Aumentar teto para pagar auxílio prejudicará os mais pobres, alertam economistas
Bancos e consultorias elevam previsões para a taxa Selic e já projetam inflação acima da meta para o próximo ano
A alta do dólar e a pressão fiscal com o aumento das despesas do governo, devido à mudança no teto de gastos para pagar auxílio de R$ 400 prometido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a pouco mais de um ano das eleições, levam bancos e consultorias a projetarem mais inflação e aumento acima do previsto nas taxas de juros.
Algumas casas projetam juros acima de 10% em 2022 e o estouro da meta de inflação, além deste ano, também em 2022. Resultado: os mais pobres, que deveriam ser os beneficiados pela medida do governo, poderão acabar sendo os mais prejudicados, pois a inflação corrói o valor do dinheiro, especialmente da população alvo do auxílio prometido. E toda a economia sofre com altas nas taxas de juros, a única alternativa do Banco Central para tentar conter os aumentos de preços, ja elevados.
Veja abaixo a opinião de alguns economistas, ouvidos pelo Jornal Nacional, sobre os efeitos das recentes medidas do governo Bolsonaro, com aval do ministro Paulo Guedes.
MARCELO NERI, ex-presidente do Ipea - "Eu acho que a gente talvez não esteja fazendo nem uma coisa econômica nem social. A gente está criando uma grande incerteza, que é ruim para todo mundo. Perdem as finanças públicas, a economia, perdem as pessoas, em particular os mais pobres. Então, eu acho que a gente não está numa boa agenda nem econômica nem social. O risco é de um efeito bumerangue. O dinheiro, que deveria ajudar, acaba perdendo valor por causa da inflação".
SIMÃO SILBER, professor da USP - "As medidas que o governo anunciou nessa semana têm um efeito desfavorável sobre aqueles que vão receber o Auxílio Brasil. Por quê? Porque ao aumentar a taxa de câmbio e ter um efeito sobre a inflação, isso corrói o valor dos R$ 400 que estão prometidos pelo governo em 2022. E, obviamente, para o público em geral, não há essa avaliação de uma forma adequada, porque é um pessoal muito simples que, recebendo os R$ 400, vai perceber que a inflação subindo corroeu o poder aquisitivo desse dinheiro parcialmente. A vítima é sempre conhecida: é o cidadão brasileiro. O governo procurou um caminho populista, de segunda linha, que é muito desfavorável para o cidadão brasileiro".
MAÍLSON DA NÓBREGA, ex-ministro da Fazenda - "O teto de gastos foi feito para limitar despesa que o governo consegue controlar e eliminar do controle da inclusão no teto de outras que ele não tem controle. O abandono da lógica do teto de gastos pode gerar dificuldades para tomar decisões de investir, tomar decisões de consumir, a taxa de juros vai subir mais. A inflação, tal como ela está hoje, prejudica essencialmente as camadas menos favorecidas, porque ela é uma inflação que afeta essencialmente alimentos e energia. Portanto, energia tem a ver com transportes. Alimento tem a ver com a cesta básica. Portanto, o pobre sofre mais".
ZEINA LATIFF, colunista do Globo - "Estamos falando de uma política mal desenhada, sem nenhum esforço para contenção de gastos. Pelo contrário. A PEC dos Precatórios (usada como instrumento de última hora para mudar o teto de gastos) está aumentando ainda mais o espaço para gastos com objetivos eleitorais, o que fere a regra do jogo democrático".
ALEXANDRE SCHWARTZMAN, ex-ex-diretor de Relações Internacionais do Banco Central do Brasil - "Há outras alternativas para bancar esse programa que não envolveria toda essa gambiarra ao redor do teto. Um exemplo claro: emendas do relator. Por que a gente vai gastar R$ 20 bilhões com as emendas de relator? Por que que a gente vai manter o fundo eleitoral para esse ano? Então, a gente vai olhar para o conjunto de programas que tem no Brasil, a gente vai convencer que todos eles são meritórios e eficientes e que não tem nada para ser melhorado? Precisa ser muito ingênuo para acreditar nesse tipo de coisa".