"Parece uma guerra": empresários relatam caos em Manaus com 2ª onda de Covid-19

Empresários manauaras contam como está a situação econômica da cidade com a segunda onda da pandemia de Covid-19

Foto: Arquivo pessoal
Bar do Armando é um dos pontos mais visitados de Manaus e está fechado há 7 meses

Dezembro de 1983. A empresária Ana Cláudia Soares lembra da conversa dos pais sobre a invasão de professores no bar da família para fugir da polícia militar, que tentavam prender os manifestantes durante a Greve de Fome , movimento de docentes manauaras contra decisões do governo estadual. Esse é apenas um, de vários episódios que Soares presenciou em quase 60 anos de funcionamento do Bar do Armando , um dos mais tradicionais pontos de Manaus .

Patrimônio histórico da cidade, o estabelecimento foi criado pelo tio de Ana Cláudia, quando saiu de Portugal para tentar a vida no Brasil . Bem localizado, o bar recebia desde autoridades estaduais até pessoas de classes mais baixas.

"Foi assim que o bar se tornou referência na cidade. Ele fica próximo ao Teatro Amazonas, bem no centro da cidade. Na época, desembargadores e pessoas simples iam para conversar. Tiveram dias que cheguei lá e vi clientes que não estavam bebendo, só estavam lá porque gostavam do ambiente", conta.

A tradição do Bar acabou em música, com a criação da Banda Independente Confraria do Armando (BICA) . Entre várias lembranças, um protesto contra os alvarás judiciais, que teve apoio até de juízes e promotores.

"A banda realizou a manifestação vestida de toga e havia membros da aeronáutica infiltrados para prender um dos diretores da BICA. Ainda bem que juízes participaram do ato e evitaram a prisão", conta Soares.

No entanto, as mesas lotadas e as histórias de bar deram lugar aos lugares vazios e dor de cabeça para Ana Cláudia. Em janeiro de 2020, o bar ficava lotado, mesmo em dias úteis, cenário muito diferente ao que se vê desde março do ano passado.

A empresária conta que após a primeira onda de casos da Covid-19 em Manaus, ela precisou revezar a abertura da empresa. Há 7 meses, ela vive a indefinição sobre o futuro do estabelecimento.

"Em 59 anos de funcionamento, nunca vivemos isso. Ao longo do tempo fui me 'desfazendo' de alguns funcionários. Eu tinha 8, às vezes 9 empregados, atualmente tenho 2. Um está de férias, outro vai, de vez em quando, para o bar para ver se está tudo bem", afirma.

A empresária afirma que pensou em pedir empréstimo, mas ficou insegura com o futuro do negócio.

"Depois das manifestações da população, o governo (do Amazonas) disponibilizou uma linha de crédito na AFEAM. Mas quem tem coragem de fazer um empréstimo em tempos tão incertos?", concluiu.

Investimento em alternativas

Foto: Arquivo pessoal
Mário abriu um restaurante em janeiro de 2020, dois meses antes de interromper os serviços devido à pandemia

Também empresário, Mário Valle possui três restaurantes em Manaus. Após o fechamento em decorrência da pandemia, ele encontrou no delivery uma alternativa para manter o faturamento.

No começo de 2020, as empresas de Valle possuíam 140 funcionários. Com a alta de demanda das entregas, foi preciso contratar 20 pessoas. Mas a situação não deve se manter para os próximos meses.

"Nós vinhamos em uma recuperação muito boa. Nos adaptamos para conseguir manter o pagamento de funcionários e após a reabertura, conseguimos manter um bom número de clientes, mesmo com distanciamento. Não conseguimos pagar todas as contas, mas conseguimos quitar os salários", disse.

Nessa quinta-feira (14), o governo do Amazonas decretou o fechamento de restaurantes a partir das 19h. A decisão foi motivada pelo aumento de casos de Covid-19 na capital amazonense. Com a medida, um dos restaurantes do empresário precisará manter as portas fechadas.

"Estamos em uma situação que parece uma guerra. Estamos tentando nos comprometer com os salários, mas não sei até quando. É uma conta que já sabíamos que não fechava", ressalta Vieira. 

"O novo fechamento vai prejudicar demais os pequenos comércios. Há bares e restaurantes encerrando as atividades por causa da crise e provavelmente não vão aguentar essa paralisação", completa.  

Hotelaria em crise

Claudia Mendonça é dona de dois pequenos hotéis em Manaus. No início da pandemia, as reservas foram canceladas e os estabelecimentos obrigados a fechar. Em setembro, eles voltaram a funcionar, entretanto, não conseguiu se recuperar do tombo causado pela crise.

Grande parte dos funcionários do hotel tiveram os contratos suspensos e outros tentavam manter o estabelecimento com as portas abertas. Neste mês, após a confirmação do aumento de casos na cidade, vários hospedes desistiram das reservas e apenas aqueles que necessitam estão procurando o setor.

“Tivemos vários cancelamentos de reservas. Estamos abertos para receber pessoas que precisam. Mesmo com a crise, consegui manter os funcionários, mas precisei suspender os contratos de alguns [empregados]”, conta Mendonça.

A expectativa da empresária é para a chegada da vacina e a retomada das atividades em breve. Mas a maior preocupação do momento, é com o aumento de mortes na capital.

“Estamos tomando todos os cuidados e espero que a situação seja revertida. Essa vacina vai chegar e as ajudas serão necessárias para diminuir o índice de casos. Espero que consigamos frear o contágio para voltarmos a normalidade”, completa.

Sem oxigênio

Foto: Vinícius Lemos/ BBC News Brasil
Governo do Amazonas recebeu cilindros de oxigênio da Venezuela para conseguir reativar UTIs

Na última quinta-feira (14), o sistema de saúde de Manaus entrou em colapso e os hospitais ficaram sem oxigênio . Uma força-tarefa, com colaboração de estados, atletas  e artistas , foi montada para enviar insumos para a região manauara.

A falta do material provocou uma corrida para transferir pacientes para outros estados. Somados, Piauí, Maranhão, Distrito Federal, Paraíba, Pernambuco, Goiás, Ceará e Rio Grande do Norte , ofereceram 149 leitos de UTI. Estados como São Paulo , Rio de Janeiro e Minas Gerais também receberam pacientes de Manaus.

Ainda na quinta, o estado seu maior número diário de novos casos do coronavírus Sars-CoV-2 . Segundo boletim da Fundação de Vigilância em Saúde , foram contabilizados 3.816 contágios em um período de 24 horas, mais de mil a mais que o recorde anterior (2.763), registrado em maio de 2020. Do total, 2.516 diagnósticos são de moradores de Manaus. 

** João Vitor Revedilho é jornalista, com especialidade em política e economia. Trabalhou na TV Clube, afiliada da Rede Bandeirantes em Ribeirão Preto (SP), e na CBN Ribeirão. Se formou em cursos ligado à Rádio e TV, Políticas Públicas e Jornalismo Investigativo.