Economia em ritmo de eleição afasta investidores e eleva risco país
Propostas como subsídios para combustíveis e reajuste do Auxílio Brasil aumentam incertezas sobre as contas públicas no longo prazo e desvalorizam ações e real
As recentes medidas discutidas pelo governo e propostas debatidas no Congresso para tentar reduzir o impacto da inflação no cotidiano dos brasileiros, particularmente o da escalada dos combustíveis , a pouco mais de três meses das eleições assustam investidores. Estão piorando os indicadores utilizados para medir o risco da economia brasileira, afastando capitais financeiros do país.
Projetos como os que subsidiam os preços dos combustíveis ou elevam o pagamento de benefícios sociais como o Auxílio Brasil ou criam um para os caminhoneiros ganham força no governo e na sua base parlamentar à medida que se aproxima o pleito, mas o aumento dos gastos que eles implicam e seu impacto nas contas públicas a partir do ano que vem estão agravando a pressão de baixa sobre as ações na Bolsa brasileira e sobre o real, que voltou a sofrer forte desvalorização em relação ao dólar.
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O Ibovespa, principal índice da Bolsa de São Paulo, a B3, teve dificuldades neste mês para retomar os 100 mil pontos ontem. O dólar voltou a operar acima dos R$ 5,20 recentemente, renovando as máximas vistas em fevereiro. Só em junho, o dólar já subiu 10,14% ante o real, e o Ibovespa perdeu 9,51%.
Especialistas explicam que os efeitos das "bondades eleitorais" em discussão no longo prazo está elevando os indicadores que medem o risco-país. Novas incertezas políticas e fiscais prejudicam o interesse dos investidores por ativos no país no momento, mas também deixam o horizonte mais incerto em meio a um cenário global já desafiador, com alta da inflação e dos juros em vários países.
Deterioração rápida
O impacto aparece em várias medidas. Entre elas, estão os Credit Default Swap, conhecidos como CDS. Trata-se de uma espécie de seguro contra possíveis calotes de um país, funcionando, portanto, como uma das principais medições de riscos usadas por investidores internacionais no momento de decidir onde alocar seu dinheiro. Quanto mais alto o CDS, mais arriscado é considerado o país para aplicações.
De acordo com um monitoramento realizado pela consultoria Tendências, o CDS de cinco anos do Brasil ultrapassou o patamar de 290 pontos na semana passada, atingindo o ponto mais alto desde maio de 2020, bem acima da faixa dos 205 do início do ano.
O risco brasileiro sobe mais que o de outros países da América Latina. Desde o início de 2022, a média do risco-país de Colômbia, Chile, Peru e México avançou de 110 para os 167 pontos.
Curva de juros altera tendência
Ao longo da semana passada, a curva de juros futuros também reverteu a tendência no Brasil. Passou a subir diante da piora do noticiário fiscal e da divulgação de um IPCA-15 levemente acima das expectativas.
A curva de juro real (taxa descontada a inflação), que reflete as taxas dos títulos do Tesouro indexados à inflação (NTN-B), apresentou abertura intensa em quase toda extensão, com exceção do título de 2022 que vence em menos de 2 meses, mantendo-se próximo aos 6% ao ano, segundo levantamento da XP.
Na segunda-feira (27), as taxas de juros futuros longas voltaram a subir. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 e a do DI para janeiro de 2027 tiveram ligeira alta.
Apesar de bons números, piora a percepção
As propostas em discussão no governo e no Congresso, como a desoneração de combustíveis, o pagamento de um auxílio na casa dos R$ 1 mil para caminhoneiros e a elevação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 afastam o país cada vez mais do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas públicas à inflação.
Causa receio nos investidores a possibilidade de decretação de um estado de emergência, o que suspenderia regras fiscais e abriria espaço para ainda mais gastos nas vésperas da eleição que teriam impacto nas contas públicas e na economia do país a partir de 2023.
As investidas contra a Lei das Estatais e a ingerência política na Petrobras também prejudicam a avaliação do país pelos investidores. Para analistas ouvidos pelo GLOBO, a percepção de risco político e fiscal tem aumentado, mesmo levando em conta dados financeiros positivos do governo nos últimos meses.
O país tem renovado recordes de arrecadação, favorecido pela alta de commodities das quais o país é grande produtor e exportador e pela inflação, que elevam a receita com impostos. O problema é que a sinalização de mais gastos pelo governo, que perde credibilidade, e o cenário externo desfavorável principalmente para as economias emergentes desestimulam o fluxo de capitais para o Brasil, desvalorizando ações e o real.
‘Mais importante é o governo passar credibilidade’
"Desde a aprovação da PEC dos Precatórios, existe a percepção de que o risco fiscal pode piorar por causa de propostas que surgem e alteram as regras vigentes. Observamos o governo entregando um resultado fiscal melhor, mas ainda temos muito ruído e discussões de propostas que podem alterar as regras fiscais. Mais importante do que ter uma regra é o governo passar credibilidade sobre essa regra", diz a economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória.
Para a economista, a piora do desempenho do real e dos CDS no último mês também é explicada pela reversão, ainda que parcial, dos preços de commodities. Rafaela observa que, além da inflação, o resultado fiscal do governo tem sido ajudado por um crescimento maior que o esperado da economia, com lucro mais alto das empresas ligadas a commodities e maior geração de vagas no mercado de trabalho.
"Esses dados positivos são importantes, mas não é uma situação aparentemente permanente. Parte da melhora foi consequência de um choque positivo de receitas, mas os mercados estão olhando mais para a frente. Essas medidas anunciadas trazem um preço no curto prazo de renúncia de receitas e aumento de despesas. O próximo governo vai lidar com um cenário de teto praticamente estourado e podendo adotar medidas de ou suprimir a regra do teto ou abrir novas exceções", concorda Silvio Campos Neto, economista da Tendências.
Ele também destaca que o Brasil tem uma economia mais líquida na comparação com outros emergentes, o que facilita a entrada e saída de capitais, com maior volatilidade na Bolsa e no câmbio.
Incertezas no horizonte
Para o gestor de fundos da Arena Investimentos, Mauricio Pedrosa, mesmo que algumas das propostas de gastos públicos em discussão sejam provisórias, o próximo governo terá dificuldades para retirá-las. Ele aponta a falta de clareza dos candidatos que lideram a corrida eleitoral para o Planalto sobre a condução da economia a partir de 2023, deixando o horizonte mais turvo para os investidores, o que se reflete nos indicadores de risco-país.
"Como é que o novo governo vai lidar com um espaço fiscal muito baixo? Quando é dito que a construção de controle fiscal que está vigente será retirada, não é oferecido ao mercado o que vai ser colocado no seu lugar. O teto de gastos é uma das medidas que ajuda a dar uma percepção de risco menor para os investidores. A retirada disso gera insegurança, principalmente, quando ela não vem acompanhada do que vai ser colocado no lugar."
Exterior pesa
No exterior, os principais bancos centrais já começaram ou sinalizaram um processo de alta nos juros contra a inflação elevada. Esse aperto monetário já deixa investidores internacionais naturalmente mais seletivos. O que tem mantido o interesse deles pelo Brasil são os papéis ligados à alta das commodities e o diferencial de juros, já que a taxa básica no país começou a subir no ano passado e já supera 13% ao ano.
"Vemos todos os países emergentes sofrendo com aumento de prêmio de risco e desvalorização cambial, com pressões nas taxas de juros. Aqui por esse detalhe adicional de estarmos na discussão de medidas que trazem impactos fiscais, esse movimento acabou sendo exacerbado", avalia Campos Neto.
Para os analistas, a tendência é que o cenário interno continue desafiador no Brasil até o fim do período eleitoral e as sinalizações do eleito para o Planalto. Ontem, o Itaú BBA revisou para baixo sua projeção para o Ibovespa no fim de 2022, de 115 mil pontos para 110 mil pontos. O banco avalia que a inflação doméstica mais alta e persistente que o esperado deve manter os juros elevados por mais tempo e seguir impactando a performance dos ativos ligados à economia local.
"O cenário lá fora é o principal desafio que vamos ter no próximo semestre. A parte negativa que está refletida nos preços hoje já é conhecida pelo cenário doméstico. Se tivermos uma alta de juros lá fora maior do que a gente espera, podemos ter uma deterioração maior aqui, com investidor estrangeiro entrando de forma mais lenta", observa Rafaela, do Inter.
Não é só por aqui
A alta dos combustíveis não é exclusividade do Brasil. Outros países também buscam formas de amenizar o impacto para os consumidores. Na semana passada, por exemplo, o presidente dos EUA, Joe Biden, pediu ao Congresso uma suspensão temporária dos impostos sobre a gasolina e o diesel. O que os investidores avaliam não é a política em si, mas as condições dos países para concretizá-las, explica Campos Neto:
"A gente sempre tem que diferenciar a adoção de medidas por países avançados e emergentes e a própria perspectiva de reverter essas medidas em algum momento."
Para Pedrosa, da Arena, o governo brasileiro teria instrumentos mais eficazes para lidar com a questão dos combustíveis sem promover interferências na Petrobras:
"Não resta dúvida de que o preço da energia está bastante alto e temos uma matriz de transporte de público e de carga muito dependente de diesel. Mas, com os recursos que você ganha da cadeia de todo o setor de óleo e gás, você pode devolver de forma focalizada para aqueles que mais precisam."