Com pandemia e reforma da Previdência, benefícios do INSS caem 6,2% em 2020

Pagamento de novas aposentadorias caiu 51% em função das aposentadorias por invalidez; entenda

Foto: Agência Brasil
Concessão de benefícios do INSS caiu 6,2% em 2020, ano de pandemia e pós-reforma da Previdência

O número de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no ano passado caiu 6,2% em relação a 2019. O fechamento das agências da Previdência Social em razão da pandemia, levando ao fim das  perícias médicas de março a setembro, ajuda a explicar a queda, que foi puxada principalmente pela redução de 51% no pagamento de novas aposentadorias por incapacidade permanente — também chamadas de aposentadoria por invalidez. O problema continuou mesmo após a reabertura das agências , quando os médicos peritos se recusaram a voltar às atividades presenciais, alegando que as unidades não atendiam às condições necessárias para funcionar durante a crise sanitária.

Das 1.562 agências do INSS no país, 1.176 estão abertas atualmente, sendo que apenas 564 unidades têm o serviço de perícia médica, segundo a Secretaria de Previdência Social.

Advogado especializado em Direito Previdenciário, João Badari afirma que a falta de perícias fez com que muitas pessoas desistissem de dar entrada nos benefícios por incapacidade enquanto as agências estivessem fechadas.

"Grande parte não sabia que era possível enviar os documentos de forma remota, pelo Meu INSS (portal ou aplicativo). E muitos não queriam também. Preferiram esperar as agências reabrirem, até porque a toda hora o INSS anunciava que iria reabrir, e isso não acontecia", salienta.

É o caso do segurança José Bezerra, de 56 anos, diagnosticado em julho de 2020 com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Ele deu entrada na aposentadoria por invalide z, mas por causa do fechamento das agências, ficou meses sem conseguir agendar a perícia médica.

Por não ter acesso à internet para enviar os atestados médicos, o atendimento presencial era a única opção de Bezerra. Sem renda, ele precisou da ajuda de pessoas próximas para conseguir se sustentar durante esse tempo. Igor Rocha, um dos amigos do segurança, contou que eles chegaram a fazer uma vaquinha virtual para ajudá-lo a sustentar a mulher e o filho, devido à demora em conseguir a liberação do benefício.

"Ele tentou dar entrada desde julho, mas não conseguia porque o INSS estava fechado. Ele não tinha outra forma porque é analfabeto e não tem acesso à internet. Ele está ali, sem nenhum amparo, tendo contribuído durante todos esses anos para a aposentadoria dele", diz o amigo.

Somente três meses depois, em outubro, Bezerra conseguiu agendar a perícia e fazer o exame com a ajuda de uma amiga advogada. Mas, apesar de o laudo ter constatado que ele não pode mais trabalhar, o segurança ainda não recebeu o benefício, e segue na fila para voltar a ter uma fonte de renda.

Elisângela Neto, de 48 anos, também está na fila para ter seu pedido de auxílio-doença analisado pelo INSS. A operadora de caixa passou por duas cirurgias de catarata e, por isso, precisou se afastar do trabalho.

Logo antes de realizar a primeira operação, em novembro de 2020, ela já havia solicitado o benefício na plataforma on-line com o envio do laudo médico. Porém, mesmo após três meses, ainda aguarda a liberação do dinheiro e segue sem fonte de renda.

"Eu preciso urgentemente desse dinheiro. Ligo para lá, e eles falam que a análise está em andamento, e que a demora é por causa da pandemia. Mas tem muita gente na minha frente ainda".

Reforma da Previdência adiou pedidos de aposentadoria

De acordo com o Boletim Estatístico da Previdência Social, também houve uma queda de 27% nas concessões de aposentadorias por tempo de contribuição em 2020, em relação ao ano anterior. Para especialistas, o motivo, neste caso, está relacionado à reforma da Previdência , promulgada em novembro de 2019.

Badari ressalta que naquele ano houve um aumento no volume de pedidos de aposentadoria com a iminência da aprovação da reforma pelo Congresso Nacional. Mesmo entre quem tinha direito adquirido e, portanto, não seria afetado pelas mudanças, Badari afirma que houve uma "corrida para se aposentar".

"Em 2020, isso diminuiu um pouco, porque as pessoas tiraram o pé do acelerador. Além disso, o número de concessões caiu porque as regras mudaram, e quem em 2019 estava a pouco tempo de se aposentar com a reforma teve que cumprir o período de transição, adiando a data de requerimento do benefício", aponta.

Um movimento parecido ocorreu em 2015, quando foi registrada uma queda de 16,6% no volume de concessões. Em maio daquele ano, havia sido aprovada uma medida provisória (MP) assinada pela então presidente Dilma Rouseff , que instituía a Fórmula 85/95, segundo a qual para se aposentar com o valor integral a soma da idade com o tempo de contribuição do segurado precisaria resultar em 85 pontos, no caso das mulheres, e 95, no caso dos homens.

Em novembro daquele ano, a MP foi sancionada e transformada em lei. Com isso, muitos preferiram esperar para pedir o benefício em 2016, quando o volume de concessões aumentou mais de 20%.

"A expectativa é que o mesmo ocorra desta vez e, em 2021, o número de novas aposentadorias aumente", diz Badari.

Para Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a reforma da Previdência também pode ter impactado na queda de aposentadorias por invalidez, ao mudar o cálculo do valor do benefício:

"A aposentadoria por incapacidade permanente passou a ser de 60% do valor do benefício, mais 2% por cada ano que ultrapassar 15 anos de contribuição, no caso da mulher, e 20, no caso do homem. Antes, o valor era de 100%. Com isso, o segurado que vinha recebendo o auxílio-doença, que tem valor maior, pode ter adiado o pedido de conversão em aposentadoria".

Estoque grande de pedidos

A demora para analisar os requerimentos é outro fator que influenciou na redução de concessões em 2020. O Boletim Estatístico da Previdência Social de dezembro aponta para um total de 1,76 milhão de benefícios em análise pelo INSS , contra 778 mil em dezembro de 2019 — ou seja, um aumento de 126%.

O estoque de pedidos em análise é dividido entre aqueles que aguardam alguma movimentação do segurado, como a entrega de documentos, por exemplo, e aqueles que esperam a avaliação do servidor do INSS. Se enquadravam nesse segundo caso 1,27 milhão de requerimentos em dezembro do ano passado.

Caso todos esses processos tivessem sido concluídos, com decisões favoráveis aos segurados, o número de concessões em 2020 teria subido de 4,86 milhões para 6,14 milhões de benefícios, ficando acima do volume registrado em 2019.

"Muito embora o prazo legal seja de 45 dias, a espera pela conclusão de um benefício previdenciário tem sido superior a 60 dias. Com isso, muitos benefícios que deveriam ter sido concedidos em 2020 acabaram ficando para 2021. Estamos em um momento de extrema vulnerabilidade, e essa demora pode comprometer a subsistência de uma família", afirma Bramante.

Já Badari ressalta que o problema da demora na concessão dos benefícios vem se arrastando há anos, atingindo seu ápice em julho de 2019, quando haviam 2,5 milhões de processos em análise:

"Esse problema é estrutural. Não abre concurso para o INSS, o número de servidores é cada vez mais reduzido. A estrutura não atende mais à demanda".

O INSS foi procurado para falar sobre a queda no número de concessões em 2020, mas até o fim da noite desta quarta-feira não havia se pronunciado.