A 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região reconheceu nesta semana o vínculo entre um motorista e a Uber Brasil e entendeu que o fim do contrato deve seguir os critérios da lei trabalhista. A decisão obriga a empresa a pagar os direitos trabalhistas em demissão sem justa causa.
Em seu voto, o relator do processo, desembargador Francisco Ferreira Jorge Neto, entendeu a existência de pessoalidade, uma vez que o motorista não poderia se fazer substituir em suas atividades. Ele ressaltou haver onerosidade, devido à existência de remuneração.
O magistrado observou ainda o motorista prestou serviços ao longo de cinco anos para a companhia de forma contínua, o que caracteriza a frequência de trabalho do homem. Nesse aspecto, considerou também outras formas de controle de habitualidade, como a estipulação de metas a serem cumpridas sob pena de desvinculação da plataforma.
“O caso sob análise foge à tradicional correlação socioeconômica empregador-empregado, de origem fabril, matiz da definição jurídica do vínculo empregatício, em especial no que se refere à subordinação. Dada às novas características de trabalho da era digital, em que o empregado não está mais no estabelecimento do empregador, a clássica subordinação por meio da direção direta do empregador, representado por seus prepostos da cadeia hierárquica, é dissolvida”, explica o desembargador.
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O relatório reconheceu ainda a haver subordinação entre a empresa e o motorista, considerando que a recusa de chamadas por corridas resulta em sanções ao profissional. Para o desembargador, merece atenção a estruturação do algoritmo da Uber, que impõe ao condutor a forma de execução do trabalho.
A decisão determina que a Uber pague verbas típicas de um contrato regido pela CLT, além de quitar despesas por dispensa sem justa causa. A Justiça ainda determinou que a empresa reconheça o vínculo empregatício assinando a CLT do trabalhador e forneça toda a documentação e comunicação necessária para habilitação no seguro desemprego.
Além disso, a Uber deverá pagar indenização em R$ 10 mil por danos morais pelo rompimento abrupto do vínculo, sem comunicação prévia e pagamento de verbas rescisórias, o que seria, segundo o acórdão, uma afronta ao meio de subsistência.
Em nota, a empresa afirma que irá recorrer da decisão. Veja íntegra:
A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 14ª Turma do TRT-2, que não foi unânime e representa um entendimento isolado e contrário ao de inúmeros processos já julgados no próprio Tribunal, como em casos recentemente analisados na 12ª Turma e na 17ª Turma, por exemplo.
Os desembargadores que formaram maioria na 14ª Turma aparentemente descartaram as provas apresentadas no processo e basearam a decisão exclusivamente em concepções ideológicas sobre o modelo de funcionamento da Uber e sobre a atividade exercida pelos motoristas parceiros no Brasil.
Como destacou a sentença original da 43ª Vara do Trabalho de São Paulo, "o motorista cadastrado não recebe contatos para fins de controle do trabalho realizado e dos horários cumpridos, havendo plena possibilidade de definição dos dias e horários de disponibilidade do motorista para realização de corridas".
Além disso, a sentença esclarece que "o modelo de contratação aplicado à relação jurídica envolve elementos de autonomia que afastam a subordinação clássica tipicamente empregatícia, sobretudo no que se refere à possibilidade de recusar corridas e definir dias e horários de trabalho".
Jurisprudência
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 3.150 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.
Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O TST já reconheceu, em seis julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Num dos mais recentes, em novembro de 2021, a 4ª Turma afastou o vínculo sob o entendimento de que motoristas trabalham "sem habitualidade e de forma autônoma" e que não existe "subordinação jurídica entre o aplicativo e o trabalhador". No mesmo ano, em maio, a 5ª Turma já havia afastado a hipótese de subordinação de um motorista com a empresa porque ele podia "ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse".
Outro julgamento de 2021, em março, decidiu que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla" do parceiro para escolher "dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".
Esse entendimento vem sendo adotado pelo TST desde 2020, com decisões em fevereiro e em setembro. Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas "não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício" - uma das decisões mais recentes neste sentido foi publicada em agosto de 2022.