Cobertura dos planos de saúde: Rol da ANS pode parar no STF; entenda
Advogada da ação julgada pelo Tribunal analisa a possibilidade de recorrer ao Supremo
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela taxatividade do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode não encerrar a discussão se os planos de saúde devem ou não pagar procedimentos que não estejam contemplados na lista da reguladora. A discussão sobre a abrangência pode ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar da decisão do STJ ter sido favorável ao tratamento com método ABA, incluído como excepcionalidade na sentença, o que atende ao seu cliente, uma criança autista, a advogada Raissa Moreira Soares, do escritório Salerno Soares, analisa a possibilidade de recorrer ao Supremo.
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"O objeto do nosso processo era o tratamento com método ABA que entrou na exceção da taxatividade, então no caso específico que atuamos a ação foi procedente. De toda forma, mesmo que o nosso caso tenha sido favorável , diante da tese absurda criada ontem, nossa ideia seria recorrer, mas precisamos analisar de forma detalhada a decisão que foi proferida e ainda não está disponível no processo", explica Raissa e acrescenta: "A decisão do STJ fragiliza a proteção do Direito a Saúde garantido constitucionalmente na medida em que os pacientes ficam impedidos de ter acesso a tratamentos fundamentais para a manutenção da sua saúde e, por consequência, da sua vida, ainda que prescritos devidamente pelo médico assistente, caso não contemplados no Rol da ANS."
A advogada pondera ainda que, como pontuou a ministra Nancy Andrighi em seu voto, a taxatividade do rol editado pela ANS transfere competência legislativa a agencia reguladora, o que avalia não é concebível:
"As agencias reguladoras não podem em nenhuma hipótese editar normas incompatíveis com a Constituição Federal, principalmente restringindo direito fundamental a saúde que é constitucionalmente garantido. Assim, decidir pelo rol taxativo permite que os atos normativos editados pela ANS contrariem a Lei 9.656/1998 (Lei dos planos de saúde), bem como o direito à saúde garantido pela Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, estando em evidente ilegalidade. "
Raissa avalia ainda que a decisão do STJ contraria expressamente normas expressas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), principalmente, no ponto em que sugere que o próprio usuário negocie junto a operadora a contratação cobertura adicional ao rol:
"Tal medida ignora a hipervulnerabilidade do consumidor que quase que em regra recebe no momento da contratação contratos prontos, sem nenhuma hipótese de negociação considerando a situação suscetível já inerente da relação de consumo."
A advogada pondera ainda pessoas com Transtorno do Espetro do Autismo (TEA), com doenças graves, com deficiência, têm uma condição de hipervulnerabilidade frente às operadoras e, por isso, a cobertura ou não de atendimentos nestes casos, demanda análise Constitucional.
Presidente da Comissão de Bioética da OAB/SP, o advogado Henderson Fürst, do escritório Chalfin, Goldberg& Vainboim, diz ainda que haveria uma outra possibilidade do tema ir ao STF, uma ação autônoma que questione a regra da ANS para estabelecimento do rol. Mas questiona:
"Será que no STF é possível reverter essa decisão? De alguma forma a decisão do STJ dá previsibilidade e segurança o setor. E a garantia de que serão fornecidos procedimentos seguros e eficazes e não uma cloroquina da vida. No entanto, no caso de um paciente oncológico, que tenha uma chance de tratamento fora da lista do rol da ANS, pode não haver tempo para que esgotar todos os critérios estabelecidos pelo Tribunal para fazer jus a excepcionalidade. Nesse caso pode ferir o direito à Saúde. Mas a regra em si não me parece inconstitucional", avalia.
Para Guilherme Valdetaro, sócio do Sergio Bermudes Advogados, que representa FenaSaúde, entidade que reúne as maiores operadoras do setor, não há qualquer inconstitucionalidade na decisão do STJ:
"A decisão do STJ foi correta, equilibrada e segura. Encaramos com muita tranquilidade a possibilidade de haver recursos no STF. Mas não há nenhuma inconstitucionalidade na decisão do STJ. O tribunal aplicou a lei, o artigo 10 da lei 9.656 (Lei dos Planos de Saúde). Sequer existe matéria constitucional. Os ministros foram muito ponderados ao criar exceções que permitem que situações excepcionais sejam resolvidas. Não vejo numa violação ao direito à saúde que aliás está direcionado à saúde pública e não suplementar."
Para Valdetaro, a decisão do STJ pelo rol taxativo beneficiará os consumidores a longo prazo.
"O rol é feito a partir de uma pesquisa ampla feita pela ANS, cujo o prinicipal critério não é econômico, mas a segurança e a eficácia de tratamento. Ele serve para proteger o consumidor de tratamentos não eficazes. Depois dessa análise que vem a apreciação de custo benefício do tratamento. Quando são criadas obrigações não previstas para as operadoras, o preço aumenta. Eu acredito piamente que a taxatividade gerará uma redução no custo das operadoras e uma consequente redução de preço e maior universalização dos planos de saúde."
O efeito imediato, diz Rodrigo Araújo,advogado especialista no Direito à Saúde, é pânico. Ele conta que passou o dia atendendo clientes assustados com a repercussão da decisão do STJ.
"Já estamos sabendo de casos em que as operadoras já peticionaram para derrubar liminares em vigor. Ainda não aconteceu com nenhum cliente nosso, mas é um risco iminente. É importante, no entanto, considerar que a decisão do STJ não é vinculante (não é de cumprimento obrigatório para os demais tribunais). Além disso, há exceções previstas na própria decisão. O consumidor, agora, terá que ser muito mais cauteloso e ajuizar ação somente quando tiver relatórios médicos muito bem redigidos, acompanhados, quando possível, de doutrinas médicas que demonstrem não haver tratamento alternativo incluído no rol", analisa Araújo.
Na avaliação do desembargador Cesar Cury, do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), pouca coisa deve mudar na primeira instância apesar do novo entendimento firmado pelo STJ:
"O juiz de primeira instância não vai deixar de conceder a liminar porque houve uma mudança de entendimento do STJ. As situações que chegam em regime de urgência, via de regra, envolvem risco de morte, interrupção de tratamento, internação. O juiz vai validar a liminar e deixar que o tribunal de segunda instância resolva o mérito. E muitas vezes a liminar se esgota em si mesma, quando for julgado no tribunal, a pessoa já recebeu o tratamento, já foi internada, então não terá efeito prático."
Para Cury, no entanto, o novo entendimento do STJ é só um novo capítulo no imbróglio sobre a abrangência do rol da ANS. Na sua opinião, o tema deveria ser tratado de forma mais ampla e pensadas soluções alternativas, como um fundo garantidor, que arcasse tratamentos extra rol, quando necessários, com menor burocracia:
"Nas últimas contas que eu vi, procedimentos extra rol custam ao sistema em torno de R$ 2 bi por ano. Um fundo garantidor, com recursos privados e públicos, poderia ser formado para suprir essas necessidades. Isso é só uma ideia, mas há especialistas que poderiam desenhar esse sistema que funciona bem, por exemplo, no setor bancário. O próprio Supremo e Conselho Nacional de Justiça poderiam capitanear essa discussão ampla, que poderia de fato reduzir o número de ações na Justiça."