O governo de Jair Bolsonaro (PSL) pretende discutir com o Congresso – se houver "clima" – a possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho . De acordo com o presidente, o atual modelo de mediação de conflitos trabalhistas no Brasil representa "excesso de proteção" e cria "entraves" para empregadores e também para funcionários.
O debate sobre a necessidade de um segmento específico do Poder Judiciário para cuidar das questões trabalhistas não é novo, mas sempre esbarra em polêmicas. Constitucionalmente, a Justiça do Trabalho tem a atribuição de conciliar e julgar ações judiciais entre empregados e empregadores e outras controvérsias decorrentes da relação do trabalho.
A estrutura dessa área da Justiça conta com 24 tribunais regionais e tem no Tribunal Superior do Trabalho (TST) seu órgão máximo. A corte é composta por 27 ministros e tem como principal função uniformizar decisões sobre ações trabalhistas, consolidando a jurisprudência desse ramo do direito.
De acordo com o relatório Justiça em Números 2018, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há atualmente 1.572 varas do trabalho em 1º grau, espalhadas por 624 municípios do País.
Todo esse aparato tem custo alto: somente em 2017, foram gastos R$ 18,2 bilhões com a Justiça do Trabalho, valor quase totalmente empenhado (94%) em despesas de recursos humanos. Apenas o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, por exemplo, abriga mais de 7 mil funcionários, entre magistrados, servidores e auxiliares.
Em entrevista concedida nessa quinta-feira (3) ao SBT , Bolsonaro disse que pretende "facilitar a vida de quem produz no Brasil", classificado por ele como "o país dos direitos em excesso, mas onde faltam empregos". "A Justiça do Trabalho não existe em nenhum outro país e gera muitos entraves não só para o empregador, mas para o trabalhador também. Ninguém quer ficar desempregado. Temos que solucionar isso”, criticou o presidente.
O advogado Adelmo Emerenciano, mestre e doutor em Direito, concorda que a extinção dessa Justiça especializada representaria um passo para a "modernização" do Judiciário, mas avalia que apenas essa medida não seria suficiente para aumentar o número de vagas de emprego no País.
"Isso só muda se você também alterar a legislação trabalhista, que é o que atrapalha o
desenvolvimento por ser incompatível com o mundo de hoje. Agora, a Justiça do Trabalho custa caro demais. Trata-se de uma questão de ineficiência e de excesso de custos. No mundo inteiro isso é resolvido de uma maneira muito mais simplificada. Portanto, há desperdício de recursos públicos", diz Emerenciano.
O advogado explica que a extinção da Justiça exclusivamente trabalhista representaria economia com estrutura e também um "reforço" para a Justiça comum, uma vez que os juízes das varas do trabalho passariam a atuar como juízes federais. De acordo com o CNJ, atualmente há 3.658 magistrados que atuam exclusivamente na Justiça trabalhista.
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Fim da Justiça do Trabalho diminuirá número de processos?
A busca por maior eficiência do Judiciário passa pelo alto número de processos trabalhistas no Brasil – ponto alardeado reiteradas vezes pelo presidente Bolsonaro . Tomando mais uma vez o TRT de São Paulo como exemplo, havia mais de 1 milhão de ações aguardando julgamento apenas naquela corte até a data do último levantamento do CNJ.
O poder público já atuou para tentar melhorar esse quadro. A reforma trabalhista sancionada durante o governo Michel Temer (MDB) transferiu para o empregado o pagamento de custas judiciais e honorários em caso de derrota no tribunal. A Procuradoria-Geral da República (PGR), no entanto, entende que essa nova regra viola o “direito fundamental dos trabalhadores pobres à gratuidade judiciária”.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Guimarães Feliciano, avalia que a proposta de extinguir esse segmento do poder Judiciário para pôr fim ao alto número de processos equivale a "culpar a janela pela paisagem".
"Se o problema que o presidente identifica é o de uma legislação excessivamente protecionista e que, por conta disso, geraria mais litígios trabalhistas do que o necessário, parece-me que o equacionamento proposto não condiz bem com o diagnóstico feito. Há um claro vício aqui na relação de causa e consequência", diz.
"O juiz do trabalho tem a competência constitucional de conhecer e julgar os litígios em função da legislação posta e em função das condições econômicas do País. O fato de se transferir essa competência para a Justiça comum absolutamente não muda esse quadro", continua.
Feliciano alerta também que os concursos aplicados aos juízes federais que passariam a julgar as ações trabalhistas não cobram conhecimentos específicos quanto a direito do trabalho e direito processual do trabalho. "Seria uma temeridade esperar que esses juízes passem a julgar essas causas da noite para o dia."
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O presidente da Anamatra considera ainda que não caberia ao presidente da República modificar a estrutura do Poder Judiciário. Feliciano lembra que a Justiça do Trabalho está prevista no inciso 4º do artigo 92 da Constituição, mesmo artigo que versa sobre as atribuições do Supremo Tribunal Federal (STF), em seu inciso 1º.
"Se eu posso admitir que o presidente da República, por sua livre iniciativa, sem discutir com o presidente do STF, envie ao Congresso uma proposta de extinção, de supressão desse inciso 4º do artigo 92 da Constituição, então eu também, em tese, posso admitir que o presidente da República apresente uma proposta que suprima o próprio Supremo. Estamos caminhando para isso? Se a estrutura do Poder Judiciário deve ser alterada, a iniciativa deve partir do Supremo, e não de outro poder da República", concluiu o presidente da entidade que representa os magistrados da Justiça do Trabalho
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