Motoristas de app e caminhoneiros saem da rua após alta do combustível
O último reajuste da Petrobras, em vigor desde 11 de março — de 18,77% para a gasolina e de 24,9% para o diesel —, pesou ainda mais na decisão
Custos com manutenção e financiamento do veículo, alimentação, aluguel e o vilão dos vilões: o alto preço do combustível. Para quem trabalha ao volante, tem sido cada vez mais difícil equilibrar despesas e ainda conseguir ter algum ganho para o sustento de casa. O último reajuste da Petrobras, em vigor desde 11 de março — de 18,77% para a gasolina e de 24,9% para o diesel —, pesou ainda mais para motoristas de aplicativos e caminhoneiros, e reforçou um movimento que já vinha acontecendo: os profissionais estão desistindo de trabalhar.
No Estado do Rio, somente o aumento acumulado do diesel nos últimos 12 meses chegou a 2,89%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comprometendo boa parte dos custos dos caminhoneiros. Na capital, o custo médio na bomba chega a R$ 6,48, segundo dados coletados entre os dias 13 e 19 pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
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Segundo entidades de classe, o combustível representa até 60% da planilha dos caminhoneiros. O aumento de gastos tem feito o trabalho não compensar para quem é autônomo, e empurra profissionais para fora do setor ou em busca de vagas fixas em transportadoras. Um levantamento feito pela Federação dos Caminhoneiros do Rio de Janeiro (Fecam-RJ) apontou que cerca de dois mil profissionais deixaram de ser autônomos no estado nos últimos quatro anos, a pior fase de 2021 para cá, com 800 caminhoneiros atrás de vagas fixas:
— Eram cerca de 36 mil caminhoneiros. Hoje estamos com 34 mil. O principal momento de debandada ocorreu no último ano, com os aumentos exorbitantes do óleo diesel. Da semana passada para cá, foram mais colegas. Está inviável rodar. O frete não cobre nem os custos da viagem — diz Nelson Junior, presidente da Fecam-RJ.
Caminhoneiro há 22 anos, Geovani Hentvy, de 46, foi um entre tantos. Há um ano ele trabalha para uma fábrica de tintas no Rio e faz entregas em todo o país. Com o salário no fim do mês, dorme mais tranquilo:
— Como autônomo, eu cuidava da minha família, minha filha estudava em colégio particular, e tínhamos plano de saúde. Sendo celetista, consigo pagar as contas e dormir em paz, porque o peso dos custos não estão mais nas minhas costas. Mas só consegui terminar de pagar os R$ 9 mil da troca dos pneus quando vendi o caminhão — desabafa o morador de São Gonçalo.
Situação semelhante vive o motorista Manoel Correia, de 43. Foram três anos rodando a cidade do Rio como motorista de aplicativo, mas no fim de 2021, as dívidas atropelavam as contas da família, e o que ele ganhava não era suficiente para o sustento da casa. Há quatro meses, ele conseguiu um emprego como motorista de BRT, mas ainda precisa tirar dinheiro do orçamento:
— Começava o mês com uma dívida de R$ 2 mil, porque o carro era alugado. Quando o combustível começou a subir, não conseguia tirar nada e comecei a dever. Aí entreguei o carro e joguei os panos. Ainda estou pagando dívidas da época.
No último dia 14, as tarifas da Uber e 99 foram reajustadas, com um aumento de 6,5% e 5% por quilômetro rodado, respectivamente. Mas na prática, segundo os motoristas, os valores repassados não fazem diferença. Assim como os caminhoneiros, o Sindicato dos Prestadores de Serviço por Aplicativo do Rio também já consegue perceber a saída de profissionais do ramo.
— De 2021 para cá, já são 35% dos motoristas do estado deixando de trabalhar por conta principalmente dos combustíveis e da falta de reajustes por parte dos aplicativos. São 300 mil motoristas no estado, 100 mil só na cidade. Estamos sendo sufocados – afirma Luiz Corrêa, presidente da entidade
Ajuda de amigos e parentes
As 14 horas por dia ao volante deixaram de ser suficientes para Daniel Nogueira, 40, sustentar a família. Depois de quatro anos como motorista de aplicativo, hoje ele conta com a ajuda de amigos para viver e custear o tratamento do filho de 3 anos, diagnosticado com autismo.
— Agora estou vivendo de bico. Pego algo para vender, uma pintura em obra, enquanto procuro um emprego. Me endividei demais. Às vezes, os colegas me ajudam. Fazem uma vaquinha, me dão uma cesta básica.
A Uber informou que a taxa de serviço cobrada dos motoristas não é fixa. Segundo a empresa, um investimento de R$ 100 milhões foi feito aos motoristas para o aumento de ganhos e redução dos custos com combustíveis, e que anunciou no dia 19 que irá subsidiar um desconto de 20% em abastecimentos por meio de uma parceria com os postos Ipiranga.
Já a 99 disse que não registra queda no número de motoristas parceiros, e que desde o dia 23 os motoristas passaram a receber R$ 0,10 a mais por quilômetro rodado a cada R$ 1 de aumento da gasolina no comparativo com os preços de março de 2021. O cálculo vai variar de estado para estado e tomará como base a média de preços calculada pela ANP. “A finalidade é anular o aumento enfrentado no abastecimento para garantir que os parceiros tenham rendimentos favoráveis em suas atividades”, afirmou a companhia, em nota.