Rol da ANS: veja o que muda nos planos de saúde após decisão do STJ
Especialistas do setor apontam retrocesso na decisão que desobriga operadoras a cobrir tratamentos fora da lista da agência
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que os planos de saúde não precisarão cobrir tratamentos e serviços médicos que não estiverem na lista de coberturas obrigatórias da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode trazer problemas para os usuários e levar a novos questionamentos na Justiça, apontam especialistas no setor.
A Corte considerou que o rol de procedimentos deve ser considerado taxativo. Os tribunais inferiores em suas decisões vinham classificando a lista como exemplificativa, apenas um indicador de cobertura mínima. A decisão do STJ firma nova jurisprudência, o que significa que será mais difícil que usuários de planos de saúde consigam na Justiça cobertura de procedimento não listados.
Segundo especialistas, mesmo para procedimentos obrigatórios, poderá ser mais difícil obter na Justiça a garantia de pagamento por uso diferente daquele determinado pelas diretrizes de utilização determinadas pela ANS.
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Na decisão do STJ, foram definidas exceções. A cobertura além da lista poderá ser autorizada se não houver tratamento similar no rol da ANS, mas não pode ter sido “expressamente indeferido" pela agência. Além disso, os consumidores precisarão de uma série de comprovações médicas para reivindicar a cobertura.
O STJ garantiu também a aplicação ampla da terapia chamada ABA, já prevista na lista da ANS, para o autismo. O tema foi levantado antes do julgamento nas redes sociais pelo apresentador de TV Marcos Mion, que tem um filho autista e vem alertando para a insegurança que a decisão traz para famílias de autistas.
Para o professor Gustavo Kloh, da FGV Direito-Rio, a decisão afeta especialmente quem tem doenças raras, que podem demandar tratamento que o plano de saúde não vai cobrir. Mario Scheffer, coordenador do Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar da Faculdade de Medicina da USP, lamentou a decisão:
"No Tribunal de São Paulo, 97% das ações com pedidos de cobertura fora do rol eram acolhidas em favor do paciente. Negativa de cobertura responde por metade das ações no tribunal, sendo 50% de procedimentos listados pela ANS. Deram carta branca às operadoras para negar cobertura fora do rol e acho que o impacto pode ser aumento da judicialização."
Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, entidade que representa as maiores operadoras do setor, diz o oposto:
"A decisão é boa para o sistema como um todo. Os votos foram técnicos e bem embasados. O entendimento de que o rol é taxativo vai reduzir a judicialização. Boa parte das discussões fica apaziguada. É lógico que sempre vai haver exceções, mas para esses casos agora há um caminho."
Aditivo no contrato
Em seu voto, o ministro Cueva disse que o usuário poderá negociar um aditivo ou um contrato de cobertura ampliada para ter acesso a procedimentos que não estão no rol. Na avaliação do advogado Rafael Robba, especialista em Direito à Saúde, trata-se de uma condição onerosa para o consumidor:
"A decisão defende o lucro das operadoras e onera o consumidor no momento em que ele mais precisa. As exceções criadas preveem um processo burocrático e demorado que pode ser um entrave numa emergência."
Na avaliação de José Luiz Toro da Silva, presidente do Instituto Brasileiro do Direito da Saúde Suplementar (IBDSS), os critérios impedem que sejam concedidas coberturas de forma acrítica ao criar parâmetros técnicos:
"A decisão terá impacto positivo para a sustentabilidade do setor.
Leia a seguir entrevistas com 2 visões: do lado do consumidor e do lado do plano"
'Haverá aumento da negativa de coberturas', diz Ana Carolina Navarrete
Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), considerou a decisão do STJ uma derrota para o consumidor, tornando mais restritiva a concessão de coberturas que não estão explicitamente na lista da ANS, a quem recorrer à Justiça.
Para ela, torna ainda mais vulnerável quem está com processo em andamento. Mas a decisão ainda pode ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF), lembrou.
Qual o primeiro impacto da decisão do STJ?
O primeiro efeito é sinalizar para o mercado que pode negar tudo o que estiver fora do rol. O segundo impacto, além de aumento da negativa de coberturas, será em relação aos que estão com os processos judiciais em andamento, ainda sem decisão definitiva. Essas pessoas ficam mais vulneráveis.
Como a decisão de hoje afeta esses consumidores?
O cenário é de uma interpretação mais restritiva daqui para frente. Vamos observar como vão agir os tribunais estaduais. Quem recebe tratamento via liminar, uma situação consolidada, apesar de não ser automático, poderá ter essa situação revista.
A previsão de exceções estabelecida pelo STJ melhora a situação?
Os critérios estabelecidos são muito específicos, na prática será mais difícil ter acesso a procedimentos por via judicial, mas haver uma modulação é bom. Não se fechou a porta totalmente para uma discussão judicial.
Essa discussão na Justiça se encerra no STJ ou é possível recorrer ao Supremo?
O tema de fundo dessa discussão é de direito à saúde e quem pode ou não estabelecer o que deve ser de cobertura obrigatória. Essas são questões constitucionais e podem caber ao STF.
Haveria uma possibilidade de reversão da decisão do STJ no Supremo?
Sempre há uma possibilidade, mas essa é uma questão que ainda teremos que discutir.
'Não haverá impacto para o consumidor', diz Renato Casarotti
Renato Casarotti, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), não vê qualquer impacto para empresas ou consumidores da decisão do STJ.
Para as operadoras, o entendimento sempre foi de que o rol era taxativo. O entendimento majoritário do Judiciário, até esse momento, de que seria exemplificativo, diz ele, não tinha um efeito sistêmico sobre o setor.
Qual o impacto da decisão do STJ para o setor?
Acho que o impacto será nenhum. O entendimento da lei, da reguladora e das operadoras sempre foi de que o rol era taxativo. E isso sempre foi levado em conta na hora de precificar os planos de saúde. Haveria impacto se a decisão fosse pelo rol exemplificativo, pois o que saísse da caneta do médico teria que ser coberto, e não haveria como calcular esse custo, jogaria o preço nas alturas.
Mas a decisão pela taxatividade não têm impacto sobre a judicialização?Isso não representa custo para o setor?
A judicialização não é irrelevante, afeta as contas. Mas se pensarmos que, em 2020, último dado fechado, foram 1,6 bilhão de procedimentos. Em 2021, devemos ter chegado à casa dos dois bilhões, e são milhares de ações. Não há um impacto sistêmico, são causas individuais. Acho, no entanto, que há possíveis efeitos sobre o processo de incorporação de tecnologia.
Quais?
Acho que haverá uma pressão maior sobre a ANS para incorporação de tecnologia, com maior participação de entidades médicas e social. Mas acho que a ANS está preparada, fez o dever de casa, hoje a atualização é um processo contínuo e mais transparente.
O ministro Villas Bôas Cueva falou na possibilidade de contratação de cobertura extra para tratamentos fora do rol. Como o senhor vê isso?
A venda de coberturas adicionais é uma possibilidade, que já é praticada por algumas operadoras atualmente. Por outro lado, com o processo de atualização contínua, a tendência é de que haja cada vez menos procedimentos fora do rol.