A pouco menos de um ano, em 10 de fevereiro de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionava a lei que garantiu autonomia ao Banco Central (BC) . Desde então, a autoridade monetária não é mais vinculada ao governo, o seu presidente tem mandato fixo de 4 anos, podendo ser reeleito por mais 4.
A medida visa blindar as decisões de política monetária de interferência política. Os mandatos intercalam com as eleições para Presidência da República, ou seja, o presidente Lula está lidando com Roberto Campos Neto, mandatário escolhido durante a gestão Bolsonaro.
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"Por sua própria natureza, a política monetária requer um horizonte de longo prazo, por conta da defasagem entre as decisões de política e seu impacto sobre a atividade econômica e a inflação. Em contraste, o ciclo político possui um horizonte de prazo mais curto", justifica o BC em nota.
A lei define as atribuições do BC:
- Define a estabilidade de preços como objetivo fundamental do BC. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, a instituição também terá por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego;
- Determina mandatos fixos e não coincidentes de 4 anos para os diretores e para o presidente. Esses mandatos se sobrepõem apenas parcialmente ao mandato presidencial;
- Estabelece que a exoneração de diretores e presidente da instituição só se dará em casos justificados, e com aprovação, por maioria absoluta, do Senado Federal;
- Mantém os poderes legítimos do corpo político para sabatinar os diretores e o presidente e definir as metas mais específicas para a política monetária;
- Define o BC como autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério; e
- Garante a transparência e a prestação de contas, já que o presidente do BC deverá apresentar, no Senado Federal, em arguição pública, no primeiro e no segundo semestres de cada ano, relatório de inflação e relatório de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior.
É importante ressaltar, portanto, que a autonomia diz respeito à liberdade para utilização dos instrumentos para o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo CMN. Também merece destaque que o Presidente da República manterá o poder de escolher toda a diretoria do BC ao longo de seu mandato.
Além do Brasil, outros países contam com o BC independente, como EUA, membros da zona do euro, Canadá, Reino Unido, Suíça, Suécia, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coreia do Sul, México, Peru, Chile e Colômbia.
Lula x Campos Neto
Em setembro do ano passado, antes do 2º turno das eleições, Lula disse que não vê problemas na autonomia do Banco Central e chamou Campos Neto de "competente" na economia. Agora, os dois estão em pé de guerra.
Nesta terça-feira (7), Lula disse que o presidente do BC deve "explicações ao Congresso Nacional".
"Esse cidadão, que foi indicado pelo Senado, tem a possibilidade de maturar, de pensar e de saber como é que vai cuidar desse país. No tempo do [Henrique] Meirelles no Banco Central, era fácil jogar a culpa no presidente da República. Agora não. Agora a culpa é do Banco Central porque o presidente não pode trocar o Banco Central, é o Senado que pode mexer ou não", disse.
Mais tarde, Campos Neto rebateu as críticas e defendeu a autonomia da instituição.
“A principal razão no caso da autonomia do Banco Central é que desconecta o ciclo da política monetária do ciclo político, porque eles têm durações diferentes e interesses diferentes. Quanto mais independente você é, mais eficaz você é, menos o país pagará em termos de custo de ineficiência da política monetária”, disse Campos Neto antes de voltar a falar sobre a agenda de inovação da autarquia.
Quando a lei foi referendada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o iG perguntou ao economista André Braz, coordenador do IPC (Índice de Preços ao Condumidor) do FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), que disse que a independência do órgão é fundamental, mas não deve surtir grandes impactos no curto prazo.
"A aprovação [pelo STF] é fundamental para a democracia, mas O BC já estava trabalhando de forma autônoma. Isso só reforça que nós teremos um Banco Central trabalhando em prol de controlar a inflação no menor prazo possível, e sem interferência", comentou.
"É uma vitória para a democracia e vai garantir o curso da política para conter o avanço dos preços", completa.
O STF precisou votar a medida após a aprovação do Congresso Nacional, pois os partidos PT e PSOL questionaram a constitucionalidade da lei. As legendas alegam que a iniciativa teve vício de origem por vir do Senado, quando deveria ter partido da Presidência da República.
O que está em jogo?
A equipe econômica do PT está insatisfeita com a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, no patamar de 13,75%, tornando o Brasil o país com o maior juro real do planeta.
A Selic é usada como referência para os contratos de crédito, ou seja, é o "preço do dinheiro". Se ela está alta, se torna mais custoso para empresas e pessoas físicas contratarem crédito para investimentos, desacelerando a economia e, consequentemente, contendo a inflação.
Para a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a taxa de juros "de Bolsonaro, Guedes e BC" fez o país "andar para trás". Lula faz coro às críticas e diz que "não existe justificativa" para a Selic a 13,75% ao ano.
"Como vou pedir que os empresários ligados à Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] invistam se eles não conseguem tomar dinheiro emprestado? Esse país tem cultura de viver com juros altos. Quando o Banco Central era dependente de mim, todo mundo reclamava. A taxa a 10% era muito. Não existe justificativa para que a taxa de juros esteja a 13,75%. Se a classe empresarial não se manifestar, eles não vão baixar os juros", afirmou Lula.
Na última semana, o Comitê de Politica Monetária (Copom) manteve a taxa em 13,75%, frustrando as expectativas do governo, que esperava redução gradual da taxa.