Compensa trocar o IGP-M pelo IPCA na hora de reajustar o aluguel?
Índice que mede a inflação do aluguel está em queda, enquanto IPCA sobe; especialistas recomendam negociação amigável
Quando a alta da inflação medida pelo IGP-M acelerou, a partir do segundo semestre de 2020 e com maior força neste ano, muitas imobiliárias e start-ups do setor defenderam a troca do índice, o mais usado em contratos de aluguel, pelo IPCA. A troca, no entanto, não é garantia, no médio prazo, de reajuste menor.
Ainda há consenso no setor de que a inflação medida pelo IGP-M, que fechou em 17,78% em 2021 , segundo dados divulgados nesta quarta-feira (29), foge da realidade do mercado imobiliário.
Mas especialistas preveem que a tendência é que o índice continue desacelerando, enquanto o IPCA - que mede a inflação oficial do país - deve seguir no caminho contrário nos próximos meses. Diante desse quadro, vale a pena substituir um indicador pelo outro na hora de acertar o aluguel?
"A expectativa é que, em maio de 2022, o IGP-M encontre o IPCA ou fique perto do IPCA. O atual patamar não pode ser considerado uma inflação boa, e as pressões inflacionárias não cessaram de todo, mas a tendência é essa: não esperamos no curto prazo outra desvalorização aguda do real frente ao dólar nem novo aumento de commodities", explica André Braz, economista do FGV Ibre e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), um dos que compõem o IGP-M.
A disparada do IGP-M se iniciou no ano passado e foi intensificada no primeiro semestre. Chegou a 37,04% em 12 meses encerrados em maio. A partir de então, passou a desacelerar.
Impacto do dólar e matérias-primas
O ciclo de valorização de produtos primários e matérias-primas em meio à pandemia e a desvalorização aguda do real frente ao dólar influenciaram a disparada do IGP-M, uma vez que o índice tem forte relação com preços aos produtores, no atacado, e também alta correlação com commodities atreladas ao dólar.
Já o IPCA sofre maior influência dos preços no varejo, do dia a dia do consumidor, e menos da inflação sentida por produtores e pela indústria. A prévia da inflação oficial, IPCA-15, fechou o ano em 10,42%, maior alta em seis anos.
Para Braz, as curvas dos índices podem inverter novamente. "O IPCA pode, sim, ultrapassar o IGP-M. As pressões inflacionárias no IPCA aumentaram porque o ritmo da atividade econômica está voltando, o que influencia a demanda por serviços. Além disso, alta nos combustíveis e na energia impactam os preços em toda a economia", diz.
O economista salienta que nenhum dos dois indicadores foi concebido para indexar contratos e, por isso, podem gerar distorções. Além disso, afirma que a dinâmica dos reajustes de aluguel não tem seguido nem o IGP-M nem o IPCA.
"Entre inquilinos e proprietários sempre prevaleceu a conversa. Ao vermos os dados de aluguéis que compõem parte do IPCA vemos que os reajustes foram menores, não se aproximam de nenhum dos dois. Existe muito espaço para negociação. Para proprietário, neste momento, é muito ruim perder inquilino bom pagador, vale mais a pena fazer acordo abaixo até do IPCA", comenta.
Imobiliárias não recomendam IGP-M
Na imobiliária Lello, que administra mais de 11 mil contratos na Grande São Paulo, cerca de 95% dos novos contratos adotam o IPCA, e a empresa tem recomendado desde janeiro deste ano a não aplicação do IGP-M nos reajustes de contratos em vigência.
No mercado, os contratos residenciais costumam ter duração de 30 meses e os comerciais, cinco anos. "Muito embora agora nós vemos o IGP-M estável e o IPCA subindo, este ainda é o mais baixo, na casa dos 10% em 12 meses, e é mais interessante porque ainda sofremos efeitos econômicos da pandemia. Os aluguéis de contratos novos têm tido estabilidade, alta apenas em regiões mais demandadas", afirma Moira Bossolani, diretora de Risco e Governança da Lello.
Em novembro, 41,94% dos proprietários da base de dados da imobiliária resolveram adotar o IPCA como o índice de reajuste e outros 20,97% não aumentaram o valor do aluguel. Negociaram um reajuste intermediário diferente dos dois índices 26,77% e aplicaram o IGP-M apenas 10,32%.
"Discutimos no Secovi (sindicato das construtoras) e com a FGV a possibilidade de elaborar outro índice para o mercado imobiliário, mas há muitas variáveis que podem afetar o preço e impedem essa padronização, como localização, tipo de imóvel e de locação, que pode ser residencial ou comercial, por exemplo. De maneira geral, chega uma hora em que IGP-M e IPCA começam a se encontrar. O natural é que o IGP-M caia e o IPCA suba até chegarem ao mesmo patamar", afirma ela.
Ações na Justiça
A executiva afirma que a negociação bem fundamentada tem sido crucial, uma vez que contratualmente os proprietários podem aplicar o índice de inflação previsto em contrato.
Embora haja ações na Justiça que questionam a distorção inflacionária medida pelo IGP-M, uma solução judicial para esse tipo de conflito tem custos e pode demorar.
"Mais do que troca de índice, o importante é fazer um acordo amigável para buscar um reajuste por outros parâmetros. Relocar o imóvel na pandemia é complicado e os proprietários sabem disso", afirma Adriano Sartori, vice-presidente de gestão patrimonial e locação do Secovi-SP.
"Sabíamos que em algum momento o IGP-M cairia. Historicamente, o IPCA capta a subida de preços de maneira letárgica porque o repasse dos preços nos produtos demora", explica Sartori.
Como o IPCA já superou o IGP-M em diversos momentos no passado, o ideal é pensar no prazo do contrato antes de fazer a troca do índice, segundo o executivo.
"O locatário deve analisar o histórico dos índices, e não fotografia do momento. Em contratos mais curtos pode fazer sentido aplicar o índice do momento que está menor, mas no mais longo é mais importante o que tem menor volatilidade", diz.
O professor de finanças do Insper Ricardo Rocha afirma que mesmo com tendência de alta, o IPCA é menos volátil que o IGP-M e, por isso, deveria ser o mais usado para balizar contratos de aluguel.
"A indexação ao IPCA, hoje, é mais razoável do que manter o IGP-M, que não reflete a inflação que impacta a pessoa física. É possível criar um outro índice, mas isso demora e precisaria de muita explicação sobre seus porquês até ser adotado de fato", analisa Rocha.