Quase 80% das famílias brasileiras tinham dívidas em julho, o maior índice já registrado nos últimos 12 anos, de acordo com levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC). O estudo mostra que a segunda metade do ano começou com 29% das famílias com algum tipo de conta ou dívida atrasada . Trata-se do maior percentual de inadimplentes desde 2010, quando começou a série.
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O aumento do endividamento e da inadimplência em um cenário de inflação e juros altos deve dificultar ainda mais a retomada da atividade econômica em 2023. Outra pesquisa divulgada ontem, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostra que um em cada quatro brasileiros não consegue pagar as contas em dia e já mudou hábitos de compras diante do aperto no orçamento.
Além da preocupação com o impacto na economia este ano, analistas avaliam que a multiplicação de boletos pode inibir a capacidade de consumo no próximo ano.
"Certamente vai reduzir o crescimento econômico, porque compromete o consumo. Os juros devem permanecer altos ao longo de 2023, não há perspectiva de melhora nesse cenário e isso é grave para quem tem o orçamento comprometido com dívidas", afirma a economista Izis Ferreira, responsável pelo levantamento da CNC.
"A inflação permanece alta, especialmente em bens com peso maior para famílias mais pobres, como alimentos. A tendência é que a gente tenha uma sequência de novas altas de endividamento e inadimplência, principalmente entre famílias que recebem o Auxílio Brasil."
Mudança de hábitos
Em média, as famílias comprometem 30,4% com o pagamento de dívidas. Mas 22% dos brasileiros estão com mais da metade dos rendimentos comprometidos com o endividamento. Do total de brasileiros endividados, 85,4% têm dívidas no cartão de crédito, uma proporção que já havia chegado a 88,8% em abril.
"As famílias têm buscado alternativas de crédito mais baratas por causa dos juros elevados. Com isso, carnês de loja e crédito pessoal foram as modalidades que avançaram no endividamento neste início de semestre, representando 18,8% e 9,2% do total de famílias com dívidas, respectivamente", afirma Izis.
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o cenário em geral ainda é de inflação alta com uma renda que tem crescido muito lentamente na margem. Ele avalia que a tendência é que isso se agrave com uma economia mais enfraquecida:
"O endividamento e a inadimplência devem continuar em aceleração ao longo dos próximos meses por causa de uma conjunção de fatores. Temos um cenário de recessão mundial chegando e, no Brasil, uma taxa de juros alta, um crescimento econômico menor e com provável aumento da taxa de desemprego em 2023. A queda do desemprego de agora não deve continuar no ano que vem."
Diante do aperto no orçamento, o brasileiro já revisa os gastos. Mais da metade dos entrevistados em pesquisa da CNI reduziu despesas com lazer, deixou de comprar roupas ou desistiu de viajar. Outras mudanças no cotidiano incluem parar de comer fora de casa (45%), diminuir gastos com transporte público (43%) e deixar de comprar alguns alimentos (40%).
"O quadro mostra uma situação financeira difícil e isso vem de algum tempo. As pessoas já vinham sacrificando algum consumo com serviços pessoais, como lazer e alimentação fora de casa. Com a elevação dos preços de alguns alimentos, aliado a esse histórico, começou a haver atrasos nos pagamentos de luz e energia para fechara as contas do mês", afirma Marcelo Azevedo, gerente de análise econômica da CNI.
E acrescenta:
"Tudo isso é preocupante: você deixar de ter um alimento ou ter que adiar o pagamento das contas de luz e de água ou de comprar medicamentos. Já cortou os supérfluos e está pegando as necessidades básicas de fato."
Gás e conta de luz
Entre os produtos que ficaram mais caros, o gás de cozinha é o maior destaque. De acordo com o levantamento, 68% disseram que o valor do gás está maior contra 56% em abril. Em seguida, aparecem alimentos, conta de luz e combustível. Mais da metade dos brasileiros aponta que o valor desses itens aumentou no período.
Um outro levantamento, da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace) com o instituto Ipespe, antecipado ao GLOBO, revela que os gastos dos brasileiros com energia elétrica e combustível já ocupam a segunda colocação em um ranking que mostra o nível de preocupação com as contas que mais pesam no orçamento. Esse gasto, de acordo com a pesquisa, perde apenas para a alimentação.
Para 94% dos entrevistados, os preços dos produtos relacionados ao setor energético estão impactando mais o orçamento neste início de semestre, na comparação com o início do ano. Além disso, para nove em cada dez entrevistados, a conta de energia está pesando mais no bolso agora do que há cinco anos.
Se as despesas não cabem no bolso, o jeito, segundo a pesquisa da CNI, foi pechinchar, a opção de 68% dos entrevistados antes de fazer uma compra este ano. O outro caminho foi recorrer ao cartão de crédito, opção de 51%.
O famoso “comprar fiado” fez parte da realidade de três em cada dez brasileiros este ano, mais que cheque especial, crédito consignado ou empréstimo com outras pessoas, que tiveram menos de 15% de uso cada.