A segunda etapa do Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil (Vigisan), divulgada nesta quinta-feira, 14, revela que quase três milhões de fluminenses estão passando fome , principalmente em lares onde vivem crianças menores de 10 anos. É como se metade da população da capital não tivesse o que comer.
O estudo foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), que envolve seis entidades parceiras. O levantamento foi feito em 12.745 domicílios de 577 municípios nos 26 estados e Distrito Federal, em áreas urbanas e rurais.
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O Levantamento dividiu as famílias em quatro estágios:
- Segurança alimentar: o lar tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.
- Insegurança alimentar leve: há preocupação ou incerteza em relação ao acesso aos alimentos no futuro e/ou qualidade inadequada de alimentos, resultante de estratégias que visam a não comprometer a quantidade de alimentos;
- Insegurança alimentar moderada: há redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante de falta de alimentos;
- Insegurança alimentar grave: há fome. A família não come por falta de dinheiro para comprar alimentos. Quem faz apenas uma refeição ao dia também entra nessa classificação.
Quadro dramático
De acordo com a pesquisa, o Rio de Janeiro apresenta menos da metade dos lares com comida suficiente e de qualidade em todas as refeições. O quadro traçado pelo Vigisan é dramático:
- Segurança alimentar: 42,8% dos lares do RJ, ou 7,5 milhões de fluminenses;
- Insegurança alimentar leve: 23,5% dos lares do RJ, ou 4 milhões de fluminenses;
- Insegurança alimentar moderada: 17,7% dos lares do RJ, ou 3 milhões de fluminenses;
- Insegurança alimentar grave: 15,9% dos lares do RJ, ou 2,7 milhões de fluminenses.
Estes 15,9% das famílias do fluminenses com fome superam a média nacional, de 15,5%. Alagoas é o estado em que os casos de insegurança alimentar grave são mais frequentes, atingindo 36,7% das famílias pesquisadas.
O estudo mostra que em todos os estados as famílias mais vulneráveis à insegurança alimentar grave e moderada são aquelas com renda inferior a meio salário mínimo, com pessoas estão desempregadas ou em condições de trabalho precárias, além de apresentarem baixa escolaridade.
O maior percentual de fome em casas com crianças pode ser também um dos reflexos do novo recorte do Auxílio Brasil, que criou um piso que não levou em conta o número de menores em uma casa.
Segundo Diego de Vasconcelos, mestre em economia pela UFRGS, "o Auxílio Brasil é insuficiente para retirar as famílias da condição de insegurança alimentar":
"Neste contexto, o Brasil precisa fortalecer as políticas de combate a pobreza e as desigualdades regionais que existem no país, que podem ser através de políticas de apoio de renda para as famílias. Políticas que atuem nas cadeias de abastecimento alimentar de forma a melhorar a qualidade das estradas e outros meios de transporte podem reduzir o custo dos alimentos e facilitar o acesso deste para a população", ressalta Vasconcelos.
Segundo o estudo, cerca de 37,8% dos lares brasileiros com crianças de até 10 anos enfrentam insegurança alimentar grave ou moderada. A insegurança alimentar na infância afeta o desenvolvimento cognitivo, psicológico e físicos da crianças, que podem acarretar em problemas futuros.
"Com o significativo aumento da insegurança alimentar entre 2020 e 2022 no Brasil principalmente em lares que residem crianças com menos de 10 anos, podemos pensar em possíveis causas para isso. Podemos indicar que a forma como o Auxílio Brasil foi proposto acaba acentuando o problema em lares com famílias numerosas. Pois o Auxílio Brasil não diferencia famílias com diversos integrantes das que têm apenas um morador", explica Vasconcelos.
O economista Caio Ferrari, professor do Ibmec, destaca outros aspectos que impactam a situação no Estado:
"O problema do Rio de Janeiro, que os índices mostram acima da média, tem muita relação com o próprio problema que temos vivido na implementação do programa (Auxílio Brasil), como o ataque hacker no sistema do CadÚnico. Isso dificultou bastante o acesso das famílias, o que acaba criando uma barreira que distancia ainda mais as pessoas que precisam, uma vez que o programa já não é o ideal, fora as dificuldades técnicas", destaca Ferrari.
Ações do governo estadual
Em nota, o Governo do Estado afirma que tem "trabalhado intensamente no combate à fome em todo o estado" por meio de programas que fornecem alimentação gratuita ou a preços simbólicos. A Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos cita as ações de combate à fome em todo o Rio de Janeiro.
A pasta menciona os programas que fornecem alimentação gratuita ou a preços simbólicos, como os Restaurantes do Povo, que oferece de quentinhas, café da manhã a R$ 0,50, além de hospedagem e alimentação para a população em situação de rua. Tais iniciativas, destaca a secretaria "fazem parte da política estadual para reduzir a fome, a insegurança alimentar e nutricional por meio do fornecimento de refeições balanceadas."
Segundo o governo estadual, "até 2023 estarão em funcionamento cerca de 26 restaurantes para atender a população fluminense em diferentes municípios do Estado. E 59 pontos de fornecimento de café da manhã. Além dos demais programas de distribuição de alimentos que seguem em expansão."