A volta do peronismo: se o Brasil não apressar o passo, corre o risco de dançar o mesmo tango populista que ameaça a Argentina
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A volta do peronismo: se o Brasil não apressar o passo, corre o risco de dançar o mesmo tango populista que ameaça a Argentina

Um sinal preocupante vindo da Argentina deveria servir de alerta para o governo do Brasil, que chegou ao poder no início deste ano com a responsabilidade de gerar empregos e fazer o país crescer. Trata-se, é claro, do resultado das primárias realizadas no domingo passado, com vistas às eleições presidenciais deste ano.

Devido a uma peculiaridade do sistema eleitoral argentino, as eleições para valer, em outubro, só podem ser disputadas por candidatos que passarem pelo crivo dessas prévias. Para quem tem o mínimo respeito pelos fundamentos da economia , os resultados de domingo foram, no mínimo, preocupantes.

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As urnas mostraram que, mesmo depois de ter feito um dos governos mais corruptos e  incompetentes da história, e de empurrar seu país para uma tragédia econômica de proporções quase venezuelanas, a ex-presidente Cristina Kirchner tem chances de voltar ao poder. Desta vez, como vice da chapa de seu ex-chefe de gabinete, Alberto Fernández, que teve 47% dos votos nas primárias.

Se as urnas de outubro confirmarem a vitória, a culpa terá sido única e exclusivamente do presidente Maurício Macri , que ficou com 32% dos votos de domingo.

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A explicação para isso é singela. Por mais bem-intencionado que seja, Macri foi incapaz de promover  as reformas que tirariam a Argentina do buraco para o qual foi empurrada por Cristina e seus comparsas. Foi o que bastou para que os mesmos populistas que criaram as dificuldades que a Argentina enfrenta nos últimos anos voltassem à cena com força total.

Mauricio Macri: não importa os problemas que herdou. Era dele a responsabilidade de resolvê-los
Antonio Cruz/Agência Brasil
Mauricio Macri: não importa os problemas que herdou. Era dele a responsabilidade de resolvê-los


Refugiados argentinos

Populistas são, por definição, persuasivos e traiçoeiros. Livrar-se deles exige mais do que as boas intenções que Macri tem demonstrado desde o início de seu governo. Ardilosos, têm o hábito de preparar armadilhas e de responsabilizar os oponentes pelos erros que eles mesmos cometeram.

E sempre surpreendem pelo cinismo quando insistem em chamar de Justiça Social a gastança de dinheiro público que promovem para encher os bolsos dos amigos mais chegados. É assim que eles agem na Argentina, no Paraguai, na Cochinchina ou, claro, no Brasil.

No caso específico dos populistas argentinos, o que mais espantou foi a capacidade que tiveram de recuperar o fôlego quatro anos depois de parecerem asfixiados para sempre.

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Na segunda-feira, numa solenidade na cidade gaúcha da Pelotas, o presidente Jair Bolsonaro falou a respeito das primárias no país vizinho. Com sua capacidade inesgotável de criar problemas onde antes não havia, traçou um quadro tenebroso para o caso da “esquerdalha” voltar ao poder na Argentina.

Segundo ele, a eventual vitória de Fernández deixaria o Rio Grande do Sul diante de um problema monumental. Assim como o estado de Roraima foi invadido por venezuelanos em fuga do bolivarianismo, o estado será invadido por refugiados argentinos caso os peronistas vençam a eleição.

Sem querer dar à conhecida incontinência verbal do presidente mais importância do que ela tem, é bom lembrar que Bolsonaro ganharia mais se estudasse o cenário político-econômico da Argentina e constatasse o óbvio: Macri corre o risco de perder as eleições de outubro porque, ao invés de mirar o futuro, ficou preso às comparações com o passado.

Por não ter a capacidade de encontrar a solução para os problemas que se propôs a resolver, fez um governo de resultados tão pífios que passou uma borracha sobre as lambanças que sua antecessora fez nos oito anos que passou na Casa Rosada.

Mais do que Bolsonaro, Macri herdou uma economia em frangalhos. Mas, por mais profunda que tenha sido a crise criada ao longo de anos de populismo, era dele a obrigação de tirar o país do buraco em que se encontrava. O mesmo vale para o Brasil. 

Os erros do passado petista foram o ponto de apoio onde Bolsonaro firmou sua alavanca para ganhar as eleições do ano passado. A partir do instante em que ele assumiu a cadeira de presidente, queira ou não queira, o problema passou a ser dele, não dos antecessores.

Se Bolsonaro não se convencer disso, corre o risco de daqui a quatro anos deixar o Planalto ao som de um tango tão desafinado quanto o que ameaça Macri .

Ambiente econômico

A incapacidade do populismo peronista de tomar decisões corretas deixou a Argentina tão devastada que, por mais que Macri tenha trabalhado, seu esforço foi insuficiente para colocar o país no rumo virtuoso.

Deveria ter feito mais do que conseguiu fazer ao longo de seu mandato. O Brasil, submetido ao sendo de urgência peculiar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia , está na iminência de seguir na mesmíssima direção.

Ao ritmo da batuta lenta de Maia, as reformas avançam tão lentamente que faz com que as vitórias obtidas deixem de ser comemoradas por seus efeitos positivos. Um exemplo disso está acontecendo agora, bem debaixo de nossos narizes.

Por mais positiva que tenha sido a notícia da votação da Reforma da Previdência em segundo turno pela Câmara, seu impacto sobre o ânimo do mercado, se é que teve algum, foi imperceptível. 

Ou melhor, se houve mudança de cenário desde que o projeto da Reforma da Previdência começou a ser discutido e desidratado na Câmara, foi para pior. Dias depois da aprovação em segundo turno, o IBGE divulgou a projeção do PIB do segundo semestre de 2019 — ano em que se esperava uma virada positiva na curva de crescimento.

Só que, ao invés de avançar, a economia engatou marcha à ré. De acordo com o IBGE, o PIB, que já havia recuado 0,2% entre janeiro e março deste ano, caiu outros 0,13% entre abril e junho. Esses números representam a volta ao estado de  recessão técnica do qual o Brasil tinha se livrado no ano passado.

Tudo bem! Por mais bem recebida que tivesse sido, seria impossível para qualquer medida aprovada no mês de agosto refletir positivamente sobre os números do primeiro semestre. Isso é óbvio!

O problema é de outra natureza: como os governos que o Brasil teve no passado recente, o de Bolsonaro não parece preocupado em criar um ambiente econômico favorável aos negócios e, portanto, ao crescimento.

Assim como Macri sempre se queixou da falta de tempo para resolver os problemas de seu país, o governo de Jair Bolsonaro segue na mesma linha. Na segunda-feira, o ministro da Economia Paulo Guedes pediu calma ao mercado. “Não trabalhem contra o Brasil. Tenham um pouco de paciência”, disse Guedes durante um debate promovido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ministro da Economia Paulo Guedes pede paciência quando o país precisa de pressa
Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr
Ministro da Economia Paulo Guedes pede paciência quando o país precisa de pressa


Problemas vivos

Será que paciência é o remédio? Claro que não: o país precisa é de pressa. Naquilo que é essencial, os problemas brasileiros são os mesmos do passado petista e parecem mais vivos do que nunca.

O déficit público continua crescente e, pressionada pela recessão, a  arrecadação segue em queda livre. As marcas do populismo, que estão entre as causas primárias dos males econômicos do Brasil, permanecem vivas, sobretudo, nos privilégios desfrutados pelas corporações mais poderosas.

Veja também: Um freio nos exterminadores de empregos

É bom insistir nesse ponto: tudo o que mudou no país, no final das contas, foi a direção do discurso . Todo o resto permaneceu igual ou, na melhor das hipóteses, muito parecido com o que era antes.

Isso mesmo. Está certo que a orientação ideológica das autoridades no atual governo é distinta daquela que prevaleceu no país a partir de 2003. Só que, assim como na Argentina, isso não basta para tirar o país do buraco, gerar empregos e renda para a população.

Mesmo assim, ninguém se mostra interessado em criar um ambiente mais favorável ao crescimento. E enquanto isso não acontecer, por mais que Maia seja aplaudido por ter feito “a reforma possível”, a economia manterá seu passo de caranguejo em direção ao fundo do mangue.

Atenção! Por ambiente favorável entenda-se única e tão somente um cenário onde impere a racionalidade fiscal, a segurança jurídica e a estabilidade das regras do jogo. 

Seria possível para Bolsonaro ter feito tudo isso em seus oito meses e meio de governo? É óbvio, é evidente que não. Seria possível ter acelerado o passo e feito mais do que fez? Claro que sim.

Mas basta alguém pedir um pouco mais de celeridade para que  alguém logo venha alertar que “não há clima político” ou que “o momento não é o mais adequado” para fazer o que é necessário.

Isso mesmo: a implantação de um ambiente econômico favorável aos negócios acabaria com os privilégios dos que lucram com a situação atual. E como os que lucram são justamente os que têm o Estado nas mãos, eles fazem tudo o que podem para impedir que sejam tomadas as medidas sensatas, capazes de destravar a economia. Foi assim na Argentina, é assim no Brasil.

A questão é simples: sem racionalidade fiscal, sem segurança jurídica e sem estabilidade das regras do jogo não haverá investimento , não haverá consumo e não haverá comércio internacional vantajoso.

Se alguém achar uma maneira de gerar o  crescimento sustentável sem cumprir pelo menos dois desses requisitos é candidato a mais do que o Prêmio Nobel de Economia. É candidato a santo milagreiro.

Fernández e os ficha-suja

O que não falta no caminho de Bolsonaro são entulhos que precisam ser removidos para que o país volte a avançar. Muitas bombas relógio, que surgiram como consequência das medidas populistas tomadas a partir de 2003, estão aí para serem desarmadas.

O problema é que não importa quem tenha causado o problema: a responsabilidade pela solução é e sempre será de quem está no poder .

Se no primeiro ano de seu governo Macri tivesse sido capaz de desmontar as armadilhas que tornavam o ambiente econômico em seu país hostil aos negócios, talvez não estivesse, neste momento, correndo o risco de entregá-lo a Alberto Fernández e aos ficha-suja que o acompanham.

o problema não são os refugiados argentinos, mas o risco de surgirem os refugiados brasileiros
Marcos Corrêa/PR
o problema não são os refugiados argentinos, mas o risco de surgirem os refugiados brasileiros



Parece injusto, mas é assim mesmo que as coisas funcionam: como nada foi feito em seu devido tempo, Macri corre o risco de deixar a Casa Rosada apenas quatro anos depois de ter se instalado lá. Quando a Bolsonaro, bem... se seu governo não fizer o que prometeu pode ser que, ao invés de receber refugiados, passar a exportar refugiados.

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