TCU deve adiar julgamento e venda da Eletrobras deve ficar para 2023

Governo tenta costurar acordo para limitar prazo de vista de Vital do Rêgo

Decisão de ministro poderá travar processo de privatização da estatal
Foto: Fernanda Capelli
Decisão de ministro poderá travar processo de privatização da estatal

O ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União (TCU), confirmou ao GLOBO que pedirá mais tempo para analisar a segunda e última etapa do processo na Corte que julga a privatização da Eletrobras, com o julgamento marcado para a tarde dessa quarta-feira. Com o pedido de vista, a venda da estatal pode ser inviabilizada neste ano, na avaliação de integrantes do governo e do mercado.

Vital do Rêgo disse que pedirá mais 60 dias para analisar o caso, o prazo máximo a que os ministros têm direito. O governo trabalha, agora, nos bastidores, para que esse período de vista dure no máximo uma semana.

"Até agora, quase 19h da véspera do julgamento, ainda não recebi o voto do relator (ministro Aroldo Cedraz). Será preciso pedir mais tempo para analisar o processo", disse o ministro.

O voto do relator deverá ser favorável à privatização, mesmo que aponte mudanças pontuais no formato. Uma das questões que ele deve levar ao plenário é o preço mínimo das ações, algo que não preocupa o governo.

Técnicos do Ministério da Economia e do BNDES afirmam que o TCU precisa dar o aval à operação até o dia 27 deste mês para que a privatização ocorra em maio, sob pena da desestatização sequer ocorrer neste ano. A proxima janela seria apenas em agosto, muito próximo das eleições e com menos apetite no mercado de ações.

Por isso, integrantes do Palácio do Planalto e da equipe econômica mantêm conversas com ministros do TCU como forma de evitar que o assunto seja prolongado. Uma das possibilidades é que os ministros favoráveis ao modelo de privatização votem mesmo com o pedido de vista de Vital, de maneira a formar maioria antes de um eventual adiamento.

Neste momento, há um cenário favorável ao mérito da privatização, mas ela pode ser atrasada com o pedido de vista.

Outra possibilidade é limitar o pedido de análise a uma semana no máximo. Esse expediente foi feito, por exemplo, na análise do leilão do 5G, quando o ministro Aroldo Cedraz teve seu pedido de vista limitado pelos colegas do plenário.

Cedraz, à época, se queixou do prazo. A limitação da vista em uma semana depende de acordo entre a maioria dos ministros e ainda está sendo costurado entre os membros da corte e do governo.

Nessa hipótese, o assunto voltaria para a pauta no dia 27 deste mês, data-limite colocada pelo governo para dar tempo de privatizar a empresa até maio.

O processo no TCU acabou politizado. Vital do Rêgo é próximo a senadores do MDB como Renan Calheiros (AL), contrários à privatização, e já pediu vista no primeiro julgamento do caso, iniciado no ano passado.

A venda da maior empresa de energia da América Latina também entrou na disputa presidencial. Lideranças do PT já sinalizaram que, num eventual governo Lula, a operação seria revogada.

Nos bastidores do governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, critica a pressão do PT junto ao TCU e fala de interferência política na corte caso o processo não seja julgado no tempo necessário para fazer a operação.

Em cerimônia no Palácio do Planalto na semana passada, Guedes subiu o tom ao afirmar que nenhum candidato pode ligar para os ministros do TCU para tentar paralisar a capitalização da Eletrobras.

Prazo apertado

A privatização da Eletrobras é uma corrida contra o tempo. Pelo cronograma do governo, o TCU precisa dar aval à operação até o dia 27. É um tempo necessário para que o BNDES faça todo o trâmite e consiga realizar a capitalização na B3 e na Bolsa de Nova York até o dia 13 de maio.

Caso passe do dia 13 de maio, uma sexta-feira, o governo só consegue fazer a operação em agosto. Isso ocorre por conta dos prazos estabelecidos pela SEC, que regula o mercado de ações dos Estados Unidos, onde a Eletrobras tem papeis negociados.

Entre no  canal do Brasil Econômico no Telegram e fique por dentro de todas as notícias do dia

Agosto é um prazo delicado por conta da proximidade das eleições. Além disso, os fundos internacionais costumam concentrar aportes em grandes capitalizações no primeiro semestre.

Preço das ações

O TCU já analisou e aprovou a primeira parte do processo de privatização, que avaliou o preço das outorgas que serão pagas pela Eletrobras privada ao governo federal. Agora, o TCU se debruça sobre a privatização em si, especialmente o preço mínimo das ações.

A área técnica chegou a sugerir mudanças nessa precificação, mas nada que preocupa o governo, que acredita que isso será definido pelo mercado.

Também está em análise a cisão da Eletronuclear (que cuida das usinas nucleares de Angra) e de Itaipu — ambas não podem ser privatizadas.

O modelo da privatização prevê transformar a companhia em uma corporação, sem controlador definido, após uma oferta de ações que não será acompanhada pela União. Sem acompanhar a capitalização, o governo tem sua participação diluída para menos de 50% e perde o controle das empresas.

No total, o governo calculou em R$ 67 bilhões os valores relacionados à privatização, mas nem tudo vai para os cofres públicos. Desse valor, R$ 25,3 bilhões serão pagos pela Eletrobras privada ao Tesouro neste ano pelas outorgas das usinas hidrelétricas que terão os seus contratos alterados.

Serão ainda destinados ainda R$ 32 bilhões para aliviar as contas de luz a partir deste ano por meio do fundo do setor elétrico, a Conta de Desenvolvimento Energética (CDE). O restante vai para a revitalização de bacias hidrográficas do Rio São Francisco, de rios de Minas Gerais e de Goiás, e para a geração de energia na Amazônia.