Oposição na Câmara e crise na Enel dificultam privatização da Sabesp

Base de Tarcísio tenta acelerar tramitação da privatização, mas projeto enfrenta ação do PT, forte oposição na Câmara e crise na desestatizada Enel após apagão

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil - 04/07/2023
Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas

O presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União), afirmou na quinta-feira (9) que a Casa deve votar contra a privatização da Sabesp, projeto do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).

“Hoje, a tendência da Câmara é votar não. O contrato com a Sabesp foi um bom acordo lá atrás, mas muita coisa da Sabesp precisa ser corrigida. É importante que vocês [do governo] tragam todas as informações e parâmetros para que a Câmara possa debater com a sociedade”, disse o vereador Milton Leite durante reunião da comissão criada pela Câmara.

Leite aponta que até o momento não foram apresentadas métricas em relação à ampliação do serviço de tratamento de esgoto e à alteração da tarifa. A oposição também pede mais informações no projeto de privatização que tem base em um estudo encomendado pelo Estado que custou R$ 45 milhões aos cofres públicos.

Outro ponto apresentado pelos opositores foi a realização de um congresso de comissões ao invés da discussão nas comissões de Constituição e Justiça, Infraestrutura e Orçamento. A convocação do congresso na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) por parte da base de Tarcísio foi uma manobra para acelerar o trâmite da desestatização.

Entre os opositores está o vereador Xexéu Trípoli (PSDB), que citou os últimos episódios envolvendo a desestatizada Enel na audiência. “A gente teve um exemplo muito ruim com a Enel nos últimos dias e, por isso, a preocupação com a privatização da Sabesp dobrou”, disse o vereador, em menção ao recente apagão em São Paulo que deixou milhares de pessoas sem energia por cinco dias.

“A princípio, sou totalmente contra a privatização da Sabesp no estado de São Paulo. Acho que a gente precisa entender muita coisa ainda”, completou Xexéu.

Natália Resende, secretária estadual do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do governo de Tarcísio, defendeu que os casos são diferentes e não devem ser comparados: “A privatização do setor elétrico foca em redução de custos e é totalmente diferente da nossa, que foca em expandir e aperfeiçoar os serviços”, disse a secretária.

O projeto

O projeto de privatização, que foi submetido a estudo de viabilidade realizado pelo International Finance Corporation (IFC), organização ligada ao Banco Mundial, foi enviado à Alesp no dia 17 de outubro.

De acordo com a análise do IFC, a venda da companhia é economicamente viável. Em agosto, o governo lançou um guia informativo sobre a desestatização da empresa onde foi apontada a possibilidade de ampliar investimentos no estado, reduzir tarifas e tornar a companhia uma plataforma multinacional do setor.

Apesar das expectativas, alguns dados não foram incluídos no documento, como relatou o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite.

“O próprio relatório da International Finance Corporation indica que a gestão, por mais eficiente que seja, não vai conseguir promover a redução da tarifa”, avalia Pedro Luiz Côrtes, professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.

“A única possibilidade que a International Finance indica para redução de tarifa seria usar os próprios recursos advindos da privatização para subsidiar a tarifa, o que seria um contrassenso. Eu equiparo a vender uma casa própria para continuar morando nessa casa pagando aluguel”, explica o professor.

Segundo o docente, o subsídio proposto no relatório se afasta até mesmo dos ideais inicialmente apoiados pela gestão Tarcísio, além de ter como base um recurso finito: “Privatizar sob a alegação de que a empresa ganharia eficiência e depois ter que subsidiar a tarifa para que ela permaneça baixa não parece uma ideia que esteja afinada com o livre mercado e com o ambiente mais competitivo que o governo defende em relação aos serviços estatais”.

No documento, o governo estima receber R$ 14 bilhões com as vendas da Sabesp e da Empresa Metropolitana de Águas e Energia. De acordo com a gestão, cerca de 10 milhões de pessoas serão beneficiadas com os serviços até 2029. Entre os benefícios apontados está a inclusão de um milhão de novos usuários que vivem em áreas rurais, irregulares e em comunidades tradicionais que ainda não possuem acesso ao serviço da companhia.

O professor explica, no entanto, que São Paulo já possui metas para 2026 acerca da ampliação dos serviços de água e esgoto para 100% da população.

“O relatório reconhece que a Sabesp tem um plano bastante intenso de investimentos e inclusive tem procurado se antecipar substancialmente às metas indicadas no Marco do Saneamento, que prevê a universalização de serviços para 2033 [...] ou seja, hoje a Sabesp já trabalha com metas mais ousadas do que as indicadas pelo governo do estado”, conclui o docente.

PT entra na Justiça

Neste momento, apesar do apoio da Câmara ainda não estar consolidado, Tarcísio conseguiu reunir os votos necessários na Alesp para aprovar o projeto. O plano do governador é levar o PL ao plenário no início de dezembro, mas o Partido dos Trabalhadores (PT) tenta barrar o projeto e transferir a votação para 2024.

Segundo o PT, o artigo 216 da Constituição paulista impede que o serviço de saneamento seja privatizado. Nesse caso, se houver uma Proposta de Emenda à Constituição, será necessário o apoio de três quintos da Alesp.