MP da crise hídrica pode encarecer em até R$ 46,5 bi a conta de luz
Texto, na pauta da Câmara, aumenta custos com construção de gasodutos e incentivos para carvão
Alterações feitas na Câmara na medida provisória (MP) editada para adotar ações contra a crise hídrica podem gerar uma fatura de R$ 46,5 bilhões a serem bancados pelos consumidores nas contas de luz, de acordo com cálculos da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).
As mudanças constam no relatório do deputado Adolfo Viana (PSDB-BA) e o texto pode ser votado ainda nesta semana na Câmara. Prevista para esta segunda-feira, a votação foi adiada por falta de acordo entre as lideranças partidárias. A sessão desta segunda foi encerrada em pouco minutos, sem que houvesse a análise ou discussão do projeto.
Deputados ainda querem mais tempo para analisar as mudanças feitas na proposta antes de votarem o texto.
A MP foi editada no fim de junho e criou a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg) com o objetivo de estabelecer medidas emergenciais para contar a crise hídrica.
No jargão de Brasília, a MP ganhou uma série de “jabutis” — ações estranhas ao texto original da medida — que devem encarecer as contas de luz. O governo já indicou que é contra as mudanças.
O principal impacto será o repasse para os consumidores da construção de novos gasodutos. Essa medida seria uma “solução” para uma determinação aprovada na lei que permitiu a privatização da Eletrobras
Sancionado em julho, a lei da privatização da Eletrobras obriga a contratação de mil megawatts (MW) de termelétricas a gás nos próximos leilões. O problema é que a maior parte dessas usinas precisarão ser construídas em localidades onde não há gás natural e nem infraestrutura de transporte, sendo necessário construir novos dutos para lugares distantes.
A que determina a construção das termelétricas coloca um preço-teto para a energia gerada por essas usinas. Mas o relatório em discussão na Câmara cria uma “solução” para isso.
O texto protocolado pelo relator prevê que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) poderá incorporar nas tarifas de luz o custo da construção de novos gasodutos para usinas térmicas na forma de Receita Anual Permitida (RAP), uma receita fixa paga nas contas de luz.
O texto diz que caberá à Aneel “estabelecer mecanismos vinculados às tarifas de transmissão de forma a integrar o sistema de gasodutos associados à contratação de reserva de capacidade às instalações da rede básica, com vistas à definição da receita anual permitida”. Apenas esse trecho do relatório terá um custo de R$ 33 bilhões nas contas de luz ao longo dos próximos anos, de acordo com a associação de grandes consumidores.
Viana incluiu no parecer uma nova prorrogação do subsídio para o carvão mineral usado em termelétricas. Hoje, esse subsídio está previsto para acabar em 2027 e a sua renovação é um pleito recorrente principalmente de parlamentares do Sul do país.
Pelo texto do relator, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo cujo financiamento é rateado entre todos os consumidores, continuaria bancando parte da exploração do carvão nacional até 2035, a um custo adicional estimado de R$ 2,8 bilhões para os consumidores. Apenas no ano passado, os brasileiros pagaram cerca de R$ 670 milhões para bancar parte da operação de extração do carvão, usado ainda em parte das usinas térmicas de energia.
Segundo o próprio relator, a medida teria o objetivo de “propiciar uma transição gradual da indústria mineira de carvão e atenuar impactos econômicos e sociais em muitos municípios da região Sul”. Uma medida semelhante foi proposta durante a tramitação da MP que permitiu a privatização da Eletrobras no Congresso, mas não foi para frente.
O texto ainda traz algumas outras propostas feitas na esteira da MP da Eletrobras. Entre elas, a extensão do prazo dos contratos de 20 para 25 anos das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) que o governo deverá contratar e a inclusão de encargos e tributos no preço-teto que a energia dessas usinas será negociada. O impacto dessa medida será de R$ 700 milhões.
Também foram propostas algumas alterações sobre os contratos dos empreendimentos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa). A lei da Eletrobras permitiu a renovação desses contratos para evitar que as usinas disputem leilões de energia velha e reduzam seus custos. Esses contratos são bem mais caros que os custos atuais das mesmas fontes de geração de energia — eólica e solar.
Pelas regras estabelecidas pelo governo, o gerador que tiver interesse em prorrogar o contrato deveria fazer a solicitação até 11 de outubro deste ano. O relatório da nova MP, no entanto, estende esse prazo para 30 de março de 2022. O parecer também permite que as geradoras que optarem pela prorrogação possam adicionar novos empreendimentos de energias renováveis em seus contratos - provenientes de fontes solar, eólica, biomassa ou biogás. De acordo com os cálculos da Abrace, essas e outras mudanças propostas no Proinfa podem totalizar cerca de R$ 10 bilhões.