A polarização política entre Lula e Jair Bolsonaro não atingiu apenas as eleições de 2018 e seus votantes, como também impactou os programas sociais do governo federal. Para "apagar" Lula da memória dos beneficiários e minar o petista na eleição, Bolsonaro modificou o antigo Bolsa Família e passou a oferecer o dobro do valor nas parcelas.
O cenário, entretanto, pode mudar com a possível volta de Lula ao Palácio do Planalto. O petista pretende retomar o nome do programa Bolsa Família e garantiu a manutenção dos R$ 600 no benefício a partir do ano que vem.
Em conversas com sua equipe econômica, Lula também informou que pretende reformular o programa para aumentar a quantidade de beneficiários e englobar outros programas sociais.
"A oposição sempre foi favorável ao valor mais robusto de um programa de transferência de renda devido ao cenário social gravíssimo que nós vivemos. Presidente Lula já assumiu esse compromisso de manter os R$600, mas mais do que isso, [prometeu] melhorar o desenho do programa social. O Auxílio Brasil é um programa extremamente mal desenhado. Dentro da equipe [discutimos] para recuperar algumas coisas que foram muito importantes, como, por exemplo, a garantia das crianças na escola, da vacinação, que é algo que o Brasil tem, infelizmente, perdido e sempre foi uma referência mundial. Obviamente uma das peças fundamentais para definir o desenho é o Cadastro Único. Vamos melhorar o registro das famílias necessitadas para reduzir a fila e reduzir a pobreza no país", afirma Guilherme Melo, professor da Unicamp-SP.
"Por que temos a ideia de um novo Bolsa Família? Que pode ter esse nome ou não, vai depender. Ele é muito mais abrangente e muito mais qualitativo. Uma das críticas, a quem não conhecia o Bolsa Família, era dizer que ‘dá o peixe, mas não ensina a pescar’. Dois grandes equívocos. Primeiro porque o Bolsa Família sempre foi vinculado aos estudos dos filhos e isso faz toda a diferença. Isso significa romper um ciclo de 500 anos de pobreza. Segundo que temos que tomar algumas decisões para o grau de desarticulação social que nós temos no Brasil. Milhares de pessoas passam fome no Brasil e mais da metade da população brasileira tem insegurança alimentar, é um quadro social gravíssimo.", completa Antônio Lacerda, professor da PUC-SP e doutor em economia pela Unicamp-SP.
Para sua equipe, Lula trouxe uma equipe de peso nas universidades paulistas, com destaque para a Unicamp. O grupo é liderado pelo ex-ministro Aloízio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo, mas conta com professores, membros de pós-graduação e especialistas em políticas econômicas.
Entre eles estão Guilherme Melo, um dos responsáveis pela pós-graduação em economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e Antônio Corrêa Lacerda, economista conceituado no setor privado, professor da PUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia.
A equipe aposta em Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, principal adversário de Lula nas eleições de 2006 e vice na chapa petista, para alavancar a confiança do mercado financeiro. A dupla ressalta que o grupo aliado à Lula terá bom trânsito em todos os setores econômicos para favorecer o desenvolvimento do país.
"O nosso relacionamento é o melhor possível com todos os agentes econômicos. Eu queria lembrar que o mercado financeiro é importante, mas não é único. O mercado financeiro é parte do mercado. Tem as empresas, trabalhadores, consumidores. Da nossa parte técnica você tem que ter um programa, economicamente, coerente e moderno", afirma Lacerda.
"Alguns dos receios que a gente, às vezes, ouve poderiam ser mitigados caso as pessoas olhassem o que aconteceu [no governo Lula]. O presidente Lula e o governador Alckmin não são novatos, eles têm uma trajetória política e de governos. Se você olhar governo Lula, não há governo com maior responsabilidade fiscal do que os dois governos dele. Ele pagou a dívida externa, acumulou mais de R$ 300 bilhões em reservas, reduziu a dívida pública. O diálogo é muito aberto e muito franco, eu acho que há uma percepção da gravidade em todos os setores, a gravidade do momento que a gente vive, da importância de recuperar a credibilidade, da previsibilidade, da transparência e do diálogo", completa Melo.
Fome
Melo e Lacerda chamaram a atenção para os números da fome registrados no Brasil. Segundo a Rede Penssan, cerca de 33 milhões de brasileiros passam por insegurança alimentar no país.
Questionados sobre a possível volta do Fome Zero, programa assistencial criado em 2003 pelo governo Lula, ambos despistaram, mas afirmaram haver projetos para reduzir os números de fome no país.
“Nós temos que atuar sobre a geração de emprego e renda por um lado e outro sobre a carestia. O quadro é muito grave. Outro aspecto que precisa ser combatido é a questão da oferta de produtos ou a reduinflação. Basicamente é quando o pessoal reduz as embalagens e aumenta o preço. Isso faz a população ficar totalmente desassistida”, explica Antônio Lacerda.
Teto de gastos e meta fiscal
Lula é um dos críticos ferrenhos da regra que limita os gastos da União, mas deve recuar a pedido de economistas e membros políticos que declararam apoio ao petista ainda no primeiro turno, como ex-ministro da Fazenda e criador do Teto de Gastos, Henrique Meirelles (União Brasil). Embora a equipe do candidato negue o fim da regra, há estudos para alterar os parâmetros de limitação para aumentar os investimentos, principalmente em infraestrutura.
"O nosso atual arcabouço fiscal ele perdeu completamente a sua credibilidade. Eu não quero nem discutir aqui o passado, se ele foi importante ou não. Ele [teto de gastos] foi alterado nos últimos dois anos quatro vezes. Uma série de compromissos foram jogados para frente, como os precatórios, agora os gastos com a PEC eleitoral. Nós estamos discutindo e buscando a literatura e governos europeus, não para copiar, mas usá-los como exemplo de regra fiscal", ressalta Guilherme Melo.
A equipe de Lula ainda garante que o eventual governo do petista cumprirá as metas fiscais, como inflação, Selic e volatilidade do Dólar.
“Os governos pós 2016 tem insistido na tese equivocada de que a confiança você resgata mediante amarras fiscais. Isso, na verdade, criou muito mais uma restrição para o crescimento do que a confiança. O crescimento nosso será, sim, baseado na confiança, que ela é uma condição necessária, porém não o suficiente. Vamos induzir o processo do emprego e vamos quebrar alguns paradigmas. Entre elas a política de preços da Petrobras, criar política de alimentos para segurar o preço para os consumidores e vamos combater a inflação de forma natural. Subir Selic em um ‘samba só’ não resolve nada. Então, é esse arcabouço que nós pretendemos atuar para evitar que qualquer pressão de preços, seja de onde for, signifique aumento da Selic”, explicou Lacerda.
"Quando falamos de confiança, cada um tem uma parcela de participação nisso. Quando o governo promete uma coisa e faz outra, perde a credibilidade. Quando um ministro da economia dizia que no primeiro ano de governo ia zerar o déficit primário e chega no último ano e não consegue chegar nem perto disso, é perda de credibilidade. Quando o ministro da economia lança uma proposta de reforma da tributação sobre a renda, assinado por ele, enviado para o Congresso Nacional e um ou dois dias depois vai ao encontro com investidores e critica a própria proposta que ele apresentou, isso é perda de credibilidade. A credibilidade vai muito além de uma decisão sobre aumentar ou não o gasto social, por exemplo. Muitos investimentos podiam estar vindo par o Brasil e não vem. Isso, obviamente, ajuda a propagar pressões inflacionárias via uma taxa de câmbio mais valorizada. Vamos somar esforços e usar todos os instrumentos à disposição das autoridades econômicas em conjunto para combater a carestia. Combatendo a carestia, reduzindo a inflação, o Banco Central poderá reduzir os juros e viabilizar novamente uma perspectiva de aumento no investimento e crescimento econômico", completou Melo.
O candidato
Luiz Inácio Lula da Silva foi metalúrgico e começou sua trajetória política ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). Um dos criadores do Partido dos Trabalhadores (PT), Lula foi deputado federal por duas vezes e se candidatou à presidência da República pela primeira vez em 1989, onde disputou o segundo turno com Fernando Collor.
Ainda disputou os pleitos de 1994, 1998 e eleito presidente em 2002, renovando seu mandato em 2006. Após sair do Palácio do Planalto, foi alvo de investigações da Polícia Federal e preso após ser condenado por corrupção ao ser colocado como dono de um triplex no Guarujá (SP) reformado pela empreiteira OAS. Lula teve suas condenações anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, após o ministro Edson Fachin decretar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba em analisar os processos e repassou as investigações para a Justiça Federal do Distrito Federal.
Tem como seu vice na chapa o ex-governador de São Paulo e principal adversário político nas eleições de 2006, Geraldo Alckmin.
** João Vitor Revedilho é jornalista, com especialidade em política e economia. Trabalhou na TV Clube, afiliada da Rede Bandeirantes em Ribeirão Preto (SP), e na CBN Ribeirão. Se formou em cursos ligado à Rádio e TV, Políticas Públicas e Jornalismo Investigativo.