Argentina suspende exportações de carne por 30 dias e associação anuncia greve
Associações agrícolas reagem e vão interromper comercialização por nove dias como forma de protesto
Quarto maior exportador mundial de carne bovina , com 819 mil toneladas em 2020, a Argentina suspendeu as exportações do produto por 30 dias, enquanto define medidas de emergência para frear o aumento do preço no mercado interno, anunciou o governo.
"Como consequência do aumento sustentado do preço da carne bovina no mercado interno, o governo decidiu adotar um conjunto de medidas para ordenar o funcionamento do setor, restringir práticas especulativas e evitar a sonegação fiscal no comércio exterior. Enquanto as medidas terminam de ser implementadas, as exportações de carne bovina serão limitadas durante 30 dias", afirmou a Presidência.
Mecanismos de exceção serão habilitados para operações de comércio exterior em curso.
A decisão foi comunicada pelo presidente Alberto Fernández aos representantes do setor exportador de carne reunidos na associação ABC, durante um encontro na Casa Rosada (sede do governo).
"A questão da carne saiu do controle. O preço sobe mês a mês sem justificativa. Temos que colocar ordem", disse o presidente à Rádio 10 nesta terça-feira para justificar a medida.
Fernández insistiu: "Não podemos ver como os preços sobem sem justificativa, ou seja, o preço da carne sobe e o consumo da carne diminui."
Em 2020, as exportações argentinas de carne e couro bovinos alcançaram US$ 3,368 bilhões, uma queda de 16,5% na comparação com 2019. Os principais destinos foram China, Alemanha e Israel, segundo o instituto de estatísticas Indec.
A Argentina vem arrastando há anos uma recessão com alta inflação, que foi agravada pela pandemia do coronavírus e levou a pobreza a 42% da população. Especialistas esperam inflação próxima a 47% neste ano, puxada principalmente pela alta nos preços dos alimentos.
Quarto exportador mundial de carne
A Argentina é o quarto maior exportador mundial de carne bovina, atrás de Brasil, Austrália e Índia, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
Fernández já havia expressado preocupação com os aumentos dos preços no país, fundamentalmente dos alimentos.
"Estou muito preocupado com os aumentos dos preços, são inexplicáveis. Estou decidido a atacar este tema. Me preocupa muito, porque é inexplicável. Sinceramente, não há nenhuma razão, além do aumento do consumo, para explicar os aumentos que aconteceram em março e abril", declarou em uma entrevista no domingo ao canal C5N.
O presidente afirmou que "celebra" o fato de o país exportar carne, mas lamentou que isto provoque o aumento do preço para os argentinos.
Os argentinos consomem a média 49,2 quilos de carne bovina por ano, contra o pico de 69,3 quilos registrado em abril de 2009, segundo a Câmara de Indústria e Comércio de Carnes.
A Argentina tem uma das inflações mais elevadas do mundo: em abril, o índice atingiu 4,1% e acumulou 17,6% nos primeiros quatro meses do ano, de acordo com o Indec.
O avanço da inflação reforça a impressão de que o governo terá muitas dificuldades para cumprir a meta inflacionária de 29% por ano calculada na Lei de Orçamento.
Segundo o Indec, o custo de vida nos últimos 12 meses aumentou 46,3%, mas os preços dos diferentes cortes de carne bovina aumentaram 65,3% em abril na comparação com o mesmo mês em 2020, segundo o Instituto de Promoção da Carne Bovina Argentina (Ipcva).
Para enfrentar os efeitos econômicos do longo confinamento de 2020, o governo aprovou um grande programa de ajudas, que implicou uma elevada emissão monetária.
As exportações agrícolas representam a maior fonte de divisas do país.
A Argentina enfrenta uma recessão pelo terceiro ano consecutivo, agravada em 2020 pela pandemia da covid-19, que provocou uma queda de 9,9% do PIB. A pobreza alcança 42% da população.
Associações agrícolas reagem
As principais associações agrícolas da Argentina anunciaram uma paralisação de nove dias na comercialização de gado em protesto contra a suspensão das exportações anunciada pelo governo para evitar aumentos nos preços domésticos dos alimentos.
“A Comissão de Enlace das Entidades Agropecuárias (...) pede a cessação da comercialização de todas as categorias de pecuária a partir da 0h de quinta-feira, 20 de maio, até as 24h da sexta-feira, 28 de maio”, afirmaram as quatro maiores associações das áreas rurais do o país em um comunicado.
Em uma primeira reação, as organizações da chamada "Mesa de Enlace del Campo" criticaram a medida do governo.
"Vamos nos reunir de maneira imediata para exercer uma rejeição total a esta medida nefasta", afirmou Daniel Peregrina, presidente da Sociedade Rural Argentina, que reúne grandes produtores.
Em nota, a Marfrig Global Foods confirmou a suspensão das exportações de carne bovina por 30 dias e destacou que as operações da companhia na Argentina representaram 3,2% da receita líquida consolidada no primeiro trimestre.
"Assim sendo, o impacto direto dessa restrição se limita a 1,3% da receita líquida consolidada, representada pelas exportações argentinas no período", completa a empresa.
No mercado argentino, a Marfrig detém as marcas "Paty" e "Vieníssima!", que lideram os segmentos de hamburgueres e salsichas.
O setor agrário está em curto-circuito há anos com a centro-esquerda peronista atualmente no poder. Em 2008, a então chamada Mesa de Enlace do Campo organizou uma greve agrária de quase quatro meses contra o projeto da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) de aumentar os impostos sobre as exportações. O duro conflito que colocava o governo em xeque na época terminou quando o Congresso rejeitou a iniciativa.
* Com Reuters