Auxílio Brasil vai elevar risco fiscal, diz economista que trabalhou com Guedes
Para Caio Megale, que integrou equipe econômica, saída para Auxílio Brasil desconstrói arcabouço fiscal e tende a manter valor do benefício no próximo governo
A decisão de fixar um valor de R$ 400 para o Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família em 2022, é uma sinalização clara do governo Jair Bolsonaro de desconstrução da estrutura da política de controle das contas públicas do país.
A avaliação é do economista-chefe da XP, Caio Megale, referindo-se à regra do teto de gastos (que limita o aumento das despesas públicas à inflação do ano anterior) e à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Embora tenha sido anunciado como temporário, com prazo de 14 meses, dificilmente o benefício será extinto em um próximo governo, independentemente de quem vencer a eleição, pondera o economista, que fez parte da equipe do ministro Paulo Guedes até julho do ano passado.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao GLOBO após o anúncio do projeto do Auxílio Brasil.
Como avalia o rompimento do teto de gastos em R$ 30 bilhões para custear o Auxílio Brasil?
Se pegarmos apenas os R$ 30 bilhões, considerando que a arrecadação fiscal está crescendo, e se o benefício fosse temporário, não seria o fim do mundo. O maior problema que vejo é o filme e não o retrato. É a sinalização que o governo está dando.
E qual é a essa sinalização?
É a sinalização de que estamos rompendo as regras fiscais num momento em que elas deveriam estar voltando ao normal.
É diferente de 2020, e mesmo deste ano (2021), em que o auxílio emergencial foi prorrogado por causa dos números ruins da pandemia. Mas agora, com a vacinação adiantada e algumas cidades discutindo até o fim do uso das máscaras...
Qual era a alternativa?
Não quero entrar no mérito de discutir os gastos sociais, mas vamos de um auxílio de R$ 300 para R$ 400. Se ficasse em R$ 300, estaria no teto. Precisa ser maior por causa da inflação?
Mas então poderiam reduzir as emendas parlamentares ou o gasto tributário para buscar espaço no teto. Mas em vez disso, estão acelerando os gastos. Há uma desconstrução do arcabouço fiscal. O Brasil está colocando em xeque o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Esse movimento do governo era esperado?
Não dá para dizer que fomos surpreendidos. Lá no início do ano, prevíamos um cenário alternativo como esse.
Mas agora ele está se tornando o cenário central. O risco fiscal é crônico no país, já que a dívida é alta e o Brasil deficitário. Esses episódios são como aquela hérnia que está sempre ali, mas que em algum momento trava a gente de andar.
Quais as consequências?
O dólar acima de R$ 5 não reflete as contas externas do país. Ele reflete o risco agudo da economia. A inflação também está mais alta por causa do risco fiscal.
A gente previa uma reunião do Banco Central mais previsível, com alta de um pouco mais de um ponto percentual na Selic (que está atualmente em 6,25%). Mas agora ela pode ir a até 8,5% ou 9% este ano. Isso agrava a situação.
Elevar o auxílio a R$ 400 pode ser considerada uma medida eleitoreira, já que ele vai durar exatamente 14 meses?
Não dá para dizer que é eleitoreira. A questão é que o mandato vai terminar com esse valor de auxílio. Se o presidente for reeleito vai retirar? Não. O Lula já vem dizendo que é preciso repensar o teto de gastos. Fica a clara a sensação de que o auxílio não é só por mais um ano.
E quem vai receber são os beneficiários do Bolsa Família, que serão elevados de 14 milhões para 17 milhões de famílias. Mas e os demais que estão recebendo auxílio emergencial agora? Não vão receber nada? O risco é de esses R$ 30 bilhões fora do teto virarem R$ 40 bilhões, R$ 50 bilhões no Congresso.