Situação real da inadimplência no País é pior do que mostram os indicadores

Seja pela diferença de metodologia ou pela dificuldade de se negativar devedor em atraso, taxas divulgadas não são realistas

A situação da inadimplência no Brasil é pior do que revelam os indicadores públicos e privados. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado. Seja pela diferença de metodologia seja pela dificuldade hoje de se negativar um devedor em atraso, as taxas divulgadas não condizem com realidade. Nos Estados de São Paulo e Mato Grosso vigoram leis que proíbem a inclusão do inadimplente no cadastro negativo sem prévia comunicação pelos Correios com Aviso de Recebimento (AR).

Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Estudo da Serasa estima em 60 milhões o número de inadimplentes no País, totalizando dívidas em atraso no montante de R$ 256 bilhões

Só São Paulo responde por 30% de toda a inadimplência nacional e por 60% a 70% da região Sudeste, segundo dados da Serasa Experian. Sem os números de devedores atrasados no Estado, os resultados da inadimplência ficam comprometidos. Por conta disso parte dos birôs de crédito deixou de divulgar esses dados. É o caso, por exemplo, da própria Serasa Experian. A SPC Brasil mantém a divulgação, mas exclui a Região Sudeste.

A economista-chefe da SPC Brasil, Marcela Kawauti, atesta que o número dos inadimplentes no País hoje é seguramente maior que os 59 milhões de pessoas que ficaram com seus CPFs sujos, segundo levantamento da própria SPC Brasil. Ela explica que do levantamento, já com dados de abril, não constam os devedores inadimplentes da região Sudeste.

"O mercado de crédito tem trabalhado no escuro. Não consegue ter uma visão clara do total de inadimplentes", observou o diretor da PH3A, empresa especializada em recuperação de crédito, Marcelo Monteiro. Segundo ele, com a taxa crescente de desemprego há muita gente com dívidas já atrasadas que os birôs de crédito não conseguiram ainda incluir nas listas de devedores inadimplentes.

Estudo da Serasa estima em 60 milhões o número de inadimplentes no País, totalizando dívidas em atraso no montante de R$ 256 bilhões. É a maior marca já registrada desde que a Serasa iniciou a medição, em 2012. À época, 50,2 milhões de pessoas enfrentavam dificuldades para manter em dia suas contas. De janeiro a março, mais de dois milhões de devedores entraram na lista por falta de pagamento. Segundo o economista-chefe da Serasa, Luiz Rabi, os birôs de crédito costumam incluir os clientes nas listas de inadimplentes depois de 60 dias de atraso nos pagamentos

O período que os serviços de proteção ao crédito consideram para afirmar que um devedor passou a inadimplente varia e também pode contribuir para desviar as taxas da situação real. A média de inadimplência das operações de crédito do sistema financeiro divulgada pelo Banco Central (BC), por exemplo, é para atrasos superiores a 90 dias. Atingiu em abril 3,7%, considerando o índice no crédito livre (5,7%) e direcionado (1,7%). A média de inadimplência apurada pela SPC Brasil no mesmo mês foi de 5,8%.

A questão, segundo Marcela, é que o BC além de divulgar a média de atrasos acima de três meses, trabalha apenas com as instituições financeiras. É um setor com elevada capacidade de análise de crédito e de ajuste de suas carteiras. Há dois anos, pelo menos, vem limpando suas carteiras. Sem contar que usufrui da prerrogativa de aplicar taxas de juros e trabalhar no spread (diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos e o que eles cobram ao conceder um empréstimo para uma pessoa física ou jurídica) para compensar eventuais perdas. "Nós já consideramos como inadimplência o primeiro dia de atraso no pagamento", afirma Marcela.

Monteiro da PHA3A, afirma que a inadimplência de 15 a 90 dias tem se elevado na esteira do aumento do desemprego e deverá continuar a se expandir já que as expectativas apontam para uma taxa de desemprego de 13% da População Economicamente Ativa (PEA) até o fim do ano. Esse tipo de inadimplência não consta dos dados do setor financeiro, ainda.

Segundo Rabi, da Serasa Experian, até mesmo o segmento de utilities (fornecimento de água, luz e gás) estão registrando atrasos nos pagamentos. Em março, 17,9% dos R$ 256 bilhões de dívidas em atraso vinham deste segmento. No mesmo mês do ano passado era 15,1%. As contas de serviços públicos atrasadas só perdem para os cartões de crédito que até março respondiam por 27,2% do total de dividas em atraso contra 30,7% em idêntico mês do ano passado.

"O estoque de inadimplência das utilities não é maior que o dos bancos, mas cresce a uma taxa superior", observa Marcela Kawauti. De acordo com ela, as famílias sempre deram um jeito para pagar suas contas de água, luz, gás e telefone para não passarem pelo dissabor de ter o fornecimento do serviço interrompido. Mas a gravidade da crise tem tirado das famílias condições de manterem e em dia até mesmo as contas de serviços essenciais.

Outro segmento que ultrapassou os percentuais anteriores foi o de serviços que, pela primeira vez, participou com 11,4% do total dos débitos em aberto. Em março de 2015, segundo a Serasa, os serviços registravam 9% do total de contas não pagas no Brasil.

Pelo levantamento da SPC Brasil, o nível da inadimplência das empresas não financeiras nas regiões pesquisadas superam a média dos atrasos apurados pelo BC nas empresas financeiras. No Nordeste, a inadimplência é de 7,64%. No Norte é de 4,38%, seguido por Centro-oeste com 4,26% e Sul, com 4,15% e média de 5 8%. "Mas não temos os dados do Sudeste", reitera Marcela Kawauti.

A Associação Nacional dos Birôs de Crédito (ANBC) prevê que os índices de inadimplência só vão se recuperar a partir de 2018. Segundo a Associação, essa demora deve-se fundamentalmente à tendência de aumento do desemprego, principal causa da inadimplência a partir de 2015 - que eleva o endividamento.

Além disso, há uma queda na renda real da população. Se no ano de 2015, a renda média real do trabalhador teve um recuo de 0,2% em termos reais, frente ao ano de 2014, apenas no primeiro trimestre deste ano, a queda na renda real já é de 3,2% em relação ao primeiro trimestre do ano passado.