Menos presente e mais presença! Saiba como evitar o consumismo infantil no Natal

O Natal é uma data de intenso consumo, mas pode ser uma ótima oportunidade para mudanças: aprenda a educar crianças financeiramente, com métodos criativos que potencializam a interatividade entre pais e filhos

Psicóloga afirma que consumismo infantil pode ser gerado por mau exemplo dos pais
Foto: shutterstock
Psicóloga afirma que consumismo infantil pode ser gerado por mau exemplo dos pais

Você se endividaria para fazer a vontade do seu filho neste Natal ? Uma pesquisa elaborada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que parte dos brasileiros diz que sim. Segundo o levantamento, 11% dos pais deixarão de pagar alguma conta para presentear os filhos por medo de que eles se frustrem ou fiquem tristes por não ganhar o que pediram. O resultado evidencia uma negativa que pode afetar não só o orçamento dos adultos, mas também o desenvolvimento dos pequenos: o consumismo infantil.

Leia também: Cerca de 11% dos pais deixarão de pagar contas para presentear filhos no Natal

Assim, proponho uma reflexão: as crianças tendem a se espelhar nas ações dos adultos, em busca de referências comportamentais. Será mesmo que deixar de honrar com obrigações, que podem afetar toda a família, é a melhor forma de demonstrar amor por elas neste Natal ou em qualquer data do ano?

A psicóloga clínica e especialista em psicossomática infantil, Camila Lameira, explica que o consumismo infantil pode ser gerado por influência dos próprios responsáveis, que na maioria dos casos, tentam educar financeiramente essa criança. “O consumismo é um hábito mental que se tornou uma característica marcante na sociedade moderna. As crianças de hoje são mais vulneráveis, e são muito impactadas pelas mídias, sendo estimuladas a consumir de forma inconsequente. O tênis da moda, celulares de última geração, roupas caras. A cultura de massa vem fortalecendo ainda mais esse descontrole”, afirma.

Para Camila, o ideal é que diante dessa realidade preocupante, os pais se encarreguem de explicar aos filhos como funciona a dinâmica do consumo, no qual todos estão inseridos.

Adultos como referência

Os pais ou responsáveis são referências comportamentais para os pequenos. Como não associam as marcas de maneira direta, é dever dos adultos informá-los para que não tenham um entendimento distorcido, que possa acarretar problemas futuros. Afinal, influências externas são "bombardeadas" o tempo todo na cabeça das crianças. Um exemplo disso é a ideia de aceitação no grupo e o medo de exclusão, o que leva ao desejo de possuir adereços apresentados por amigos e colegas de escola, segundo aponta a psicóloga.  E por tudo isso o diálogo se torna ainda mais importante.

E é nesse contexto que o pensamento de “vou dar para o meu filho o que eu não tive” pode ser algo nocivo também, apesar de, a princípio, vir de um desejo positivo. Lembre-se de que suprir uma falta que não foi sentida por essa criança pode trazer danos que poderiam ser evitados. Camila aponta que a criança não precisa que o pai ou a mãe deixe de pagar uma conta para presenteá-la, pois podem ser encontradas alternativas viáveis para o bolso, além de métodos dinâmicos de inseri-la à realidade econômica da família.

“Um dos meios de se trabalhar a educação financeira da criança é comprando um cofre e incentivando-a a guardar seu dinheiro ao longo do ano. Você pode estimulá-la, sugerindo um passeio que será pago com aquela quantia que juntou, por exemplo. Trabalhar as questões do 'ter' e do 'poder' é um ponto essencial para o equilíbrio financeiro", elucida a psicóloga.

"E se faz necessário que as crianças tenham um exemplo, não adianta querer que seu filho tenha essa noção se você mostra o contrário”, completa.

Publicidade infantil

De acordo com a publicação Caderno Legislativo “Publicidade Infantil”, do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, a publicidade feita para o público infantil no País já pode ser considerada ilegal, mesmo sem a existência de uma norma específica que trate do tema.

Vale lembrar que a interpretação da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), da Convenção das Nações Unidas sobre as Crianças (Decreto no 99.710/1990), do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e da Resolução nº 163, de 13 de março de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), protege as crianças, abordando as regras sobre o que é a publicidade infantil e quais elementos a caracterizam.

Para a coordenadora do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, Ekaterine Karageorgiadis, a publicidade abusiva deve ser pautada com as crianças, levantando as reais motivações comerciais das empresas. Diminuir o tempo assistindo à televisão ou navegando na internet também pode ajudar a reduzir o assédio das marcas. E é algo bastante desafiador, uma vez que a publicidade online, por exemplo, pode aparecer "em forma" de aplicativos, sites e até mesmo canais de youtubers mirins, o que tem gerado vantagens para empresas que passam a enviar seus produtos aos apresentadores, influenciando seu público, formado majoritariamente por crianças.  

Você viu?

A coordenadora alerta que é possível cobrar das companhias o cumprimento da legislação, além de fazer denúncias aos órgãos de Defesa do Consumidor ou ao Criança e Consumo, em caso de identificação de estratégias publicitárias direcionadas às crianças.

Leia também: Educação financeira: veja oito conceitos para ensinar às crianças

A importância do “não”

Pode parecer clichê, mas vale sempre destacar que dizer não é outro fator de relevância no combate ao consumismo infantil, apontado por Ekaterine. Porém, não basta somente negar. É necessário que o não venha acompanhado de uma explicação, para que os pequenos possam entender o real motivo do veto: seja por questões financeiras, pelo excesso de brinquedos já adquiridos, ou inadequação do produto para a idade. O ideal é explicar da melhor forma, levando em consideração a faixa etária da criança.

Consumo não é lazer

Por serem considerados lugares confortáveis e propícios para o lazer familiar, os pais tendem cada vez mais a levar seus filhos para os shoppings. Quem nunca? Mas, a grande quantidade de centros comerciais e a pouca oferta de espaços públicos com segurança que sejam voltados a crianças, tais como parques e ruas de lazer, pode se tornar um grande obstáculo para que os pequenos não associem diversão ao consumo. 

Com isso, o ideal é que a família defina a programação e os objetivos dos passeios em espaços como os shoppings, ou seja, achar algo interessante que possa ser feito nestes estabelecimentos. Caso o intuito seja realmente ir às compras, desenvolva um roteiro prévio: combine com as crianças em quais lojas vocês irão, o que comprarão e o horário de deverão ir embora.

Segundo a coordenadora do Alana, uma coisa a ser instigada na infância é o contato com a natureza. “É importante que haja uma mobilização social para que as crianças não fiquem presas apenas ao ambiente urbano”, alega.

Compartilhamento e interação

Com o orçamento disponível já definido, é fundamental ouvir a criança e saber o que ela deseja para este Natal. Uma opção é incentivá-la a fazer uma lista não muito longa. É válido frisar que presentes não são necessariamente bens matérias, podendo ser uma viagem, um passeio, ou atividades com amigos e familiares.

Segundo Ekaterine, estabelecer limites, envolver a criança nos processos e mostrar de que maneira ela será atendida é um meio de educá-la. Além disso, é legal deixar nítido que a brincadeira é mais importante do que o brinquedo, o que faz toda a diferença no consumo e no aproveitamento. Nesse contexto, os jogos de mesa são boas opções de atividades, uma vez que a diversão poderá ser compartilhada.

Outra dica da especialista aos pais é de para que analisem de onde vem o desejo da criança de consumir tal produto, se foi estimulado por publicidade ou por outro meio. Isso deve ser um elemento central antes de adquiri-lo.

Ademais, este período do ano torna ainda mais urgente o incentivo à doação de brinquedos para outras crianças e, claro, deve vir de mães, pais e responsáveis. O recomendado é se sentar com os pequenos para que possam selecionar juntos alguns itens, explicando as razões da doação, desenvolvendo e estimulando a empatia. Outra ideia, dependendo da idade da criança, é ter uma conversa sobre o processo de produção e o que acontece quando os brinquedos são descartados de maneira inapropriada. Assim, torna-se possível e fácil ensiná-los sobre sustentabilidade. 

Leia também: Matrícula escolar: tudo o que os pais precisam saber para negociar com a escola

Por fim (e não menos importante), aproveite o Natal para fazer diferente: diminua os presentes e aumente a presença. Fazer a comida com as crianças, bem como os próprios presentes, pode ser um momento de troca enriquecedor para elas. Educar as crianças financeiramente, reduzindo o consumismo infantil e eliminando a associação da data com brinquedos comprados e novos também pode ser executado por meio de uma feira, onde os pequenos podem trocar brinquedos e se divertirem juntos. Que tal?