Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, foi fundado em 1952
Arquivo/Agência Brasil
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, foi fundado em 1952

texto publicado neste espaço na terça-feira passada falava do papel do BNDES como banco de fomento e mencionava a importância reservada à instituição no esforço de tirar o País do atoleiro para o qual foi empurrado durante anos de administração populista e irresponsável. Conforme o ponto de vista defendido no artigo, o Brasil sairá ganhando se o novo presidente da casa, Gustavo Montezano , preferir um caminho diferente de seu antecessor, Joaquim Levy. Em lugar de manter fechada a porta do cofre, seria melhor que o banco assumisse um papel de destaque no financiamento de iniciativas capazes de ajudar a economia brasileira a romper a inércia e sair de um buraco que parece não ter fundo.

Afirmações como essa, sobretudo nos tempos atuais, geram dúvidas e sempre despertam reações contrárias. Cansada de ver o dinheiro público ser utilizado sem critérios sérios e irritada com as cenas de corrupção explícita que se banalizaram no país, boa parte da sociedade acha que a solução para sair da crise é trancar o cofre e jogar a chave fora. Qualquer investimento é condenado, pois sempre existe o risco de que o dinheiro público escorra pelo ralo. Por mais insensata que pareça, a toda hora surgem exemplos que dão força a esse tipo de visão. Um deles foi dado a partir da análise dos detalhes do  pedido de Recuperação Judicial feito pela Odebrecht na segunda-feira.

Soma vultosa

Um olhar superficial sobre essa decisão da Justiça mostra que o BNDES terá uma dificuldade enorme para recuperar o dinheiro que emprestou à empreiteira. A Odebrecht , que se tornou sinônimo dos escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato , acumulou junto aos bancos públicos uma dívida sem garantias de R$ 17 bilhões — enquanto os bancos privados têm apenas R$ 1,5 bilhão, ou seja, menos de 10% desse valor, nas mesmas condições.

Com a Recuperação, esses compromissos serão jogados para as calendas gregas e o dinheiro dificilmente retornará aos cofres dos bancos — que, se quiserem receber alguma coisa, terão que dar a dívida por quitada por menos dinheiro do que emprestaram. Desses R$ 17 bilhões, pouco mais de R$ 7 bilhões são devidos ao BNDES, número que faz do banco o maior credor da construtora. A soma vultosa passou a ser apontada como a prova definitiva de que o banco deveria simplesmente ser extinto para que o dinheiro público sob sua responsabilidade jamais voltasse a ser utilizado em operações escusas.

Estaria aí, nesses números, a prova suficiente de que o BNDES, assim como os outros bancos públicos, é, na melhor das hipóteses, menos cuidadoso do que as instituições privadas na hora de se relacionar com o mercado. Sendo assim, como uma espécie de punição, o BNDES deveria simplesmente fechar as portas depois de devolver os R$ 270 bilhões do Tesouro Nacional que ainda estão em seu poder (o valor era de R$ 487 bilhões em 2015). A existência de um banco de fomento com as características do BNDES, por essa visão, é incompatível com um Estado leve, responsável e, portanto, moderno. 

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Insensatez e incompetência

Após saída de Joaquim Levy, Gustavo Montezano é o novo presidente do BNDES
Divulgação/Ministério da Economia
Após saída de Joaquim Levy, Gustavo Montezano é o novo presidente do BNDES

O equívoco desse ponto de vista é enorme e dá margem a ideias sem lastro como, por exemplo, tirar recursos administrados pelo BNDES para pagar aposentadorias, como sugere a tíbia reforma da Previdência proposta pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). O banco tem, sim, falhas a ser corrigidas mas as distorções do sistema não devem ser procuradas na tal caixa preta que presidente Jair Bolsonaro insiste em dizer que existe.

Pensar que o problema está dentro e não fora do banco é mais ou menos o mesmo que tratar o BNDES como o sofá a ser jogado fora depois que um dos cônjuges entra na sala e flagra o outro em adultério.

Acabar com o banco, além de não ajudar a resolver o problema da corrupção — que deve ser tratado no âmbito da Polícia Federal e da Justiça — seria um obstáculo a mais diante da retomada do crescimento, da recuperação do nível de emprego e do aumento da arrecadação. O governo Bolsonaro, é verdade, nunca falou em fechar o BNDES, mas tem agido até aqui como se o ele não existisse. Manter o banco parado, sem cumprir a missão que justifica sua existência, tem o mesmo efeito de liquidá-lo.

O Brasil não sairá do buraco para o qual foi arrastado pela insensatez e pela incompetência das administrações passadas, especialmente a de Dilma Rousseff, se o Estado não fizer a sua parte — sobretudo no que diz respeito ao financiamento de alguns projetos essenciais para o país. Sim. Por mais estranho que isso possa parecer aos ouvidos liberais mais sensíveis, o país nunca sairá do buraco atual se o dinheiro público não compuser a cesta dos investimentos necessários para a implantação de projetos estratégicos. 

Se o governo precisa investir, é melhor recorrer a um banco de fomento, como o BNDES, do que drenar recursos do orçamento, como é da tradição brasileira. Sobretudo num cenário em que cada gota que pinga no caixa federal vai para um funcionalismo que não abre mão de privilégios. O BNDES foi criado para financiar projetos privados de desenvolvimento, não para gerar caixa para o Tesouro. Escolher os projetos a serem financiados com critérios mais sensatos do que o dos “Campeões Nacionais” é fundamental. 

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Falta de alternativas

Estruturas de fomento, como o BNDES , são mecanismos legítimos, utilizados pelos países mais evoluídos para permitir ao Estado colocar dinheiro em projetos de desenvolvimento sem, com isso, contaminar as contas públicas e o equilíbrio fiscal. Não se trata, aqui, de cair na armadilha do debate ideológico estéril que põe, de um lado, a visão estatizante assumida pela esquerda brasileira — que, por sinal, é idêntica à que vigorou durante os governos militares — de que o Estado deve ser responsável por tudo.

Do outro lado dessa visão está a lógica liberal mais extrema, pela qual o poder público deve limitar suas preocupações às áreas de educação, saúde, segurança e só. O problema é bem maior do que a simples opção por uma dessas alternativas: o país está ficando sem alternativas e, num cenário de destruição como estamos vivendo, abrir mão de uma das poucas estruturas preparadas para dar o primeiro passo no sentido de tirar o país da crise seria um equívoco monumental.

O conteúdo desta coluna não necessariamente representa a opinião editorial do iG

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