Inspirado pelo pai que teve Covid-19, garçom abre pastelaria e dribla crise

Jader Berones Campos começou a fazer a comida profissionalmente com a esposa depois de ter o pai infectado pela Covid-19 e ver seu trabalho em um hotel de luxo ser colocado em pausa

Jennyfer, 23, e Jader, 39, abriram a pastelaria uma semana depois da ideia surgir; em meio à pandemia, média de venda é de 50 pastéis por dia
Foto: Acervo pessoal
Jennyfer, 23, e Jader, 39, abriram a pastelaria uma semana depois da ideia surgir; em meio à pandemia, média de venda é de 50 pastéis por dia


A garagem da casa de José Berones Rodrigues Campos não foi mais a mesma desde que se recuperou da Covid-19 . A calçada da casa sempre foi cheia de gente, já que trabalhou por muitos anos como líder comunitário na Vila Joaniza, bairro da Zona Sul de São Paulo. Mas durante a pandemia, o motivo da popularidade é outro: desde 19 de junho, os vizinhos passam em seu quintal para apreciar os quitutes da Pastéis Berones, pastelaria que foi aberta por seu filho, Jader Berones Campos, 39, dentro de casa em meio à crise econômica.




Mesmo com um mês e meio de funcionamento, o negócio já conquistou clientes fiéis. Muitos conheceram a nova pastelaria pelas redes sociais, onde o dono afirma vender “o melhor pastel da Vila Joaniza”.

“‘Você sabe o tamanho da Vila Joaniza?’, muita gente me perguntou. Mas eu gosto de pastel, e eu sei do que eu tô falando”, disse. Muitos foram levados até lá porque se sentiram desafiados. Mas Jader garante que todo mundo que aparece sai satisfeito.

O pai é figura central no sucesso da pastelaria, que no momento trabalha, principalmente, com esquema "peça pelo WhatsApp e retire aqui". Isto porque o pastel foi feito, inicialmente, para alegrar o pai depois de ter se recuperado do novo coronavírus . "Sabe a sensação de comer o que tem vontade depois de sair do hospital? Foi isso que ele sentiu", explica Jader. 

Apesar de ter família conhecida no bairro, o dono afirma que 50% das pessoas que aparecem por dia são clientela nova. “Essa não é uma rua comercial, mas é uma rua de cortar caminho. Quem é do bairro conhece e acaba passando”, explica.

Ele percebeu, ainda, que a localização é estratégica por estar localizada no fim de um cruzamento: todo carro que precisa parar bem em frente antes de atravessar.

A Pastéis Berones funciona às tarde, cinco dias por semana. Em um mês e meio foram 1.623 pastéis vendidos, com uma média de 50 unidades por dia.

Em meio à pandemia do novo coronavírus, em que comércios fecham as portas e mais de 13% dos brasileiros estão desempregados , o garçom, que teve seus trabalhos paralisados, conseguiu dar a volta por cima e descobrir um novo rumo.

Ele e a esposa, Jennyfer Barones da Costa, 23, tinham alguma familiaridade com a preparação dos pastéis, mas não profissionalmente. Toda ideia de montar a pastelaria surgiu no decorrer de sete dias.

“Passamos uma semana inteira comprando tudo no crédito e pesquisando muito. Iniciamos o trabalho numa sexta-feira, mas na quinta à noite estávamos procurando na internet como fazer creme de palmito, molhinho de alho, como cortar as coisas do jeito certo”, explica Jader. “A gente começou sem saber absolutamente nada.”

Jennyfer, que é estudante de enfermagem, nunca mexeu com comida profissionalmente. No entanto, foi ela quem fez o recheio do pastel de pequenas porções preparadas para a família. “Ele perguntou ‘tem coragem? Você se tornaria uma pasteleira?’, e eu topei”, conta.

“A minha esposa nunca fez mais do que cinco porções. Hoje ela cozinha 8 quilos de carne”, explica Jader. Quando questionado sobre quantas vezes tinha feito as porções no passado, o casal ri.

“Só fiz o pastel três vezes antes de começar a vender”, explica Jennyfer. Mesmo com poucas porções, os pastéis fizeram sucesso com a família, que incentivou o casal a alçar voos maiores com ele.

Ironicamente, foi devido ao próprio novo coronavírus em si que a ideia pode aparecer na cabeça dos dois. Isso porque o patriarca da família, José, foi infectado pelo vírus em uma das semanas com mais contaminações pela Covid-19, entre 20 e 25 de maio.

O início de tudo

Não fosse uma febre que o visita a cada 24 horas e uma dor muito forte na perna, poderia-se dizer que José era um assintomático. No entanto, o novo coronavírus poderia ser letal: com 73 anos, Berones, como José é conhecido no bairro, é hipertenso e transplantando há oito anos.

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“Ele pegou mais fraco, mas se tornou mais grave devido a debilidade dele”, explica Jader. Berones imagina que se contaminou em uma ida rápida ao banco. “Com esse negócio de ser transplantado, não saio de casa”, explica.

"No momento que a família ouviu o nome ‘Covid-19’, doeu até na alma, assustou”, descreve Jader.

Depois do diagnóstico, Berones foi encaminhado para o Hospital São Paulo, na Zona Sul da capital paulista, e passou nove dias internado - que ele diz não se lembrar, e culpa os lapsos de memória, uma das sequelas que percebeu após ser infectado.

Foto: Acervo pessoal
José Berones, de 73 anos, venceu a Covid-19 mesmo sendo transplantado e com hipertensão


Era uma sexta-feira quando Berones voltou para casa. Na saída do hospital, passou em frente à pastelaria de um amigo, localizada na Avenida Cupecê. Chegou a levar alguns para casa e, naquele dia, descobriu que o amigo havia falecido em 2016.

A vontade, no fim, permaneceu, e Jader se comprometeu a preparar o prato para o pai. Vinte familiares foram visitar Berones naquele dia. Todas degustaram dos pastéizinhos de Jader e Jennyfer; e, depois, o incentivaram a abrir o negócio.

“Muita gente falou que a gente ia se dar bem se começasse a vender. Até então, eu e ela não tínhamos nada em mente”, explica Jader.

Ele lembra que a iguaria caiu no gosto até dos familiares mais rígidos. “A gente pensava ‘nossa, tal pessoa gostou do pastel. Se ela gostou é porque é muito bom mesmo’”, conta Jader.

Dois dias depois, o casal fazia compras de ingredientes, pesquisavam materiais e receitas. Se antes Jennyfer precisava ficar com a receita do lado para fazer as porções, hoje sabe tudo de cor. Cinco dias depois, as portas estavam abertas.

Seu Barones, que sem querer impulsionou a ideia de algo novo, apoiou desde o início. De manhã, é ele quem ajuda Jader a tirar os carros da garagem para dar espaço à estrutura da pastelaria — que consiste em dois pequenos balcões (um para receber a freguesia, na frente, e outro para montar os pastéis, ao fundo) e um espaço para a panela de fritura.

Foi da vontade do pai em um momento de adversidade que nasceu o novo pasteleiro do pedaço; e, com ele, uma nova forma de sustento possível pós-pandemia.

Sem medo do futuro

Foto: Acervo pessoal
“A gente começou sem saber absolutamente nada', diz Jader Berones

Jader conta que sempre teve muito medo da palavra desemprego .

Ele trabalha há uma década como garçom de eventos no Hotel Hilton, localizado no Morumbi, em São Paulo. Mas no meio de maio, com a intensificação da crise da pandemia no Brasil, todo calendário foi cancelado até o mês de agosto.

No momento em que a entrevista acontecia, Jader recebeu uma mensagem informando que os eventos de setembro do Hilton também poderiam ser cancelados.

A empresa contratante recorreu à Medida Provisória (MP) 936 , que permite que empregadores suspendam contratos por 60 dias. Também são permitidas reduções de 25% a 70% na jornada de trabalho e na remuneração por 90 dias.

“Cada mês postergando [a retomada de eventos] eu tô com a pastelaria aberta”, diz, emendando ainda que há quem peça para que as portas não sejam fechadas caso a situação de Jader no hotel seja regularizada.

Perguntado se tem planos de manter a pastelaria mesmo depois do cenário normalizado, o pasteleiro de primeira viagem afirma que está “vivendo dia após dias”.

O motivo não é tanto a incerteza em manter o novo negócio aberto, mas manter a qualidade da comida e o comprometimento com Jennyfer. “Não posso brincar de responsabilidade, não posso fazer isso com a minha esposa nem com meus clientes”, diz Jader.

Contudo, ele sinaliza que os planos podem ser mudados, e o medo da palavra desemprego já não cabe mais no seu “novo normal”. “Se me demitirem, me segura que eu vou voar”, diz Jader entre sorrisos. “Já tenho alternativa.”