Procuradores chamam de "esmola" celular de R$ 3.600 fornecido pelo MPF
Em conversas vazadas, os procuradores protestaram contra iPhone SE
Em conversa na rede interna do Ministério Público Federal (MPF)
, procuradores
da República demonstraram insatisfação com o celular
fornecido pela instituição. O aparelho, um iPhone SE
, cujo preço de mercado oscila de R$ 2.600 a R$ 3.600
, foi chamado de " esmola
", em mensagens obtidas pela Folha de São Paulo.
Cada integrante do MPF tem direito a um notebook, no valor de R$ 4500, um tablet funcional e um aparelho celular. Os procuradores recebem, além do salário de R$ 33,6 mil , auxílio-alimentação (R$ 910), abono pecuniário (de até R$ 29,9 mil) ou gratificação por acúmulo de ofício (de até R$ 7,5 mil).
Contracheques de um desses procuradores, disponíveis no sistema de transparência do MPF, registram recebimentos brutos de R$ 102 mil
em janeiro, levando-se em conta a remuneração básica, 13º salário, um terço de férias e verbas indenizatórias, não sujeitas a abate teto. Além disso, integrantes do Judiciário e do Ministério Público têm direito a dois meses de férias.
A escolha do iPhone SE foi feita pela PGR, em contrato com a operadora Claro, assinado a partir de licitação. O aparelho acompanha linhas telefônicas, a custo individual de R$ 219,90 por mês, fornecido a 1200 procuradores e 650 servidores. Os procuradores querem aparelhos mais modernos, logo mais caros.
Mensagens
As mensagens são dirigidas ao secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR, Darlan Airton Dias, a quem cabe a gestão dos contratos. Em nota, a PGR disse ter analisado as "ponderações apresentadas" e decidiu manter a contratação, "por entender que foi feita a melhor escolha considerando as restrições orçamentárias e legais".
No dia 9 de fevereiro, o procurador da República Marco Tulio Lustosa Caminha, que atua no Piauí, enviu na rede interna: "Darlan e colegas, recebemos aqui no estado um email perguntando se queremos receber somente um chip da claro, ou continuar recebendo um chip com o aparelho, COM O ALERTA QUE SE A OPÇÃO FOR ESTA ÚLTIMA O APARELHO SERÁ UM IPHONE SE!!!"
E continuou: "É isso mesmo, Darlan??!!! Você acha mesmo que depois de mais de três anos com um iphone 7, já ultrapassado, processador lento, bateria ruim, tela pequena, vamos aceitar por mais outros 30 meses um iphone SE?? Acho que ninguém aqui é moleque, Darlan!!"
Segundo o procurador do Piauí, 40% de seu trabalho é feito pelo celular.
"Isso é um insulto!! Não quero esmola! Acho que ninguém aqui quer esmola!! Estamos há quase um ano trabalhando de casa, celular, notebook, internet, energia. Que bagunça é essa?? Estão querendo nos humilhar??!! Não aceito humilhação, Darlan. Acho que devemos ser respeitados!!!"
O procurador finalizou a mensagem perguntando quem vai pagar por esse "gato" e com um pedido "encarecido" aos colegas procuradores: "NÃO ACEITEM ESSA ESMOLA!!", digitou indignado o procurador Caminha, que recebeu abonos pecuniários em janeiro de 2020 e de 2021, cada um no valor de R$ 29,4 mil , segundo os contracheques no serviço de transparência do MPF.
Além disso, de fevereiro a dezembro de 2020, recebeu gratificação por acúmulo de ofícios, no valor de R$ 4.800 a R$ 6.100 mensais. A remuneração total em janeiro chegou a R$ 102 mil , mostram os contracheques.
Em nota, a Procuradoria no Piauí disse que a fala na rede interna foi retirada de um contexto de ampla discussão sobre a necessidade de troca dos celulares. "O cerne da discussão deu-se em razão da necessidade de trabalho, sobretudo neste período de home office, por celulares com telas maiores e sistema operacional seguro, como bem já recomendou a Secretaria de Tecnologia da PGR."
A Procuradoria do Piuí disse que o contrato foi suspenso, já a PGR afirma a manutenção da contratação, e que os aparelhos são seguros, modernos e compatíveis com novas tecnologias como o 5G.
Apoio no grupo de procuradores
As mensagens do procurador Caminha foram apoiadas pela procuradora do Rio, Ana Paula Ribeiro Rodrigues. "É incrível essa notícia trazida pelo Marco Tulio. Torcendo para que haja algum equívoco nisso", afirmou.
"Eu ia perguntar O QUE ACONTECEU COM ESSA INSTITUIÇÃO. Mas, pensando bem, o que aconteceu eu sei: morreu, acabou, resta-nos agir como burocratas e ir levando e, quem pode, vai se virando ou cai fora. A pergunta é: COMO ISSO ACONTECEU?", manifestou indignada.
A procuradora afirmou que "em alguns casos, a opção de não aceitar a esmola não se coloca". "Essas notícias chegam nessa situação de penúria, em que a gente fica desesperado atrás de acumulações para poder complementar o salário. Isso para os 'privilegiados' que conseguem chances de acumular."
Ana Paula Rodrigues recebeu gratificações por acumulações de fevereiro a dezembro, de R$ 5.600 a R$ 7.400 por mês, conforme os contracheques disponíveis.
Outro procurador, José Leão Junior, escreveu logo em seguida: "Existem estudos a mostrar que, quanto mais alguém é maltratado, vilipendiado ou seviciado em relação a um trabalho ou afazer, mais tal pessoa agarrar-se-á a seus escrúpulos para desempenhar com mais desvelo ou elevação tal afazer, de modo a não deixar entrar em colapso (ou processo de dissolução) certa faceta –que lhe é cara– do self."
E finalizou: "Em suma, um jogo pavloviano em ordem de estimulação contraditória. Dizem que a rigor funciona direitinho."
Leão recebeu abonos pecuniários em janeiro de 2020 e em janeiro de 2021 (R$ 14,9 mil por mês) e gratificações por acúmulo de ofícios de fevereiro a dezembro (com valores mensais de R$ 3.700 a R$ 7.100).
As Procuradorias do Rio e de São Paulo disseram em nota que não comentarão as mensagens.