Fiscais acusam Rappi de usar celular como "relógio de ponto"; entenda

Segundo relatório, vínculo com entregadores “configura relação de emprego, com preenchimento de todos os requisitos legais”

Foto: Luciano Rocha
Empresa é acusada de usar sistema de punições e incentivos por meio do aplicativo

O aplicativo de entregas Rappi é alvo de um relatório produzido por fiscais do trabalho , ligados ao Ministério da Economia , em que o sistema é acusado de fazer do telefone celular do entregador o “novo relógio de ponto ”. Em um auto de infração feito contra a empresa no final de 2020, os  fiscais alegaram que os motoqueiros estão longe de ter algum controle sobre seu trabalho, e cada quilômetro rodado é monitorado e sujeito a punição ou recompensa por parte da empresa. 

O relatório de 219 páginas produzido contra a multinacional com sede na Colômbia analisou atividades da empresa desde abril de 2020. O documento aponta para uma série de fraudes e violações trabalhistas cometidas pela Rappi. “Se concluiu que o pacto estabelecido entre a Rappi e seus entregadores configura relação de emprego , com preenchimento de todos os requisitos legais”, diz o texto. A empresa recorreu da autuação, e a Justiça ainda não decidiu sobre a questão, nem o valor da eventual multa.


Modelo de negócio

Segundo a Rappi, seus entregadores não possuem vínculos trabalhistas e trabalha onde, quando e quanto quiser. O software, entretanto, permite à Rappi impor uma série de punições e recompensas aos seus trabalhadores. Os fretistas podem ser punidos por descumprir orientações da empresa, como recusar corridas ou atrasar entregas, em contrapartida, podem receber incentivos e bônus caso permaneçam online nos locais indicados pelo aplicativo.

As punições variam desde suspensões até a exclusão da plataforma. Manter o aplicativo desligado por dias seguidos, ainda que durante o final de semana, também leva a sanções. Para os fiscais, tudo isso configura um “gerenciamento das atividades dos entregadores", afastando da empresa o papel de simples mediadora entre restaurante e usuário.

De acordo com depoimentos colhidos no relatório, os entregadores alegam não conseguir trabalhar na região central de São Paulo (onde existe maior demanda de serviços) após terem deixado o aplicativo desligado no fim de semana. “Neste contexto, o smartphone extrapola sua condição de ferramenta do trabalho dos fretistas, e se torna um sofisticado controle de ponto (...) verdadeiro livro de registro das atividades realizadas”, diz o relatório.

A determinação do valor do frete pela Rappi e não pelos entregadores é outro ponto que chama a atenção dos fiscais. “O controle de preços é ato típico de gestão do serviço de entrega”, afirmam no documento. Além disso, os fiscais alegam que a empresa pratica "venda casada" ao obrigar o entregador, se quiser receber seus vencimentos, a se cadastrar no aplicativo "SmartMei". 

O relatório aponta que “a utilização do aplicativo SmartMEI pelos entregadores é obrigatória (...) sem utilizar a plataforma, não receberão pelos serviços prestados para a Rappi”. Mais adiante, os fiscais apontam que “a obrigatoriedade do uso do aplicativo SmartMEI como única forma de receber pelos serviços prestados para a Rappi, é uma espécie de casadinha, como se diz vulgarmente, ou venda casada, uma prática fraudulenta e ilegal”.

Segundo o relatório, essa não é a exceção. “Não poderia ser diferente, já que se trata de trabalhadores vulneráveis e com ínfimo poder econômico-financeiro, os quais recebem por tarefa realizada um valor que varia entre 4 reais e 10 reais totalizando na semana um montante que varia entre 150 reais e 300 reais, a depender do modal utilizado”, diz o relatório.

Por fim, os fiscais concluem: “Fica claro até aqui que os entregadores não são autônomos nem para determinar o valor da prestação de seus serviços, nem para determinar a forma e periodicidade que receberão pelos serviços, nem para cobrar pelos serviços e nem mesmo para emitir os recibos dos serviços que prestaram.” Ifood e Loggi já haviam sido alvo de fiscalização semelhante, e os processos trabalhistas ainda tramitam na Justiça.