No caso OCDE, Estados Unidos mostram que Brasil não é prioridade
Apoio formal à Argentina faz parte de jogada política que adia decisão sobre expansão da organização, afirmam especialistas
Por Agência O Globo |
10/10/2019 22:08:04A carta do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ao secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Angel Gurría, declarando apoio às candidaturas de Argentina e Romênia sem incluir o Brasil deixa claro que Washington não considera a adesão do Brasil à organização uma prioridade, afirmam observadores da política externa brasileira. Embora o governo americano tenha emitido uma nota no começo da noite dizendo que apoia o ingresso do Brasil, a falta de apoio formal na prática significa que Washington não considera o apoio ao país tão relevante assim, acrescentaram.
Quatro especialistas escutados pelo GLOBO concordam que a negociação entre União Europeia e Estados Unidos para a expansão do grupo teve importância crucial para a falta de apoio. Há anos, EUA e União Europeia negociam como a expansão da organização deve acontecer. Washington deseja que o grupo se mantenha restrito e não cresça de modo rápido, por entender que isso dificulta a cooperação entre seus membros.
Os europeus, enquanto isso, vinculam a adesão de qualquer país de fora do bloco europeu ao acréscimo de outro de seus membros. Em maio, Gurría propôs o início da entrada de Argentina e Romênia, aos quais seguiria o Brasil. Esta proposta acontecia em outro contexto, em que não estava claro que a centro-esquerda era favorita para voltar ao poder na Argentina. Cinco meses depois, o cenário mudou e o país vizinho provavelmente passará por uma mudança política em breve, caso se confirme a vitória do kirchnerista Alberto Fernández.
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Ao apoiar o plano de Gurría e endossar oficialmente a Argentina logo antes de uma eleição nacional, Washington faz uma manobra para adiar a decisão sobre novos membros, afirmou o professor de Relações Internacionais da FGV-SP Oliver Stuenkel. Uma vez confirmada, a eleição terá efeitos imprevisíveis na política externa argentina, e não é pequena a chance de que Buenos Aires não mais queira entrar para o chamado “clube dos países ricos”, ambição de quem almeja abrir o mercado. Ao apoiar a Argentina, sabendo que depois ela possivelmente mudará de orientação, Washington, adia a discussão sobre a expansão da organização, disse o pesquisador.
"É uma jogada esperta. Com a eleição de Fernández, é muito possível que o processo vá parar e que a Argentina vá se afastar de Washington. No fundo, ao dar seguimento a uma candidatura antes de uma profunda mudança política, empurram a situação com a barriga", disse Stuenkel. "A carta é uma derrota para o Brasil, mas não quer dizer que o país não vá ser apoiado mais tarde. A situação está sendo empurrada com a barriga."
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Stuenkel destaca apesar disso que, “como o Brasil priorizou o tema”, esperava que os EUA fossem dar ao menos apoio simbólico ao país, ao menos o mencionando. Ao não apoiar formalmente o Brasil, mesmo se fosse uma indicação que não fosse ser concluída mais tarde, Washington “mostra que entregar isso para o Brasil não é considerado relevante”.
'Um fracasso muito grande'
Para o embaixador Roberto Abdenur, que destacou que “sempre viu com bons olhos” a entrada do Brasil na organização, como um processo de admissão costuma demorar em média três anos, a falta de apoio significa que o país não ingressará na organização durante este mandato de Jair Bolsonaro. Em consequência, uma das principais metas da política externa de Bolsonaro não será alcançada.
"Embora o processo de admissão seja demorado e envolva a adesão do Brasil a uma série de normas, a expectativa era de que o passo inicial do apoio formal americano se manifestasse desde já. Na prática, os Estados Unidos estão bloqueando o acesso do Brasil por tempo indeterminado", afirmou Abdenur. "As esperanças de ingresso durante o atual governo estão inviabilizadas. É um fracasso muito grande."
O embaixador aposentado Luiz Felipe de Seixas Corrêa acredita que recentes tensões entre o Brasil e a França, envolvendo a Amazônia e comentários de Bolsonaro sobre a primeira-dama francesa, podem ter influenciado a decisão americana.
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"Se o que aconteceu foi, de fato, que os EUA não incluíram o Brasil na lista de países que respaldam para entrar na OCDE, acho que houve claramente uma influência da França nessa decisão", disse Seixas Corrêa, que é sogro do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. "[O que aconteceu] é negativo para o Brasil, porque não é o que o governo esperava dessa relação."
Washington provavelmente “não quis enfrentar a celeuma” de apoiar publicamente o Brasil, um país que atualmente tem relação péssima com o bloco europeu, afirmou a professora de Economia e Relações Internacionais da Uerj Lia Valls. Nesta quinta-feira, o secretário-geral adjunto da organização, Ludger Schuknecht, disse no Fórum de Investimentos Brasil 2019 que, além de fazer reformas que melhorem suas contas públicas e produtividade, o país também precisa atuar com responsabilidade social e ambiental, o que indica o aumento do custo de apoiar o Brasil.
Nota sem peso
A nota americana no começo da noite, reiterando apoio ao Brasil, "não tem peso", afirmou Stuenkel. Embora diplomaticamente procure apaziguar os vínculos, no que diz respeito a comunicados oficiais, “o que tem peso é a carta, e nela os EUA optaram por dar prioridade a Argentina e Romênia”.
"É uma espécie de reafirmação, mas tem pouca relevância política", disse.
Segundo Stuenkel, a falta de apoio de Washington deixa clara a frustração com Brasília. No começo do governo, Trump esperava duas coisas do Brasil: ajuda para retirar Nicolás Maduro do poder na Venezuela e também para reduzir a influência chinesa na América Latina. A esta altura, está claro que Brasília não conseguiu tirar Maduro do poder e o que país é dependente da China, com viagem presidencial marcada para outubro.
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Washington poderia esperar que o Brasil bloqueasse a empresa chinesa Huawei no país, mas não há sinais de que isso vá acontecer. Com a frustração dos dois planos, encerra-se o interesse americano no Brasil, disse o pesquisador.
"A aproximação de Brasília com Washington só funciona quando o Brasil consegue entregar algo aos EUA", afirmou Stuenkel. "O que os EUA querem é algo mais concreto, mas o Brasil tem oferecido muito pouco. Quais são as grandes vantagens que Bolsonaro oferece a Trump nesse momento? Não tem. Se Bolsonaro tivesse sinalizado que ia rejeitar Huawei, o resultado seria outro. Mas o que tem para mostrar aqueles defendendo o Brasil em Washington? Não está clara qual é a vantagem de apoiar o Brasil."
Para Abdenur, a falta de apoio revela "um erro estratégico" da diplomacia de Bolsonaro.
"Não digo que é uma tradição, mas não são infrequentes os episódios em que os EUA dão as costas para aliados e bajuladores. Isso mostra que foi um erro sério de estratégia do governo procurar um grande alinhamento, numa busca subalterna de adesão", afirmou o embaixador aposentado. "Esta situação evidencia um grande erro de política externo, que implica em esfriamento e distância com outros países, sobretudo os europeus."