Mesmo com tragédia de Brumadinho, Vale deve lucrar em 2019

Especialistas afirmam que indenizações e multas não abalarão contas da empresa; além disso, redução da produção de minério de ferro também vai auxiliar na compensação dos gastos após o rompimento da barragem

Afastado, o diretor-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, sobrevoou Brumadinho após rompimento de barragem em 25 de janeiro
Foto: Divulgação/Vale
Afastado, o diretor-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, sobrevoou Brumadinho após rompimento de barragem em 25 de janeiro


Responsável pela barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, cujo rompimento já deixou, até o momento, 203 pessoas mortas e 105 desaparecidas , a Vale ainda deve obter lucro no final deste ano. De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, as contas da mineradora já atingiram um tamanho que dificilmente é impactado, mesmo com grandes acontecimentos.

"Mesmo com os impactos dos eventos de Brumadinho, o lucro da Vale é sempre muito grande", explica o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Pedro Paulo Silveira. "A capacidade financeira dela é enorme", completa.

De acordo com o último balanço divulgado pela mineradora , apenas no último trimestre de 2018, houve lucro de R$ 5,753 bilhões. Enquanto isso, o segundo trimestre do ano passado arrecadou R$ 306 milhões e, o primeiro, R$ 5,1 bilhões. Já em 2017, o lucro total foi de R$ 17,6 bilhões – 32% superior ao de 2016.

Segundo Silveira, os ganhos podem até vir reduzidos "por conta das despesas que está tendo imediatamente após à tragédia ou terá futuramente, com indenizações e custos vindos de Brumadinho", mas isso não será suficiente para deixar as contas no vermelho.

A analista da corretora Coinvalores, Sabrina Cassiano, concorda. Para ela, a empresa terminará 2019 com o saldo positivo mesmo que venham mais multas, indenizações e congelamentos. "A imagem da empresa foi abalada, mas isso não é o suficiente pra ter um prejuízo", avisa. 

Tanto Silveira quanto Cassiano reiteram, no entanto, que "compensações" farão com que o lucro seja mantido neste ano. A principal delas é o minério de ferro.

Boom do minério de ferro

Foto: Pixabay
Com cortes na produção, o aumento no preço do minério de ferro deve compensar prejuízos da Vale em 2019


Produzido e comercializado pela Vale com cotação internacional, o preço do minério de ferro (matéria-prima para a fabricação do aço) é o que mais influencia no valor das ações  de mercado da empresa, que é uma das principais fornecedoras mundiais do produto. Da Mina Córrego do Feijão , foram extraídos, em 2018, 8,5 milhões de toneladas do minério de ferro, o equivalente a 2% da produção da Vale.

Depois do rompimento, no entanto, a mineradora anunciou o  encerramento das atividades de 10 barragens similares à de Brumadinho, além do corte de 10% (40 milhões de toneladas) da sua produção anual do produto.

Apesar da diminuição da produção, engana-se quem achou que a medida seria ruim para a empresa: após a decisão, o mercado internacional sentiu medo de uma possível escassez do  minério de ferro , fazendo com que seu preço subisse consideravelmente.

"Dos impactos mais fortes de Brumadinho , com certeza grande parte deles serão compensados com a alta do minério de ferro, que já estava em um preço atrativo no fim de 2018 e ficou ainda maior com os cortes, resultando em um boom ", explica a analista. Assim, as principais produtoras do minério, incluindo a Vale, foram beneficiadas: estão vendendo a um valor mais alto, compensando e até superando o prejuízo que os cortes trariam.

Multas, indenizações e congelamentos deixam futuro das ações ainda incertos

Foto: Reprodução
Lama invadiu a zona baixa de Brumadinho após rompimento de barragem da Vale; empresa acumula multas e indenizações


Logo após o rompimento da barragem, a mineradora chegou a perder mais de R$ 70 bilhões em valor de mercado. Na primeira sessão após a tragédia , que ocorreu em 25 de janeiro, quando a Bolsa de Valores não operou por conta do feriado em São Paulo, as ações da empresa caíram 24%.

A Vale já acumula  R$ 12,6 bilhões bloqueados em suas contas por meio de cinco congelamentos diferentes: dois da Justiça do Trabalho, totalizando R$ 1,6 milhão para pagamentos e indenizações trabalhistas às vítimas; dois de R$ 5 bilhões do MP-MG, para cobrir danos ambientais e garantir recursos às pessoas afetadas pela tragédia; e outro do Governo de Minas Gerais, de R$ 1 bilhão, também para amparo às vítimas.

Além disso, há multas aplicadas pelo ocorrido em Brumadinho, como a do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), de R$ 250 milhões, e a do governo do estado, de R$ 99 milhões.

A empresa também está arcando com gastos de doações e indenizações. Até 25 de fevereiro, já haviam sido repassados, de acordo com um balanço divulgado pela mineradora:

  • R$ 2,6 milhões à Prefeitura de Brumadinho para a compra de equipamentos emergenciais e para a contratação de profissionais das áreas de saúde e psicossocial, com o objetivo de ampliar a ajuda humanitária do município aos atingidos;
  • R$ 6,5 milhões em equipamentos de ponta para o Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte;
  • R$ 100 mil para cada uma das famílias atingidas que têm vítimas do rompimento: 264 pagamentos efetuados;
  • R$ 50 mil, por imóvel, a quem residia na Zona de Autossalvamento: 57 pagamentos efetuados;
  • R$ 15 mil para quem teve negócios impactados (início do cadastramento);
  • R$ 118 milhões usados para aquisição de medicamentos, de água, equipamentos e outros custos logísticos.

Há, ainda, outros gastos. Após a tragédia, muitas vistorias nos empreendimentos da Vale começaram a surgir, gerando mais multas, como no caso do  Espírito Santo e no Rio de Janeiro .

Mesmo com todos esses gastos não previstos, Sabrina Cassiano afirma que "o lucro deve vir positivo." Tanto que ela continua recomendando a compra de ações da Vale para seus clientes. Como a previsão de lucro continua, a recomendação de compra também se mantém. A diferença é que agora ela é focada no investidor que visa lucros a longo prazo, até porque os noticiários ainda vêm bastante pesado e negativo para a mineradora, o que influencia no valor das ações", explica.

Após Mariana, Vale também continuou lucrando

Foto: Fotos Públicas
Ocorrida em novembro de 2015, tragédia de Mariana também não afetou lucros da mineradora Vale


Em novembro de 2015, a Vale já havia se envolvido em uma tragédia do mesmo tipo, desta vez em Mariana , também em Minas Gerais . Na época, o rompimento de uma barragem da Samarco, que pertencia à mineradora, matou 19 pessoas e causou inúmeros impactos ambientais.

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Apesar do impacto financeiro causado na época, o lucro da mineradora, entre novembro de 2015 e novembro de 2018, mais que triplicou. De acordo com a Economatica, o valor de mercado da Vale passou de R$ 81,25 bilhões no ano da tragédia para R$ 289,777 bilhões no ano passado. No período entre Mariana e Brumadinho, as ações da empresa também foram aumentadas, em três vezes, no preço: foram de R$ 15 para cerca de R$ 56.