Na recessão, cresce desemprego entre engenheiros e sobram vagas para diaristas
Trabalho doméstico cresce, reforçado por profissionais demitidos da indústria, e engenheiros buscam alternativas
Por BBC News Brasil |
03/03/2016 10:58:58
De um lado, a oferta de domésticas "diaristas" – que trabalham por dia – cresce a passos largos, reforçada por profissionais demitidos da indústria e do comércio. Do outro, engenheiros desempregados procuram alternativas em outras áreas, na contramão do que ocorreu nos últimos anos, quando o cenário era de escassez desses profissionais no mercado.
Alguns pensam em emigrar, e já há até os que tenham se tornado motoristas do Uber, o serviço de transporte privado oferecido pelo aplicativo de mesmo nome. A trajetória recente dessas duas ocupações – domésticas e engenheiros – ilustra como a recessão econômica, registrada pelo IBGE nesta quinta-feira, afeta a vida dos brasileiros e a estrutura da economia como um todo.
Segundo dados do instituto, o PIB (Produto Interno Bruto) do país teve uma retração de 3,8 % em 2015. Trata-se da pior recessão desde 1996. A crise política, a queda do consumo e as paralisações das empresas envolvidas na Operação Lava Jato estão entre as razões apontadas pela recessão.
E entre as vítimas dessa freada estão 9,1 milhões de brasileiros que estão desempregados, segundo dados divulgados pelo IBGE – 2,6 milhões a mais que há um ano.
São pessoas como a metalúrgica piauiense Aloísa Elvira Reis, de 37 anos, que, após 12 anos trabalhando como metalúrgica na região do ABC paulista, há uma semana entrou na agência Prendas Domésticas, em São Paulo, para procurar uma vaga de diarista. "É a primeira vez que eu venho", se explicou, tímida, ao pedir informações para duas jovens.
A metalúrgica conta que nunca havia ficado desempregada por um tempo significativo. "Antigos colegas também estão sem trabalho e não tenho nenhuma esperança em encontrar algo em minha área", diz ela.
"Tenho aluguel, um seguro saúde e minha filha cursa faculdade. Gastos para pagar todo mês. Então pensei que trabalhar como diarista pode ser a solução. Não tenho experiência, mas faço todo o serviço em casa – por que não?"
Às 8h, a Prendas Domésticas já está lotada de mulheres querendo se inscrever para trabalhar como domésticas, babás e cuidadoras. Às 10h, as filas tomam os corredores da agência e já não há cadeiras para todas as candidatas.
Nos últimos meses, de 200 a 250 pessoas têm passado pelo local todos os dias, segundo Fernando Souza, diretor administrativo da agência. O aumento teria sido da ordem de 35% em função da crise.
Algumas, como Aloísa, tentam entrar no setor pela primeira vez. Esse também é o caso da boliviana Luíza Cortez, de 54 anos, que ficou desempregada depois que a fábrica de roupas de bebês em que trabalhava faliu, em 2015.
Luíza diz que chegou ao Brasil há mais de 20 anos e também teve uma pequena lanchonete. A família prosperou e suas duas filhas que estão no Brasil (uma está na Bolívia) entraram na faculdade – uma em administração, outra em jornalismo.
"Nunca tinha visto uma crise tão grave. Meu marido morreu no ano passado e hoje não acho que tenha muitas chances de encontrar trabalho na área em que estava", conta.
Souza diz que, em função da crise, a oferta de trabalho de domésticas "mensalistas", com carteira assinada, caiu 35% no último ano. "Trata-se de um dos primeiros itens do orçamento que uma família de classe média corta quando um de seus membros fica desempregado", explica. "E até por isso tivemos um aumento de 25% na contratação de diaristas, uma opção mais barata."
Uma das atingidas por esse processo de substituição foi Alessandra Pimenta, de 39 anos, mensalista até 2014. "Com a lei que ampliou nossos direitos (a proposta de emenda à Constituição conhecida como PEC das Domésticas, aprovada em 2013) a gente ganhou mais dignidade, mas teve patroa que não aceitou a mudança no esquema", diz.
"A minha me demitiu e contratou como diarista no ano passado. Hoje, tenho uma renda de R$ 600 mensais com dois filhos pequenos para criar e aluguel de R$ 550. Como é que eu faço?"
Ela conta que já sente o setor mais concorrido. Segundo o IBGE, o número de trabalhadores domésticos avançou 3,8% no trimestre encerrado em novembro, chegando a 6,2 milhões de pessoas.
"Com o avanço da educação e do trabalho nos últimos anos, o contingente dos trabalhadores domésticos vinha reduzindo. Eles migravam para outros setores. Agora, as pessoas retornam a esse grupamento por falta de oportunidades em outras áreas", explicou à imprensa o gerente de Coordenação de Trabalho do IBGE, Cimar Azeredo.
Mas se na Prendas Domesticas a contratação de diaristas aumenta, no Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo é o setor de homologações de demissões que está aquecido.
Segundo dados do Ministério do Trabalho, foram demitidos no Brasil 58.808 engenheiros no ano passado. Descontadas as contratações (38.245), o saldo é um adicional de 20.563 engenheiros sem trabalho.
"No último ano, houve paralisações na indústria, no setor da construção civil e no de óleo e gás, todos bastante intensivos no uso de engenheiros", diz Raphael Falcão, diretor da multinacional de recrutamento Hays.
Engenheiro por formação, Falcão lembra que em 2008 foi contratado principalmente para recrutar profissionais dessa área. "Até 2012 houve um boom na contratação de engenheiros. Eu tinha muita dificuldade em encontrar gente com experiência em grandes projetos e algumas áreas específicas", diz ele.
Na esteira dessa demanda, muitas faculdades criaram ou ampliaram seus cursos de engenharia e o número de profissionais formados mais que dobrou em dez anos, chegando a cerca de 50 mil.
"Hoje, porém, você vê bons engenheiros desempregados ou novos engenheiros com um formação sólida sem conseguir uma oportunidade. A questão é que, muitas vezes, se o projeto termina, todos acabam demitidos", diz Falcão.
Segundo ele, o mercado de trabalho da engenharia costuma ser uma espécie de termômetro da economia. É o primeiro que sofre com uma freada, embora também seja o primeiro que se recupera quando a economia volta aos trilhos.
"Muitas vezes os engenheiros acabam indo para outras áreas, ou se reinventando. Eu ajudei na contratação de alguns para trabalhar em Angola recentemente – eles estão querendo sair em função da atual situação econômica e da alta do dólar. Também há os que vão para bancos ou abrem seu próprio negócio", conta o diretor da Hays.
Na década de 1980, uma lanchonete na avenida Paulista, em São Paulo, tornou-se símbolo dos efeitos da crise econômica sobre essa profissão. "O Engenheiro que Virou Suco" era o nome do estabelecimento, aberto pelo engenheiro Odil Filho depois de ficar desempregado em função da recessão.
Já na atual crise, a busca de renda parece estar levando alguns engenheiros para ocupações ainda mais inusitadas: alguns até estão "virando Uber".
É o caso do engenheiro recém-formado Eduardo Ávila, de Belo Horizonte, que procura trabalho há oito meses. Eduardo conta que também é poeta, mas escolheu cursar engenharia por pragmatismo, por considerar que isso lhe garantiria uma carreira relativamente segura. "Achava que ia trabalhar em minha área. Tenho interesse em projetos de tratamento de resíduos, por exemplo", diz.
"Mas veio a crise e, pelo que entendi, entramos em um momento de deixar o sonho de lado e lidar com a realidade. E a realidade é que preciso de uma renda – até para ter tranquilidade para continuar a procurar trabalho na engenharia. No Uber, espero ter flexibilidade e conseguir conciliar as duas coisas."
Desempregado há um ano, o engenheiro Daniel Silva* (*ele pediu que seu sobrenome verdadeiro não fosse mencionado), engenheiro com MBA da prestigiada FGV e experiência em produção sucroalcooleira, diz que também tem um colega, engenheiro mecânico, que virou motorista do Uber.
"Todo mundo tem de se virar. Eu tenho me dedicado a serviços de intermediação comercial e consultoria", conta.
"Houve uma época em que éramos a mosca branca do mercado – um profissional raro e valorizado que todas as empresas queriam. Nunca imaginei que chegaríamos a isso."
Para José Valter de Almeida, sócio-diretor da consultoria econômica RC Consultores, "não pode ser uma boa coisa para a economia o fato de que o mercado das diaristas cresce enquanto que a contratação de engenheiros encolhe".
"Houve investimento na qualificação dessas pessoas e no médio prazo há o risco de que isso seja perdido."
Murilo Pinheiro, presidente do Sindicato dos Engenheiros paulista e da Federação Nacional dos Engenheiros, porém, é relativamente otimista: "Hoje temos um momento de crise que tem de ser passageiro" diz ele.
"O Brasil é maior que tudo isso e o engenheiro terá um papel essencial para que o país volte a crescer."
Para Pinheiro, essa não é a pior crise pela qual o país passou em suas mais de três décadas acompanhando o setor de engenharia.
"Já tivemos crises econômicas piores e crises políticas mais graves. Mas o que faz dessa uma crise especialmente complicada e preocupante é que temos uma combinação das duas coisas", opina.