Reforma tributária: alíquotas podem subir até 600%, alertam empresários
Propostas que tramitam na Câmara e no Ss enado são criticadas por entidades empresariais ligadas ao comércio e serviços; alíquotas dos impostos podem passar de 3,5% para até 30%
Duas Propostas de Emenda Constitucional (PEC) para realizar a reforma tributária tramitam atualmente no Congresso Nacional, a PEC 45/2019 na Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019 no Senado Federal. Ambas, entretanto, podem prejudicar dois grandes setores da economia brasileira: o comércio e os serviços .
“As propostas incluem uma alíquota única , para todos os setores, de 25%. Alguns falam até de 30%, sendo que a alíquota nossa é de 3,5%. Isso significa um aumento de 600% ”, explica o vice-presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese.
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Segundo o presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alfredo Cotait Neto, esse aumento, no caso do agronegócio
pode chegar a 700% e de 400% no setor de educação.
“As duas propostas geram grande insatisfação em mais de 70 entidades que representam setores como comércio, serviços, construção civil, educação, agronegócio”, afirma Neto. Nesta segunda-feira (17) um evento com mais de mil participantes aconteceu na capital paulista contra as duas PECs e em defesa da desoneração da folha de pagamento .
Luigi Nese aponta que o aumento das alíquotas que a reforma pode gerar informalidade . “Um profissional liberal que atua como pessoa jurídica pode passar de uma alíquota de 3,5% para 25% ou 30%. Como vai fazer para pagar todas as contas? Vai acabar na informalidade”, avalia.
Aumento de preços
Segundo Neto, caso o Congresso aprove uma das atuais propostas, os preços podem disparar no país. “Vai subir desde a cabelereira, a manicure, até a mensalidade das escolas e o mais grave de tudo, o preço dos bens alimentícios”, alerta.
O dirigente da Facesp explica que as propostas de reforma tributária “fazem uma transferência” de impostos , "beneficiando uns setores e prejudicando outros", explica.
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“Setores que hoje pagam o PIS/Cofins serão beneficiados, como o setor financeiro
. As grandes empresas, que pagam IPI, serão beneficiadas e todos os setores de comércio e serviços serão prejudicados”, argumenta.
Entre os prejudicados, Neto afirma que estão as empresas que utilizam o sistema de lucro presumido (mais de 1 milhão no País) e optantes pelo Simples (mais de 7 milhões).
O advogado tributarista Marco Aurélio Carvalho Gomes concorda com o temor dos empresários. “É isso, as atuais propostas tiram (carga tributária) de um setor e colocam em outro, além de não demonstrar como irão diminuir o custo das obrigações acessórias ”, critica Gomes.
Ele explica que obrigações acessórias formam o conjunto de burocracias , documentos, declarações, registros necessários para cumprir a legislação tributária no Brasil.
“Não vai simplificar, vai complicar o sistema. A expectativa, caso a PEC 45 seja aprovada, são 10 anos para equalizar os sistemas . Isso vai aumentar o custo das obrigações acessórias. No caso da PEC 110 o prazo é de cinco anos, mas ainda assim aumentará custos”, avalia Neto.
Sem transparência
“Não vejo disposição para a construção de um consenso que simplifique o sistema. Não houve debate, transparência”, avalia do advogado tributarista Marco Aurélio Gomes.
Esse é outro ponto de insatisfação entre os empresários. “É uma proposta feita a quatro paredes , em que setores saíram altamente prejudicados, e apresentada fechada aos deputados,”, afirma Alfredo Cotait Neto. “Se for para fazer essa reforma, é melhor deixar do jeito que está”, ressalta.
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“Tem que sentar com a sociedade
para fazer a reforma (tributária). Nós nunca fomos chamados para essa discussão. Só são convidados a falar (sobre as propostas) aqueles que são a favor”, critica Luigi Nese, dirigente da CNS.
Outro ponto que preocupa Gomes é a falta de consenso entre as próprias casas legislativas . “Se tivesse abertura para o debate e o consenso, por que estamos trabalhando com duas propostas ? Isso gera uma grande insegurança para empresários e contribuintes”, afirma o advogado.
Desoneração
Além das críticas às atuais propostas de reforma tributária, as entidades empresariais defendem que a reforma tributária traga a desoneração da folha de pagamento.
“As propostas aumentam a alíquota e não tocam no mais importante que é a desoneração da folha de pagamento, que pode incentivar a criação de empregos ”, explica Luigi Nese.
Segundo Alfredo Neto, juntos, os setores de comércio e serviços são responsáveis por quase 80% dos empregos no Brasil .
A proposta da CNS inclui o fim das contribuições patronais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e de salário educação.
A entidade informa que a proposta visa diminuir encargos trabalhistas o que poderia reduzir a informalidade da mão de obra e criar uma “base sustentável de financiamento para a Previdência Social”.
“A nossa proposta também beneficia o trabalhador, porque reduz em três pontos percentuais a carga tributária do INSS . Hoje o empregado paga de 8% a 11% de INSS, e na nossa proposta pagaria de 5% a 8%”, explica Nese.
Para o presidente na ACSP, além de incluir a desoneração na reforma tributária, o Congresso deveria priorizar uma reforma administrativa . “Antes deveria fazer uma reforma administrativa profunda, reduzindo o Estado, retirando privilégios e a estabilidade do servidor”, avalia Alfredo Cotait Neto.
Entenda as propostas
“As duas (PECs) propõem a substituição dos principais tributos de produtos e serviços - o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], o ISS [Imposto Sobre Serviço), o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o PIS (Programa de Integração Social) / Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) - pelo Imposto de Bens e Serviços (IBS), que é um imposto do tipo valor adicionado”, explicou o economista Bernard Appy, em entrevista à Agência Brasil em janeiro deste ano.
Appy é ex-secretário executivo e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003 – 2009) e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, que elaborou a PEC 45 .
“As duas propostas tentam simplificar e tornar menos oneroso o recolhimento dos tributos, do ponto de vista da burocracia, do tempo necessário para gerir essas obrigações tributárias. E, ao mesmo tempo, promover uma uniformização tributária no âmbito federal, de modo a acabar com aquilo que tem se chamado de guerra fiscal, cujo principal elemento de disputa é o ICMS”, acrescentou Luiz Alberto dos Santos, consultor do Senado Federal e professor da Ebape/Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Conforme Appy, “as duas propostas acabam com a guerra fiscal na prática. O fim da guerra fiscal se dará ao longo da transição”, tempo que difere entre as duas propostas.
No caso da PEC 45, há dois prazos. O IBS será implantado em dez anos no que diz respeito à extinção integral dos antigos tributos e a vigência plena do novo. Para a conclusão da partilha da receita do novo tributo entre os entes federativos (União, estados e municípios), o prazo é de 50 anos.
No caso da PEC 110, mais impostos são consolidados no IBS e os prazos previstos são mais céleres: seis anos para extinção de antigos tributos e dez anos para a conclusão da partilha .
Sem redução
No senso comum e no desejo de contribuintes e empresários, fazer reforma tributária acende a expectativa de que haverá redução da carga de impostos , taxas e contribuições. Appy e Santos afastam essa possibilidade.
“Não é intenção de nenhuma das propostas a redução de carga tributária. Vamos ter mudança na composição dos tributos e na forma de distribuição desses tributos entre os entes da Federação, como eles vão incidir em cada etapa do processo produtivo”, sublinha o consultor do Senado.
“Só dá para reduzir carga tributária diminuindo dívida pública”, pondera Bernard Appy. De acordo com ele, “carga tributária é uma discussão de dívida pública. Se o país quer ter políticas públicas mais abrangentes , vai ter uma carga tributária mais alta. Se quer ter uma atuação menor do governo, vai ter uma carga tributária menor.”
Outra expectativa que pode ser frustrada é a possibilidade de diminuir o peso dos impostos regressivos e indiretos , que todos pagam – inclusive os mais pobres – quando compram uma mercadoria ou pagam um serviço.
Ao contrário desses tributos, os impostos que taxam renda, patrimônio ou lucro pesam para os setores mais ricos da sociedade.
Conforme análise publicada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), as duas propostas, além de dar fim à guerra fiscal, reduzem litígios, simplificam e barateiam a cobrança e o pagamento de tributos, mas não resolvem “o problema da injustiça tributária , porque mantêm o caráter regressivo do sistema tributário, evitando tributar de modo mais expressivo a renda e o patrimônio.”
Para Bernard Appy, existe a possibilidade de “ corrigir distorções ” da regressividade, mas há limites para avançar. “Países em desenvolvimento não têm como tributar a renda no mesmo nível dos países desenvolvidos, porque a população é mais pobre”.
O economista estima que cerca de 10% da população no Brasil paga Imposto de Renda de Pessoa Física, enquanto nos países desenvolvidos a base de arrecadação é de 90% da população.