Senado pode tirar Bolsa Família do teto de gastos; secretário teme alta de juros

Medida, que desagrada a equipe econômica, seria incluída na PEC Emergencial, que prorroga o auxílio emergencial neste ano

Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
Senadores apoiam tirar Bolsa Família do teto de gastos, proposta que desagrada a Economia

Líderes do Senado estão discutindo a possibilidade de tirar o Bolsa Família do teto de gastos — que limita as despesas da União — pelo menos no ano de 2021, de acordo com fontes que acompanham de perto o assunto. A medida seria incluída na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prorroga o auxílio emergencial neste ano, a PEC Emergencial. A equipe econômica é contra a medida.

Inicialmente, o senador Alessandro Vieira (SE) sugeriu retirar o Bolsa Família da proibição de aumento de despesas obrigatórias . Os senadores, porém, concordaram em ampliar a sugestão para tirar toda a despesa do programa do teto neste ano.

Todos os líderes que participaram da reunião nesta terça-feira (2) apoiaram a iniciativa, inclusive o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). O líder do MDB, Eduardo Braga (AM), disse ao GLOBO que essa proposta foi apoiada por todos os partidos.

Aumento de juros

A equipe econômica reagiu à proposta. O secretário do Tesouro, Bruno Funchal , disse ao GLOBO que a proposta acabaria prejudicando os vulneráveis no futuro, com aumento de juros e do desemprego.

"Essa incerteza se traduz em risco, que se traduz em taxa de juros (mais altas). Isso vai aumentar os juros e com isso menos investimentos e geração de empregos. Para a nossa retomada econômica, para o dia seguinte da pandemia, é muito ruim. O vulnerável hoje vai ser punido no futuro. Sem contar o efeito inflacionário", afirmou.

O secretário afirma que o país precisa de riscos e juros baixos para gerar emprego .

"Precisamos ajudar o vulnerável hoje e que ele tenha a possibilidade de se empregar no pós-crise. Para isso é preciso juro baixo e crescimento. A proposta de Bolsa Família fora do teto é uma flexibilização do teto, que vai na direção contrária ao que a gente quer", disse.

Funchal alerta que a flexibilização do teto de gastos pode gerar uma percepção de risco tendo o aumento nos juros como consequência:

"A pessoa que está precisando de ajuda hoje, o vulnerável, vai ter mais difiluidade de encontrar emprego no futuro. O efeito colateral de ter o Bolsa Família fora do teto é muito pior. O impacto é na geração de emprego. A gente tem que pensar nos vulneráveis hoje e amanhã".

O secretário também disse o objetivo da PEC é viabilizar o auxílio emergencial sustentável.

"Para isso precisa de contrapartida para trazer previsibilidade nas contas do futuro. A gente está pensando no dia seguinte da crise", acrescentou.

Na avaliação do economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a medida não faz sentido.

"Retirar o bolsa família do teto não faz sentido. Foge à lógica da regra e não seria necessário, inclusive, porque o Bolsa Família vem sendo realizado sem problemas sob as regras do teto", afirma.

Por outro lado, o Ministério da Cidadania é a favor da proposta. O Orçamento para este ano ainda não foi votado e prevê R$ 34,9 bilhões para o programa. O relator tanto da PEC emergencial quanto do Orçamento é o mesmo, o senador Márcio Bittar (MDB-AC).

Tirar o benefício do teto permitirá aumentá-lo já neste ano e sem nenhum corte de gastos como compensação.

Bittar fará ainda hoje a leitura em plenário do novo parecer da PEC do auxílio, que deve ser votada nesta quarta-feira. O parecer esta mais enxuto e desidratado que a versão anterior. Ele retirou da proposta pontos polêmicos, como o fim do piso de gastos para saúde e educação.

O relator também tirou da proposta um dispositivo que revogava a destinação de 28% da arrecadação do PIS e Pasep para o BNDES, já tentada pelo governo durante a reforma da Previdência em 2019.

O texto mantém gatilhos para corte de despesas no futuro. No caso da União, quando as despesas obrigatórias somarem 95% das despesas totais. Para estados e municípios, quando a despesa atingir 95% da receita. Nesses casos, os governos poderão acionar medidas como congelamento de salários de servidores e suspensão de concursos.

Pelo texto, o presidente Jair Bolsonaro terá que encaminhar em seis meses a partir da promulgação da PEC um projeto ao Congresso um plano para detalhar cortes de benefícios tributários. Os custos desses benefícios deverão ser reduzidos de 4,2% do PIB hoje para 2% em oito anos. Os cortes não serão lineares e nem poderão atingir incentivos e Fundos de Desenvolvimento Regional, Simples, Zona Franca de Manaus, entidades sem fins lucrativos, a cesta básica e o Prouni.

Auxílio emergencial

O relatório prevê o pagamento do auxílio emergencial sem o corte de gastos de forma imediata.

O texto trata o auxílio emergencial como "residual", com o objetivo de "enfrentar as consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19". Por isso, ele tira o auxílio das metas fiscais, do teto de gastos e da regra de ouro (que impede o endividamento para pagar despesas correntes) durante o exercício financeiro de 2021.

A proposta prevê congelar os salários dos servidores públicos e a contratação de pessoal por dois anos a partir da decretação do "Estado de Calamidade Pública", que depende de solicitação posterior do Executivo e autorização do Congresso.