8,1%, enquanto correspondia a 22,8% do total de ocupados.
Em nota, o Ministério do Trabalho e do Emprego defendeu que existem propostas que apresentadas tanto pelos trabalhadores quanto pelas empresas. A ideia é que os trabalhadores devem receber um percentual por hora logada no aplicativo, além de um valor por hora trabalhada. Ainda segundo a pasta, há um esforço para garantir que nenhum trabalhador receba menos que o salário mínimo.
Isso implicaria em uma base de cálculo, atualmente em torno de R$ 7,50 por hora, com contribuições proporcionais tanto por parte dos trabalhadores quanto das empresas. O debate sobre a remuneração se concentrou em um percentual adicional por hora como compensação pelas horas de espera, em vez de remunerar apenas as horas efetivamente trabalhadas.
Além disso, a discussão sobre a jornada de trabalho levou a um consenso de que nenhum motorista poderá ficar logado por mais de 12 horas, visando evitar jornadas excessivas.
Em relação aos valores e conceitos globais, o ministério garantiu que defende uma remuneração justa e condições dignas para os trabalhadores do setor. Porém, ainda não existe um acordo entre os entregadores e os aplicativos. A expectativa é que até o final do ano o governo consiga chegar a uma proposta que atenda às reivindicações de ambos.
Para a pasta, a fase atual da discussão envolve a transformação desses acordos em Projeto de Lei, sujeito à avaliação do presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) e encaminhamento a Casa Civil antes de ser apresentado ao Congresso Nacional. Para o ministério, a expectativa é que o processo ocorra até o final de novembro ou início de dezembro.
Em entrevista para o Portal iG,
Gilberto Almeida dos Santos, presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP), defendeu que a principal demanda da categoria é a regularização. “O que queremos é a regulamentação e o reconhecimento dos direitos por parte das empresas”, defende.