Quem são os milionários americanos que querem pagar mais impostos

Americanos de alta renda movimentam eleições ao combater influência do dinheiro e defender tributação mais progressista

Para Bernie Sanders, pré-candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, é "o problema". Um recente anúncio de campanha com esse título curto e direto cita Wall Street, o centro financeiro dos EUA, como a causa dos problemas da economia do país.

Foto: BBC
Pearl é um ícone dos milionários na luta por uma menor influência do dinheiro na política

Sanders está utilizando a crescente divisão entre ricos e pobres para se posicionar como rival de Hillary Clinton na disputa pela candidatura do partido Democrata à Casa Branca. Mas há milionários que pensam como ele e estão engajados em separar o fosso entre ricos e pobres e questionam a ideia da luta de classes.

São os "Milionários Patriotas", grupo criado em 2010 e formado por mais de 200 pessoas com renda anual superior a US$ 1 milhão ou mais de US$ 5 milhões em ativos. Com esse histórico financeiro, o objetivo do grupo pode soar contraditório: aumentar o salário mínimo, combater a influência de grandes corporações na política e buscar um sistema tributário mais progressivo. Ou seja, são milionários que querem pagar mais impostos.

O presidente do grupo, Morris Pearl, disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que eles "conseguiram avanços em mover a narrativa para nossa direção". "Fizemos muito para promover a ideia de que não é uma questão de ricos contra pobres. Todo mundo está a favor de menos desigualdade. Apenas 1% do 1% do 1% está contra essas políticas."

Em 2012, o presidente dos EUA, Barack Obama, convidou o grupo à Casa Branca para respaldar sua proposta de elevar impostos para mais ricos, ideia também defendida pelo bilionário e filantropo Warren Buffet. Desde então, Pearl, que fez fortuna com investimentos em Wall Street, se tornou presença constante na Casa Branca e no Congresso.

Suas ideias - e as do grupo - voltaram ao foco da mídia pelas propostas de Sanders e Clinton na campanha democrata.

'Círculo vicioso'

Sanders vem conseguindo bons resultados, sobretudo entre jovens, com discurso baseado na crítica à desigualdade social e ao mundo de Wall Street. O senador sempre afirma que sua campanha não conta com recursos de grandes corporações.

Os "Milionários Patriotas" também acreditam que haja "muito dinheiro na política". "Muito pouca gente investe muito dinheiro para ter mais poder político e usar esse poder político para ganhar mais dinheiro. Um círculo vicioso", diz o líder do grupo.

Pearl comemora o fato de a agenda do grupo estar na campanha, ao menos na democrata. "Ambos candidatos estão falando desse tema, talvez porque Sanders sempre toca no assunto. É bom. Estamos marcando diferença. Ambos se moveram em nossa direção e isso é alentador."

O milionário é democrata, mas ainda não sabe se irá votar em Sanders ou Clinton. Nem ele nem o grupo declarará apoio público a nenhum candidato, diz. Parece lógico que os republicanos, avessos ao conceito de "subir impostos" e a um governo forte em certos aspectos, estejam mais distantes de sua forma de pensar.

Pearl diz acreditar que Donald Trump, pré-candidato favorito entre os republicanos, também apoie algumas de suas propostas. E ele diz ver semelhanças entre o magnata e Sanders, apesar das posições opostas no espectro político.

"De alguma maneira a extrema direita e a extrema esquerda estão se juntando em certo ponto e as posições populistas de Trump em alguns casos são as posições populistas de Sanders", comparou.

Defesa da igualdade

O êxito desses dois "outsiders" da política internacional talvez possa se explicar pelos fundamentos do bom desempenho econômico dos EUA. O desemprego está baixo e a inflação, controlada. Além disso, o Federal Reserve, banco central dos EUA, elevou recentemente as taxas de juros porque a economia está "sólida".

Por outro lado, os 20 mais ricos dos EUA possuem tanto recursos como 152 milhões de pessoas da parte baixa do ranking, segundo estudos dos "milionários patriotas". E a riqueza da classe média caiu 28% de 2001 a 2013, segundo estudo do Pew Research Center.

A decepção dessa classe média impulsionou Sanders e Trump, segundo especialistas. "Ambos buscam apelar a pessoas que dizem que o governo é um buraco sem fundo, e que buscam um 'outsider' que não seja parte do mundo financeiro nem do governo", disse Pearl.

Revelação grega

Pearl se dedicou por mais de 30 anos a criar valores financeiros. De sua cadeira e computador, gerou riqueza movendo números, sem contato com pessoas. "Ganhei bem por muitos anos, e me aposentei", afirmou Pearl, que optou por trabalhar no setor público.

Em 2013, ele estava em Atenas assessorando o Banco da Grécia quando teve uma experiência reveladora. Em plena crise no país europeu, ele viu manifestações de cidadãos enquanto o Parlamento discutia medidas de austeridade.

"Vendo esses protestos no centro de Atenas me perguntei: 'Estamos realmente ajudando as pessoas ou os banqueiros?'", relembra. "Decidi que deveria fazer algo diferente e tomei outro caminho", afirmou. Com dinheiro suficiente para o resto da vida, ele decidiu se dedicar à agenda dos "Milionários Patriotas" em Washington.

O grupo defende os benefícios econômicos associados à igualdade social. "Não é certo que as pessoas trabalhem tanto e não ganhem o suficiente para viver. Se foram obrigadas a viver com ajuda do governo por terem salários baixos, não é correto."

Pearl diz não ser contra o mercado financeiro, mas um defensor de regulações como as já existentes. "Não quero demonizar Wall Street. Há gente que crê que os ricos querem mais desigualdade, mas essas pessoas estão erradas. Há muitos do nosso lado", afirma.