O secretário-especial para reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, disse que pretende aprovar mudanças no sistema tributário brasileiro antes do 2º semestre do ano. Entre as novidades, o governo prevê a implementação de um “cashback” tributário , ou seja, parte dos impostos voltariam para o bolso dos contribuintes.
Um estudo do Movimento "Pra Ser Justo", produzido pelos professores da UFMG,
Edson Paulo Domingues e Débora Freire Cardoso, apontou que o cashback do imposto pode impactar 72,4 milhões de pessoas, por meio da devolução de R$ 9,8 bilhões. Entre as pessoas beneficiárias, 72% seriam negras e 57% mulheres. (Veja a íntegra
do estudo).
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Segundo as estimativas, a reforma tributária com cashback reduziria em 3,2 p.p a desigualdade (índice gini do consumo, que mede a desigualdade). O mecanismo está previsto tanto nas PEC 45, quanto na 110, as principais propostas de reforma em discussão atualmente.
O que é cashback?
O modelo de descontos surgiu em 1986, nos Estados Unidos, quando foi lançado o cartão de crédito Discover, da varejista Sears. Na tradução livre, significa “dinheiro de volta”. Na prática, uma porcentagem do valor gasto na compra do produto ou serviço retorna como crédito para a conta do usuário.
O nome técnico para o cashback seria IBS-P, que significa Imposto Sobre Bens e Serviços - Personalizado: essa cobrança focaliza a desoneração nas pessoas, em vez dos produtos, adotando um regime especial para uma parcela do consumo dos contribuintes de baixa renda.
Como funcionaria?
Segundo Appy, todos os brasileiros teriam direito à devolução, no entanto, apenas em alguns produtos. O mais esperado até então é que seja aplicado sobre produtos da cesta básica, reduzindo, portanto, a carga tributária nos produtos de consumo mais básicos e necessários.
O que muda é a porcentagem que seria devolvida. Para os mais ricos, seria devolvido de forma parcial e para os mais pobres o imposto retornaria integralmente.
A ideia é que a reforma implemente um imposto único para todos os produtos. Sendo assim, até itens da cesta básica perderiam a desoneração. Para o professor da UFMG Edson Paulo Domingues, o cashback corrigiria eventuais distorções provocadas.
"Existe a preocupação que a reoneração iria aumentar o preço dos alimentos, logo prejudicar as famílias mais pobres. Na verdade, no modelo como é hoje, todo mundo paga o feijão, o leite, mais barato, inclusive os mais ricos, então é uma política muito ineficiente. Com esse retorno do imposto, você direciona a quem realmente deve ter o benefício", afirma.
"Além disso, você pode financiar esse cashback na própria alíquota única, ou seja, você coloca um imposto um pouco maior, para devolver parte dele para quem precisa", completa.
Uma das propostas analisadas, conforme disse Appy, é devolver o valor na 'boca' do caixa. O consumidor receberia, por exemplo, um desconto no momento do pagamento do produto.
Dessa forma, em vez de reduzir linearmente o imposto sobre os produtos beneficiando toda a população, o governo arrecadaria de quem tem maior renda e beneficiaria quem precisa gastar proporcionalmente uma maior parte da renda familiar para se alimentar.
Em 2016, por exemplo, a desoneração da cesta básica, somente para a União, custou R$ 18,6 bilhões em impostos e reduziu em apenas 0,1% o índice Gini. Em comparação, políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, reduziram no mesmo ano 1,7% o Gini a um custo de R$ 28 bilhões, ou seja, o Bolsa Família foi 12 vezes mais eficiente na redução de desigualdades que a desoneração da cesta básica.
Quem seria beneficiado?
Há um ponto de discordância entre integrantes do governo. Enquanto Appy não garante que o Cadastro Único dos programas sociais será o balizador de quem teria direito ao benefício, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, defende que o sistema seja usado para tal.
Segundo o ministro, o CadÚnico poderia ser uma referência para o "cashback", ou seja, pessoas cadastradas poderiam ter direito à devolução. O cadastro é uma lista do governo que permite o acesso de famílias em situação de vulnerabilidade social a ações como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada.
Para o economista Edson Paulo Domingues, os nomes inscritos no CadÚnico podem ser uma solução no curto prazo, mas o governo deveria ampliar posteriormente o número de beneficiários, já que muitas famílias de baixa renda não entram no ponto de corte do sistema, que é ter renda mensal de R$ 248 per capita.
"Num primeiro momento usar o Cadastro Único é mais simples, porque já está implementado, já tem um cartão para os benefícios, mas o ideal seria ter um CPF cadastrado como de baixa renda, aí quando você comprar o produto a nota fiscal já mostra o retorno imediato", opina.
Ele alerta, no entanto, que é necessário ficar atento a possíveis maneiras de burlar o sistema, como, por exemplo, pessoas de renda maior usando CPF de pessoas de menor renda para fazer as compras.
"Se você está lá na base de dados como uma pessoa pobre e começa a consumir R$ 3 mil por mês, isso deve constar no sistema de controle. A política tem que estar preocupada com esses casos. A gente viu no Auxílio Emergencial quanta gente recebeu indevidamente", diz.