Fernando Capez, diretor executivo do Procon
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Fernando Capez, diretor executivo do Procon

No texto passado tivemos a oportunidade de estudar um pouco sobre o dano moral, modalidade de reparação monetária decorrente de um dano contra algum direito de personalidade de outrem. Visando dar profundidade ao tema, abordaremos no presente texto a possibilidade de dano moral de pessoa jurídica. É possível? Caso seja, como um direito de personalidade da pessoa jurídica poderia ser agredido?

Para respondermos a tais questionamentos, precisamos entender as três teorias clássicas que versam sobre o tema e a qual delas o Direito brasileiro aderiu. Primeiramente, citamos a Teoria Negativista, responsável por sustentar a absoluta impossibilidade de reparação de qualquer dano que não seja patrimonial.

Os negativistas vinculavam diretamente o dano moral a um sofrimento emocional, a algum tipo de dor que a pessoa viesse a sofrer em razão do cometimento de um ato ilícito. Nesse sentido, entendiam que seria impossível se quantificar a dor, vez que não há parâmetro legal ou cientifico para sua exata medição.

Por sua vez, a Teoria Eclética adotava um posicionamento menos radical com relação à impossibilidade de se quantificar a dor sofrida por outrem (Teoria Negativista), porém, condicionava a possibilidade de reparação do dano moral à um reflexo no patrimônio ou vida econômica da pessoa. Aqui, em que pese ser menos extremista que a teoria anterior, ainda não se enxergava a autonomia dos direitos da personalidade em relação ao patrimônio material.

Por essa razão, os críticos da Teoria Eclética afirmavam que mesmo se tratando de um avanço, em verdade, ainda não se estaria reparando o dano ao direito de personalidade, mas sim, tratar-se-ia de uma reparação de dano material travestida de dano moral. Exemplo cristalino da vinculação entre dano moral e material era a antiga S. 491 do STF, que dizia: “É indenizável o acidente que cause a morte do filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”.

Por derradeiro, a Teoria Positivista , adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, deu a devida guarida aos direitos da personalidade extrapatrimoniais que fossem agredidos por atos ilícitos de outrem. Neste caso, a imposição de sanção pecuniária ao agressor não teria o condão de se medir a dor suportada pela vítima, mas sim, de se compensar as consequências experenciadas pela vítima em razão do ato ilícito cometido.

Consagrando a Teoria Positivista , a CF/88 , por intermédio de seu art. 5º, X, prevê: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. No mesmo sentido caminha o art. 5º, V, ao dizer: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Como bem esclarece Héctor Valverde Santana , em seu “Dano Moral no Direito do Consumidor”, 3ª edição, p. 132, diante da premissa constitucional, inúmeros diplomas legais infraconstitucionais foram editados contemplando a tese da reparabilidade dos danos morais, tais como o Código de Defesa do Consumidor ( CDC ), ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – L. 0.069/90), Lei dos Desaparecidos Políticos (L. 9.140/95), Lei dos Direitos Autorais (L. 9.610/98), Lei do Direito de Arena e Imagem do Atleta Profissional (L. 9.615/98), Lei Distrital (L.2.547/00), dentre outras.

Solidificada a escolha pela Teoria Positivista e a possibilidade de reparação autônoma de dano ao direito de personalidade, por algum tempo a doutrina e a jurisprudência patinaram quanto à possibilidade de sua aplicação para as pessoas jurídicas. Como é sabido, por mais que sejam abstrações, as pessoas jurídicas são dotadas de individualidade própria, que não se confunde com as das pessoas físicas que a constituem.

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Christiano Cassettari , em “Elementos de Direito Civil”, 2ª edição, p. 66, conceitua pessoa jurídica como “(...) expressão adotada para a indicação da individualidade constituída pelo homem ou pela lei, sempre empregada para designar as instituições que tomam individualidade própria, para constituir uma entidade jurídica, distinta das pessoas que a formam”.

Para os doutrinadores adeptos da Teoria Negativista , se a reparação pelo dano moral já era impossível para a pessoa física, o mesmo deveria ser entendido para as pessoas jurídicas. Como compreendiam o dano moral como um sofrimento emocional, sustentavam que somente a pessoa humana seria dotada de espírito apto a sofrer alterações anímicas em razão da prática de um lícito.

Também era defendido que as pessoas jurídicas não possuíam intimidade, vida privada, ética, existência biológica ou sentimento, sendo impossível, desta forma, experimentarem sofrimento, dor, vexame, tristeza, humilhação, ou qualquer outra modificação psíquica. Posteriormente, alguns doutrinadores passaram a reconhecer alguns direitos de personalidade inerentes à pessoa jurídica, passíveis, portanto, de dano moral, tais como o nome comercial e a reputação da pessoa jurídica no mercado. Todavia, tais direitos de personalidade somente poderiam ser defendidos em juízo preventivamente (antes da ocorrência do dano), sendo vedada qualquer forma de reparação post factum.

Ainda quanto à impossibilidade de reparação por dano moral para a pessoa jurídica, o Min. do STF, Carlos Alberto Menezes Direito , à época integrante do STJ, no REsp 149.161/RS, expunha o entendimento de que não se poderia configurar dor profunda, sofrimento íntimo, agressão à honra ou violência aos valores éticos de uma pessoa jurídica.

No sentido dos adeptos da Teoria Eclética , doutrinadores firmavam a possibilidade de reparação de dano moral de pessoa jurídica desde o ato ilícito fosse direcionado contra seus bens ou representantes pessoais.

Assim, Roberto H. Brebbia, em “El Daño Moral”, citado Héctor Valverde Santana, em seu “Dano Moral no Direito do Consumidor”, 3ª edição, p. 144, ensinava que “as pessoas jurídicas podem sofrer dano moral sempre que o ato ilícito for dirigido contra os bens ou pressupostos pessoais das mesmas, de acordo com a particular natureza do em que coletivo que serve de substrato à sua personalidade. Considera que as pessoas jurídicas têm atributos de ordem pessoal, como o nome e a consideração ( reputação ), donde se conclui acerca do fato de que os vulnere acarreta um dano moral reparável”. 

Em que pese o entendimento do ex- Min. Menezes Direito e de outros operadores do Direito, o conceito contemporâneo de dano moral não mais se confunde com o elemento psíquico que cause alteração no ânimo da pessoa que suportou o ato ilícito. A própria CF, em seu art. 5º, V e X, não faz nenhuma distinção entre pessoa física e jurídica no que tange ao dano moral.
No plano infraconstitucional, o Código Civil, em seus arts. 11 a 21, discrimina a proteção aos direitos de personalidade e no art. 52 estende os efeitos de tal proteção para resguardar a personalidade das pessoas jurídicas, in verbis:
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Consonantes com os mandamentos constitucionais e infraconstitucionais, os operadores do direito e doutrinadores adeptos da Teoria Positivista, a partir de meados da década de 90, passaram a aceitar a possibilidade de reparação por dano extrapatrimonial suportado por pessoa jurídica. Nesse sentido, o REsp 60.033-2/MG, j. 09/08/1995, proferido pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar:

“EMENTA: Responsabilidade Civil – Dano Moral – Pessoa Jurídica – a honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente”.

Para finalizar com qualquer tipo de controvérsia e decorrente de reiterados julgados advindos da Segunda Turma do STJ, que reconheceram a honra objetiva da pessoa jurídica, em 08/09/1999, foi editada a S. 227, que pacificou o entendimento no sentido de que “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

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