Em dois meses, menos de 3% do pacote de crédito de R$ 83 bilhões saiu do papel

Além da falta de demanda pelas famílias, algumas medidas precisam do aval do Congresso para entrar em prática

O governo vem falando em novas medidas para impulsionar o crédito, mas o pacote anunciado há exatos dois meses para irrigar setores como habitação, agricultura, infraestrutura e pequenas e médias empresas continua praticamente no papel.

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Pacote anunciado em janeiro está travado em parte por causa da falta de apetite das famílias e empresas em tomar empréstimos

Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo com números dos bancos oficiais e do FGTS mostra que, até o momento, apenas 2,7% - ou R$ 2,24 bilhões - dos R$ 83 bilhões prometidos para reanimar a economia foram efetivamente desembolsados.

O pacote anunciado em janeiro conta com recursos do FGTS e de bancos públicos. Após dois meses, está travado por uma série de fatores, entre eles, segundo analistas, o pouco apetite de famílias e empresas em tomar empréstimos neste momento, com endividamento alto e falta de confiança no rumo da economia do País.

Responsável pelo anúncio, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse que havia restrições de oferta na maioria das linhas que receberam incremento. Antes do anúncio, o ministro havia rebatido as críticas de quem afirmava que não havia demanda por mais crédito dizendo que era necessário "levar o cavalo à água para ver se ele quer bebê-la".

Para o mercado, pelo jeito, não quer. "As pessoas estão mesmo é com medo de ficar desempregadas e as empresas, inseguras com o rumo da economia. Esse cenário é totalmente desfavorável para pegar mais crédito", disse o economista Alberto Furuguem, ex-diretor do Banco Central.

De acordo com os números mais atuais do BC, o endividamento das famílias - calculado pelo estoque das dívidas com os bancos sobre o total de salários e benefícios sociais - estava em 46% no fim de 2015. Pelos cálculos da instituição, 22% da renda das famílias todo mês é gasta para o pagamento de dívidas.

Além da falta de demanda, algumas medidas precisam do aval do Congresso para sair do discurso para a prática. É o caso do uso da multa e de parte do saldo do FGTS como garantia de crédito consignado para trabalhadores do setor privado demitidos sem justa causa. A expectativa do governo era liberar R$ 17 bilhões nessa modalidade, mas a equipe econômica sequer enviou a medida provisória (MP) para a medida entrar em vigor.

Safra
O melhor desempenho foi do Banco do Brasil no crédito rural. Mesmo assim, o banco conseguiu desembolsar R$ 1,4 bilhão em financiamento para a safra 2016/2017 dos R$ 10 bilhões anunciados. Os recursos, para pré-custeio da safra, devem ser liberados aos produtores rurais até 30 de junho. O banco começou a operar a linha em 1º de fevereiro. Em análise, no momento, estão mais R$ 1,7 bilhão em propostas.

O fundo de investimento que usa recursos do FGTS para aplicar em infraestrutura (FI-FGTS) aprovou, após o anúncio do pacote, em duas reuniões, R$ 836,5 milhões para três projetos, apenas 3,8% do total de R$ 22 bilhões prometidos para o setor. A empresa de logística Cone recebeu R$ 550 milhões em participação societária a de energia Ventos de São Clemente foi financiada com R$ 180 milhões e o fundo aplicou R$ 106,5 milhões em um projeto de energia na Amazônia.

Para o crédito imobiliário, o conselho curador do FGTS aprovou, no fim de fevereiro, usar R$ 10 bilhões para adquirir Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), mas a programação é que os recursos sejam liberados em três fases. Os desembolsos da primeira parcela, de R$ 4 bilhões, vão até o fim de maio.

Outros R$ 3 bilhões serão liberados até o fim de agosto e mais R$ 3 bilhões, até o fim de novembro. Segundo o conselho, pelo menos R$ 1,8 bilhão de cada parcela deve ser destinado à habitação popular, na maior parte para financiar, com juros mais baixos, imóveis novos.

Os recursos do BNDES eram divididos em três produtos: para capital de giro de pequenas empresas (R$ 5 bilhões), para investimento em máquinas e equipamentos (R$ 15 bilhões) e para empresas exportadoras (R$ 4 bilhões). Segundo o banco, as linhas começaram a entrar em vigor na primeira semana de março, depois dos ajustes nas plataformas de tecnologia das instituições que repassam o dinheiro do BNDES, o que fez com que houvesse um intervalo entre o anúncio, a adaptação dos sistemas e a entrada efetiva em operação. "Ainda é cedo para avaliação específica sobre o desempenho das mudanças anunciadas", disse, em nota, o BNDES.