Crise hídrica é "ação irresponsável" do governo, diz ex-presidente da ANA

Especialistas também consideram que a atual política energética privilegia a distribuição de lucros para empresários e acionistas do setor elétrico

Foto: Redação 1Bilhão Educação Financeira
Especialistas também consideram que a atual política energética privilegia a distribuição de lucros para empresários e acionistas do setor elétrico

Debatedores ouvidos nesta segunda-feira (16) pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados afirmaram que os sucessivos aumentos na conta de luz do brasileiro não decorrem da falta de chuvas, mas de má gestão dos reservatórios das usinas hidrelétricas. Eles também consideram que a atual  política energética privilegia a distribuição de lucros para empresários e acionistas do setor elétrico.

Ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu defendeu a tese de que a crise hídrica atual resulta de uma “ação irresponsável" do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão que controla a operação das instalações de empresas de geração e transmissão. Ele avalia que o órgão deveria ter acionado as termelétricas mais cedo, a fim de reduzir os impactos da falta de chuva nos reservatórios das hidrelétricas.

"O ONS aumentou sistematicamente, mês a mês, mesmo as chuvas não chegando, a operação da geração hidráulica no Brasil, e reduziu, de maneira irresponsável, a geração térmica, provocando artificialmente um esvaziamento dos reservatórios”, observou Andreu, durante o debate proposto pelos deputados João Daniel (PT-SE), Waldenor Pereira (PT-BA), Nilto Tatto (PT-SP), Valmir Assunção (PT-BA), Patrus Ananias (PT-MG) e Marcon (PT-RS).

"É um padrão que leva à fabricação artificial de crise no final do período chuvoso, gerando uma explosão de tarifas”, acrescentou. O mestre em energia Gilberto Cervinski, que representou o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), também questionou a gestão dos reservatórios. “O resultado disso é o aumento na conta de luz do povo.”

Reajustes

Os deputados Waldenor Pereira, que preside o colegiado, e João Daniel, que comandou a reunião de hoje, destacaram a importância de debater alternativas para a crise do setor elétrico, que tem gerado aumentos sucessivos na tarifa de energia.

O último reajuste, que começou a valer em julho deste ano, elevou o valor da tarifa para R$ 9,492 por 100 quilowatts-hora (kWh), 52% maior do que a tarifa praticada em junho (R$ 6,243). Nos dois meses, o valor cobrado corresponde ao patamar 2 da bandeira vermelha, que prevê os maiores reajustes em função da elevação dos custos de geração. Em maio, o valor cobrado pelos mesmos 100 kWh era de R$ 4,169 e a bandeira tarifária era vermelha patamar 1. Em abril, com bandeira amarela, a tarifa era de R$ 1,343 a cada 100 kWh consumidos.

Dividendos

Representando os trabalhadores do setor elétrico, Gustavo Teixeira, do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE), disse que o aumento nas contas de luz também tem relação com a política energética adotada no Brasil, que, segundo ele, privilegia ganhos de empresários e acionistas do setor.

"Ao mesmo tempo em que temos uma das tarifas mais caras do mundo, o setor elétrico é um dos que mais paga dividendos”, declarou Teixeira. De acordo com ele, em valores não atualizados, de 2011 a 2020, foram pagos R$ 112 bilhões em dividendos pagos a acionistas do setor. “No ano inicial da pandemia, 2020, foram distribuídos R$ 14 bilhões em dividendos. Muitas empresas do mundo optaram por não distribuir dividendos na pandemia, até pra preservar caixa. No Brasil, não houve essa preocupação”, sustentou.

Versão do governo

Representando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Davi Antunes Lima afirmou que, desde setembro de 2020, o baixo volume de chuvas tem comprometido o uso de hidrelétricas, demandando o acionamento de mais termelétricas e aumentando os custos das distribuidoras , o que tem resultado em mudanças na bandeira tarifária adotada no País.

O superintendente de gestão tarifária da Aneel explicou que atualmente pressionam o preço da energia produzida no Brasil: o dólar, que influencia o valor da energia da Usina de Itaipu; a variação do IGP-M, índice que regula contratos de 17 distribuidoras; e o agravamento do cenário hidrológico, com escassez de chuvas.

Para 2021, segundo Lima, a previsão inicial era de um reajuste anual de 18,75%, mas, após oito medidas técnicas adotadas pela agência, a expectativa é que o repasse ao consumidor fique em torno de 9%. Para 2022, a agência tem estimativas preliminares que apontam para a necessidade de reajustes de 16,68%, principalmente por conta da crise hidrológica.

Lima avalia, no entanto, que novas ações projetadas pela Aneel, como a antecipação de recursos decorrentes da privatização da Eletrobras, consigam reunir R$ 8,5 bilhões e reduzir o reajuste da tarifa cobrada dos consumidores.

“Com essas medidas adicionais, em vez dos 16,68% previstos pra 2022, a gente ainda tem uma previsão de reajuste de 10,73%, mas estamos ainda estudando alternativas”, comentou.