Há riscos de usar o Pix para paquerar? Confira os alertas sobre a prática

Especialistas orientam usar forma de pagamento apenas para transações financeiras; uso do sistema para paquera pode acarretar em fraudes e até assédio

Foto: Lorena Amaro
Banco Central orienta usar sistema apenas para transações financeiras

Subvertendo a lógica do sistema financeiro, o  Pix  — criado como meio de pagamento instantâneo e transferências e sem custos — vem sendo cada vez mais usado como plataforma de envio de mensagens informais e de relacionamento . Fazendo transferências de poucos centavos, usuários transformaram o Pix em rede de paquera usando chave de identificação da transação. Há ainda influenciadores digitais e grupos em redes sociais em que pessoas divulgam chaves pedindo depósitos em determinado valor, e relacionado os custos a um determinado tipo de aprovação.

Especialistas alertam, no entanto, que o uso, aparentemente inofensivo da ferramenta, guarda riscos como acesso a dados , fraudes , invasão de contas e até assédio .

Nas redes sociais, uma série de usuários relata ter enviado depósitos com valores baixos para paquerar pelo Pix, aproveitando o espaço da identificação da transação para trocar mensagens.

Para a designer de produtos Isabelle Fengler, de 20 anos, o "PixTinder" começou como uma brincadeira. Ela soube das trocas de mensagens no meio de pagamento através de redes sociais e decidiu colocar uma de suas chaves Pix no perfil da rede de relacionamentos. Já recebeu três mensagens com transferência de recursos de baixo valor.

"São pessoas que eu não dei o “match” no Tinder, e por isso não poderiam me enviar mensagens por lá. Eles usam o Pix para chamar a atenção e pedir para aceitá-los", conta. 

Até para resolver conflitos a ferramenta tem sido usada. Foi o caso de Chrystian Santanna, de 25 anos, que namora a Amanda Costa, de 24, há oito anos. O casal tinha se desentendido e Amanda o bloqueou nas redes e ligações. A solução encontrada por Chrystian foi enviar um Pix.

"Apareceu no celular uma notificação do aplicativo do banco e me surpreendi, aí quando vi era um Pix dele no valor de dois reais. Achei engraçado a forma como ele tentou entrar em contato comigo e na hora até passou a raiva". 

Já o produtor multimídia Edu Moraes, de 22 anos, também recebeu um pedido de desculpas de um amigo através de mensagem do PIX. Os dois se desentenderam e um bloqueou o outro em uma rede de troca de mensagens.

"Um amigo, que nos afastamos, estava me devendo R$ 10. Ele transferiu o valore escreveu 'Desculpa qualquer, e aqui está o dinheiro'. Eu não respondi" lembra Moraes.

Novas formas de flerte

Mas, afinal, o que nos ajuda a compreender o fenômeno do uso do Pix como rede social? Para Fábio Mariano Borges, professor de sociologia do consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM SP), a utilização do sistema do Banco Central para flertes tem origem na forma como a sociedade brasileira encara os relacionamentos afetivos.

"Em uma sociedade como a nossa, que é muito conservadora e opressora nas suas manifestações de afeto, quando as pessoas têm a oportunidade de flertar sem serem vistas ou julgadas, elas vão extravasar", afirma. 

Borges lembra ainda que não é a primeira vez em que o brasileiro transforma o uso de plataformas digitais para a busca de relacionamentos:

"Esse fenômeno já se manifestou anteriormente no Instagram e também no Linkedin, que é uma rede social de negócios e de busca de oportunidades de trabalho. A gente já percebe que é uma característica muito forte no Brasil: os brasileiros utilizam bastante os aplicativos para a busca de relacionamento. Essa é uma característica do brasileiro", conclui o professor. 

Mimos inusitados

O Pix também está sendo usado para a troca de “mimos” em redes sociais. No Facebook , o “Grupo onde homens enviam Pix para mulheres”, criado em novembro do ano passado, reúne mais de 13 mil pessoas interessadas em receber ou dispostas a dar recursos financeiros por meio da plataforma.

Lolla Ferreira, uma das moderadoras do grupo, explica que a ideia é criar um espaço para participantes se conhecerem e se divertirem. E, de quebra, ajudar alguém que precise.

"Se você tem alguns centavos sobrando na sua conta, que não dá nem para sacar, por que não transferir para alguém que está juntando para comprar um lanche ou um doce e fazer alguém feliz?", diz Lolla, contando já ter recebido vários “mimos”, com valores entre R$ 0,10 e R$ 10.

As transferências, em geral, são de valores pequenos, e o grupo é movimentado com várias brincadeiras criadas pelos participantes, que oferecem “mimos” para as histórias mais engraçadas, ou fotos mais criativas, por exemplo. Também há pedidos de ajuda e, claro, muita paquera.

A moderação revisa todas as publicações, proibindo fotos de cunho sexual para chamar atenção e a exploração da imagem de crianças em pedidos de ajuda. Mas nas conversas privadas entre os participantes acontece a troca de nudes por transferências financeiras.

"No grupo rola muita venda de packs (fotos e vídeos de pessoas nuas), o que tentamos barrar. Mas o que acontece no privado não temos como controlar. Mas tem muita gente que manda um Pix sem segundas intenções", ressalta a moderadora. 

O gerente de banco Vagner Castro, de 27 anos, criou um perfil em uma rede social para registrar as mensagens inusitadas feitas em transferências via Pix. Intitulada “PixLovers”, a página de humor coleciona histórias enviadas pelos próprios seguidores. Os casos vão desde o envio de um Pix no valor de R$ 2 convidando para um encontro, até a transferência de R$ 200 feita por um rapaz como agradecimento por uma foto dos pés da moça.

Usuários estão expostos a riscos de fraude

Embora possa parecer inofensiva, a utilização do Pix para paquera vem despertando duas preocupações entre os especialistas. A primeira sobre os limites e sobrecarga do sistema do Banco Central (BC) com a multiplicação de transferência de valor tão baixo. Outro é sobre a possibilidade de vazamento de dados pessoais dos usuários que estão compartilhando informações sensíveis em redes sociais ao divulgar uma chave Pix com número de CPF, telefone celular ou e-mail.

"Se o Banco Central perceber que está disseminado, pode ser que imponha algum valor mínimo, de R$ 5 por exemplo, na transação para desestimular este comportamento", explica Filipe Pires, coordenador do MBA de finanças do Ibmec RJ.

Elis Monteiro, especialista em Marketing Digital e Consultora de Digital, avalia que os usuários correm risco:

"As pessoas ainda não têm noção do risco que elas correm de clonagem e fraudes, como com número de telefone que já acontece nas contas de Whatsapp. Além disso, em alguns casos pode se tornar abusivo e virar assédio já que não há formas de bloqueio", afirma o especialista. 

BC estuda o bloqueio de recursos suspeitos

O próprio Banco Central já estuda a criação de mecanismos para aumentar a segurança dos usuários. Uma delas permitiria que o próprio banco ou fintech possa devolver recursos recebidos se tiver uma “fundada suspeita de fraude” ou falha operacional. A ferramenta poderá ser disponibilizada ainda em 2021.

Henrique Castro, professor de finanças da FGV EESP, acredita que os bancos e fintechs têm papel importante na implementação de mecanismos de segurança para os usuários.

"É um uso potencialmente perigoso. A fragilidade é ter a conta invadida, o que é um problema grave já que uma pessoa teria acesso à sua conta e poderia fazer operações. Alguns bancos estão implementando bloqueios de certos caracteres no envio de mensagens via Pix que poderiam facilitar o uso de links que poderiam ser usados como meio para clonar a chave e dar acesso à conta. Além disso, por causa do recebimento indesejável de mensagens, alguns usuários já tiveram que descadastrar uma chave do Pix com seu CPF, celular ou e-mail, por exemplo, e optar a utilização da chave Pix com senha aleatória" afirma o professor.

O professor Felipe Pires acredita que as transformações na utilização do Pix já entraram no radar do Banco Central e podem impactar nos próximos passos de desenvolvimento do meio de pagamento e de suas funcionalidades.

"O saque em dinheiro no varejo via Pix, que está em estudo para entrar em prática em 2021, é uma das operações que podem ser impactadas porque demanda maior segurança pode ser que essa de utilização não pensada impacta na operação. Eles estão estudando o que está acontecendo e ajustes estão no radar para os próximos três meses", ressalta Pires.