Ajustes fiscais na PEC do auxílio perdem força e podem travar na Câmara

Equipe econômica e Lira entraram em cena para demover presidente da República da ideia. Relator diz que vai manter texto aprovado no Senado, com regras mais duras

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
PEC Emergencial deve ser votada na Câmara nesta quarta-feira (10)

Um dia após ser defendida pelo presidente Jair Bolsonaro , a proposta de flexibilizar o ajuste fiscal previsto na proposta de emenda à Constituição (PEC) que recria o auxílio emergencial chegou a ser discutida por líderes da Câmara na manhã desta terça-feira (09), mas perdeu força ao longo do dia.

O movimento para manter regras mais duras, já aprovadas no Senado, ocorreu após reação nos bastidores da equipe econômica e de declarações de parlamentares preocupados com o efeito que a desidratação do projeto causaria nos juros e na inflação. A PEC deve ser votada nesta semana na Câmara.

O plano em estudo, ainda não descartado, é retirar do texto trecho que prevê que servidores terão o direito à promoção por tempo de serviço suspenso em caso de crise fiscal. O objetivo da medida é preservar especificamente profissionais da área de segurança, como policiais.


O assunto foi discutido nesta terça em reunião na residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL. Preocupados, Lira e o relator da PEC Emergencial, Daniel Freitas (PSL-SC), foram ao Palácio do Planalto para conversar com o presidente da República. O líder do PSL, Vitor Hugo (GO), participou da reunião.

Relator diz que vai manter texto mais rígido

Após o encontro, Freitas disse que seu relatório contemplará o mesmo texto do Senado. Ele argumentou que qualquer mudança prejudicaria "a camada mais pobre da população". Dependendo do tipo de emenda, alterações na PEC podem atrasar a tramitação da proposta, com o retorno do texto ao Senado, o que adiaria o pagamento do auxílio emergencial.

"As corporações gostariam de ser incluídas no texto, mas não podemos pensar que vamos atrasar a entrega do texto", disse Daniel Freitas.

Perguntado se algum partido apresentaria emendas para garantir a promoção a servidores, ele disse não ter ciência da movimentação. Apenas afimou que esse é um direito das legendas.

O parlamentar confirmou ainda a intenção de Bolsonaro, até o último momento, de contemplar servidores da área de segurança.

"O presidente Bolsonaro queria ver (o atendimento) à segurança pública neste momento, mas nós entendemos que agora o plenário da Câmara é soberano. E nós vamos levar à apreciação dos deputados. O meu relatório vai neste sentido", ressaltou Freitas.

Com a decisão do relator, qualquer alteração no texto depende da apresentação de emendas em plenário, que seriam votadas separadamente após a aprovação do texto principal.

Maioria da base quer manter o texto, diz Lira

Mais tarde, Arthur Lira indicou que a tendência da Câmara é manter o texto aprovado no Senado disse que a intenção da maioria dos deputados é aprovar o texto original do Senado.

Ele prevê votação da constitucionalidade da PEC ainda nesta terça-feira. Na quarta, os deputados votariam em primeiro e segundo turno a proposta. Sobre a possibilidade de atender servidores, admitiu que pode ocorrer apresentação de destaques ou emendas neste sentido.

"São situações que merecem discussão, podem merecer ou não destaques e emendas, mas a maioria esmagadora da base decidiu que o melhor será, por todo o momento que o Brasil vive, (manter o texto). A perspectiva e previsões de votações na Casa têm que ser claras. E o auxílio é importante para todos", afirmou. 

Lira acrescentou que a discussão do mérito está "organizada". Afirmou ainda que o relator fará "poucas ou nenhuma alteração" na PEC.

"Vamos para o plenário e, lógico, haverá uma discussão mais ampla, democrática, partidária, de quem concorda ou não, de temas que serão discutidos", disse Lira.

Sobre a reunião com Bolsonaro, Lira disse que o presidente recebeu bem a intenção de não dar preferência aos servidores.

"(Bolsonaro recebeu) muito bem, sereno. E sabe que a PEC tem origem no legislativo, de um senador, será votada na Câmara e promulgada pelo Congresso. Então, será uma decisão qualificada pelo Congresso Nacional.", concluiu.

Nas redes sociais, o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PP-AM

Integrante da bancada da bala, Capitão Augusto (PL-SP) disse que terá dificuldades de apresentar emenda à PEC caso o presidente Jair Bolsonaro não se posicione sobre o assunto e oriente sua base. Ele é autor de emenda que privilegia profissionais de segurança.

"Nós não desistimos ainda. Mas estamos vendo que, sem o aval do governo, nós não vamos conseguir nem as assinaturas, quiçá aprovar essa emenda. Então, a base do governo, os parlamentares, estão aguardando orientação do próprio governo. Se o governo não der o aval, nós não vamos conseguir sequer apresentar essa emenda", disse Capitão Augusto

O que diz a PEC

Como aprovada no Senado, a PEC prevê a possibilidade de acionar medidas como congelamento de salários e proibição de concursos públicos caso União, estados ou municípios entrem no chamado estado de emergência fiscal, quando as despesas crescerem acima de um patamar específico.

As ações de controle incluem a proibição de reajuste salarial, vedação de concursos públicos e criação de qualquer outro tipo de despesa obrigatória, como concessão de bônus ou auxílios ao funcionalismo.

O que está em negociação é retirar da proposta a proibição às progressões e promoção de carreira — reajustes automáticos que ocorrem periodicamente. Outras travas, como bloqueio de reajustes concedidos voluntariamente, continuariam proibidos em caso de crise fiscal.

Outro ponto em discussão pelos líderes é a retirada do artigo que obriga Bolsonaro a encaminhar um projeto ao Congresso para rever benefícios fiscais.

A avaliação, nesse caso, é que essa discussão deve ficar para quando a reforma tributária entrar em pauta, o que ainda não tem previsão de acontecer.

Equipe econômica reage

Nos bastidores, a movimentação de Bolsonaro e de Vitor Hugo é acompanhada com apreensão. Segundo fontes, auxiliares do ministro da Economia, Paulo Guedes, entraram em cena para garantir que a proposta seja aprovada conforme foi aprovada no Senado.

De acordo com integrantes da equipe, Guedes recebeu o apoio do ministro da Secretaria-geral de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que teria entendido que a sinalização ao mercado seria ruim, caso a PEC seja desidratada.

A avaliação no time da Economia é que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)  que permitiu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltasse a ser elegível tende a fazer com que Bolsonaro intensifique a busca de apoio entre aliados de primeira hora, como militares.

Durante a reunião, técnicos que acompanham as negociações no Legislativo alertavam ainda que uma das possibilidades em discussão seria aprovar o texto original do Senado e incluir as mudanças exigidas pela bancada da bala em uma nova proposta, chamada de PEC paralela.

Nessa estratégia, o projeto com regras mais duras e a autorização para o auxílio seria promulgado e caberia aos parlamentares interessados na flexibilização mobilizar o Congresso para promover mudanças.

A alternativa seria uma redução de danos ao governo e tende a desagradar parlamentares que defendem que a proposta seja aprovada já com regras mais brandas.

Bolsonaro anunciou mudança

Em entrevista na tarde de segunda-feira, ao falar com jornalistas na saída do Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que a bancada da segurança na Câmara está insatisfeita com o texto da PEC.

"A bancada da segurança queria mudanças, ela tem mais ou menos 50 parlamentares. Conversei com relator e com o Arthur Lira e, da minha parte, falei com o relator que ele poderia correr o risco de não aprovar, se não mexesse em três artigos. Eram cinco, reduzimos para três, buscando negociação", afirmou Bolsonaro.

O início da discussão da PEC em plenário estava marcada para as 10h desta terça-feira. Com o impasse, houve atraso.