Dinheiro "esquecido": brasileiros resgatam R$ 900 mil em 24h, diz BC

Mesmo com o site fora do ar nesta terça-feira, 79 mil conseguiram acessar e 8,5 mil solicitações de devolução foram realizadas

Banco Central
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Banco Central

Em menos de 24 horas no ar, o  Sistema de Valores a Receber (SVR) do Banco Central (BC) possibilitou 8,5 mil solicitações de devolução de dinheiro 'esquecido' nos bancos, no total de R$ 900 mil. Os recursos serão transferidos via Pix em até 12 dias úteis.

Esse valor foi resgatado mesmo com o site do BC fora do ar durante toda essa terça-feira por conta do número de acessos que surpreendeu a autoridade monetária.  Segundo o BC, o sistema deve retornar "o mais rápido possível".

“Essas demandas representam um pequeno primeiro passo frente ao potencial de R$ 3,9 bilhões e 28 milhões de CPF e CNPJ nessa primeira fase. O BC está trabalhando para retomar o SVR o mais rapidamente possível para que esse valor possa ser transferido para os cidadãos”, disse em nota.

No total, o Banco Central estima que R$ 8 bilhões estarão disponíveis dessa forma, mas nesta primeira fase são R$ 3,9 bilhões para 28 milhões de pessoas ou empresas. Segundo o BC, 79 mil pessoas conseguiram consultar o SVR desde segunda-feira.

Site suspenso temporariamente

Em nota, o BC disse que suspendeu temporariamente o acesso ao sistema para estabilizar o sistema e as páginas do Banco Central, do Registrato e do site "Minha Vida Financeira".

Na noite desta terça-feira, o site do BC voltou ao ar, mas informando que o "lançamento do Sistema Valores a Receber (SVR) gerou demanda de acessos muito acima da esperada, o que provocou instabilidade em sua página e também nos sites do BC, do Registrato e Minha Vida Financeira. Para estabilizar esses sites, o BC suspendeu temporariamente o acesso ao SVR".

O BC se desculpa e promete informar em breve o restabelecimento do sistema.

Infraestrutura insuficiente para a demanda pode ter sido causa

Rafael Umann, CEO da Azion, empresa que provê serviços de infraestrutura em tecnologia, ressalta que dois fatores podem ter feito o site sair do ar.

O primeiro é a falta de infraestrutura para suportar o volume de acessos. O segundo seria uma questão na programação do sistema.

Umann explica que se for o primeiro caso, o problema poderia ser resolvido em poucas horas com o aumento de capacidade dos servidores. Já se o sistema precisar ser reescrito por programadores, poderia levar alguns dias para retornar. 

Umann acredita que, ao longo do tempo, o “efeito surpresa” da novidade deve ir dispersando e, por consequência, a demanda por mais capacidade de banda deve diminuir. Segundo ele, o episódio se assemelha a uma Black Friday, quando os sites de varejistas precisam se preparar para um grande volume de acessos.

"São 10, 20, 30 vezes mais acessos do que um dia a dia comum e uma forma que essa empresa fazem para absorver é utilizando plataformas de computação distribuída, “edge computing” ou computação elástica, “cloud computing”. Essas plataformas absorvem esse impacto do volume de acesso", disse.

Bruno Giordano, Chief Information Security Officer (CISO) da Ativy Digital, explica que a sobrecarga de acessos é como se muitos clientes entrassem em uma loja ao mesmo tempo e os atendentes não conseguissem falar com todo mundo.

"Imagina que você tem um balcão de atendimento em uma sorveteria, você tem um funcionário seu trabalhando e ele consegue atender no máximo três pessoas. Se de uma hora pra outra entram 1 mil pessoas, ele não vai conseguir atender todas ao mesmo tempo", disse.

Giordano explica que talvez tenha faltado fazer um teste de estresse mais intenso do sistema. Esse teste serve para verificar o limite de processamento de aplicações. 

Daniel Arruda, sócio da Ismac, plataforma de cibersegurança para empresas, também vê diferentes possibilidades:

"O site não suportou o excesso de demanda. Isso pode ter ocorrido em razão do número de servidores disponíveis para o site não ter dado conta do volume de tráfego ou pela falta de um sistema que permita abrir novos servidores e escalar os acessos em caso de aumento de demanda. Mesmo o link de conexão pode ter ficado aquém do necessário para esse tamanho de tráfego."

Ainda que o Banco Central possa não ter dimensionado a quantidade de servidores para suportar uma carga de acesso tão grande, destaca ele, o problema pode estar ligado ainda ao tipo de dado processado pelo site:

"O BC lida com dados sensíveis. Então, a infraestrutura tem de ter segurança adequada, não pode utilizar servidores públicos. É um problema simples de solucionar, mas a solução tem de preservar a segurança dos dados e passar pela burocracia de um órgão ligado ao governo."

'Com muita sede ao pote'

O anúncio de haver R$ 8 bilhões em valores "esquecidos" em contas bancárias e outras fontes que devem ser retornados ao consumidor e a empresas impressiona, diz Andrew Frank Storfer, diretor executivo da Anefac, sobre tudo num momento de inflação alta e emprego e renda em baixa.

"Todo mundo está precisando (de dinheiro). Quando a população enxerga a possibilidade de conseguir dinheiro em algum lugar, ela vai com muita sede ao pote. Todo início de ano é mais difícil. Neste início de ano, tem sorte quem ainda tem um carro e vai pagar IPVA, por exemplo", diz o executivo.

O desafio ao bolso do consumidor nos primeiros meses de 2022, continua ele, é maior que de hábito, porque o país vem "andando de lado" ao menos desde 2015.

"São dois anos de pandemia, com desemprego muito alto e renda média menor porque os salários, de modo geral, também foram reduzidos em meio a uma oferta de mão de obra maior do que de vagas. As pessoas usam o que têm a receber para pagar dívidas. O crédito está difícil; o juro, subindo. O juro (alto) aleija, mas a falta de dinheiro mata",  sublinha ele.

Ainda que o valor a que grande parte dos que tem direito a uma fração desses R$ 8 bilhões seja reduzido —  às vezes a centavos ou a poucos reais —  o executivo frisa que "não é esmola, mas direito do cidadão e das empresas":

"É uma decisão interessante do Banco Central ter facilitado o acesso do cidadão a esses valores. É dinheiro que fica lá, não é corrigido, mas os bancos utilizam."


Consultas

Qualquer pessoa pode consultar se tem algum dinheiro a receber 'esquecido' em contas-corrente e poupança encerradas, cotas de capital e rateio de sobra de cooperativas de crédito, recursos de consórcios e tarifas, parcelas ou obrigações relativas a operações de crédito, como empréstimos e financiamentos cobradas indevidamente.

Nesse último caso, somente os recursos de instituições que assinaram um termo de compromisso com o Banco Central estarão disponíveis.

Ainda neste ano, o Banco Central ainda pretende incluir os recursos de tarifas e parcelas relativas a operações de crédito mesmo que não haja um termo de compromisso assinado pela instituição financeira com o BC.

Saldos de contas de pagamento, sejam pré-pagas ou pós-pagas, também entrarão.

Além disso, a previsão é de que contas encerradas em corretoras ou distribuidoras de títulos mobiliários também possam ter seu saldo resgatado por meio do sistema. Com isso os R$ 4,1 bilhões restantes poderiam ser consultados.