Entenda a "crise da gasolina" que causa pânico entre os britânicos
Falta de caminhoneiros e reflexos do Brexit provocam problema
Desde o fim de semana, longas filas de carros se formam nos postos de combustíveis por todo o Reino Unido na face mais visível da "crise da gasolina" britânica.
O governo chegou a cogitar até a colocar membros do Exército no meio da cadeia de distribuição do combustível para evitar o agravamento do problema, mas o premiê Boris Johnson afirmou que não é "hora de pânico ou alarmismo". O Gabinete considera que essa é apenas uma situação passageira, mas não é o que se vê pelo país.
Milhares de britânicos relatam que já há diversos postos sem gasolina e que o desabastecimento que viam nos supermercados nos últimos meses aumentou.
Motivos
A crise ocorre por uma combinação de motivos, especialmente, a falta de motoristas para caminhões pesados, a pandemia de Covid-19 e os problemas causados pela burocracia extra provocada pelo Brexit - a saída do Reino Unido da União Europeia.
Uma associação da indústria de transportes estima que há falta de 90 mil a 100 mil motoristas - muito por conta da necessidade de comprovações adicionais dos estrangeiros para poderem operar legalmente no território britânico. Antes do Brexit, muitos dos profissionais eram de países vizinhos e podiam circular livremente entre as nações.
Além disso, a burocracia para entrar com um caminhão pesado no Reino Unido encarece muito o transporte, além da perda de horas no trânsito para conseguir fazer cada entrega.
Por conta disso, Londres anunciou uma série de medidas para afrouxar temporariamente as regras para dar um visto temporário de trabalho para cerca de cinco mil motoristas estrangeiros e 5,5 mil funcionários para o setor agrícola, que também enfrenta escassez de mão de obra e que, no fim de ano, se foca na produção de perus para as ceias de Natal.
O governo britânico também vem fazendo apelo para que os cidadãos só abasteçam o necessário para não provocar uma falta por conta da alta demanda. Segundo o Gabinete de Boris Johnson, a situação deve se normalizar "em breve".
Uso do Exército
A crise levou o governo a cogitar recorrer ao Exército para amenizar a falta de caminhoneiros. Durante o fim de semana, foram registradas longas filas em vários postos de gasolina, especialmente nas grandes cidades e na capital, Londres.
O aumento da demanda por gasolina levou a a Associação de Postos de Gasolina do Reino Unido (PRA) a advertir que até dois terços de seus membros, o equivalente a quase 5.500 postos de gasolina independentes do total de 8 mil no país, tinham pouca quantidade de combustível no domingo. Os demais estavam "quase sem nada".
Nesta segunda-feira, quase 30% dos postos do grupo BP ainda eram afetados pela escassez. Nos últimos dias, apesar das tentativas do governo de tranquilizar a população, muitos cidadãos correram para os postos de gasolina. Ao observar a falta de alguns alimentos nos mercados, temeram pela falta de combustível.
Repercussão internacional
Na Alemanha, o candidato a chanceler do Partido Social-Democrata (SPD), Olaf Scholz, que teve uma vitória apertada na eleição de domingo, foi questionado sobre a crise. A pergunta, feita por um repórter britânico em uma entrevista coletiva de Scholz, foi recebida com risos. Em um inglês fluente, o social-democrata lembrou aos britânicos que seus problemas também são consequência do Brexit.
"A livre circulação de mão-de-obra faz parte da União Europeia (UE). Trabalhamos muito para convencer os ingleses a não deixarem a UE. Eles decidiram diferente e espero que administrem os problemas decorrentes disso", respondeu ele, lembrando que a "a questão dos salários" e das "condições de trabalho" também poderiam ter tornado o setor de transporte de carga menos atraente.
Vazamento de relatório
Em um comunicado divulgado no domingo, o ministro de Empresas e Energia, Kwasi Kwarteng, anunciou a isenção temporária para o setor das distribuidoras de combustíveis das regras da concorrência, para que possam abastecer, prioritariamente, as áreas mais necessitadas.
O tabloide The Sun cita o exemplo de uma enfermeira que precisou percorrer três postos de gasolina e esperou por muito tempo.
"Agora vou me atrasar para visitar os pacientes, que precisam da minha ajuda para suas refeições e medicamentos", declarou a profissional da saúde ao jornal, sem conter as lágrimas.
Em entrevista ao canal Sky News, o presidente da PRA atribuiu o movimento de pânico ao "vazamento de um relatório confidencial da empresa BP durante uma reunião do governo". O documento foi divulgado na quarta-feira e acompanhado por "compras motivadas pelo pânico na quinta-feira, sexta-feira, sábado e ontem", completou.
"Um dos nossos membros recebeu um carregamento ao meio-dia e, no fim da tarde, já havia acabado completamente", disse à rede BBC Brian Madderson, presidente da PRA.
A situação lembra a década de 1970, quando a crise energética provocou o racionamento de combustível e a redução da semana de trabalho para três dias. Há quase 10 anos, as manifestações contra o preço elevado da gasolina também provocaram um bloqueio das refinarias e paralisaram as atividades no país durante semanas.
Falta de pessoal
A escassez se deve, sobretudo, à falta de motoristas. A situação levou o governo britânico a alterar, no sábado, a política de imigração pós-Brexit e conceder até 10.500 vistos de trabalho provisórios, de três meses. As permissões devem atenuar a falta de caminhoneiros e de profissionais em setores cruciais da economia britânica, como a criação de aves.
De acordo com a imprensa britânica, o governo contempla recorrer ao Exército, no curto prazo, para enfrentar a escassez. Ao ser questionado sobre se medida vai conseguir melhorar a situação, Madderson respondeu com cautela.
"Não é tão fácil como se pensa, pois os caminhoneiros são muito especializados e o os caminhões-tanque transportam um líquido muito inflamável por todo país, algo que exige procedimentos adequados de carga e descarga".
Ele ressaltou que, devido à pandemia da Covid-19, muitas pessoas não conseguiram tirar a carteira de motorista para caminhão e que a escassez de caminhoneiros afeta a Europa continental. O presidente da PRA disse esperar, no entanto, que o problema seja resolvido, pelo menos em parte, até o fim de semana.
*Com agências internacionais