Empresas de telemarketing recorrem ao celular para driblar regra da Anatel
Emerson Alecrim
Empresas de telemarketing recorrem ao celular para driblar regra da Anatel

Dezenas, centenas e até milhares de ligações a qualquer hora do dia ou da noite. A rotina vira uma perturbação constante para quem não consegue se ver livre do telemarketing abusivo , que oferece produto ou serviço sem consentimento do consumidor. Um retrato disso são as mais de 1.500 queixas registradas em 48 horas no canal de reclamação exclusivo sobre o assunto lançado pelo Ministério da Justiça (MJ) na última quarta-feira, denuncia-telemarketing.mj.gov.br. 

O órgão responsável por coibir práticas comerciais abusivas é a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao MJ. Mas a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também fiscaliza ofertas de telemarketing por operadoras e tem adotado ações contra a prática, como a obrigatoriedade do prefixo 0303 para identificar esse tipo de chamada.

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A agência bloqueou, em junho, linhas que faziam mais de cem mil ligações por dia para coibir as chamadas robocalls, ligações que costumam ser desligadas assim que o consumidor atende. Até agora, as ações não foram suficientes.
Na última segunda-feira, o MJ, por meio da Senacon, determinou a suspensão do telemarketing abusivo de 180 empresas — de instituições financeiras a operadoras de telefonia —, sob pena de multa diária que poderia resultar, ao fim de um processo administrativo, em sanção de R$ 13 milhões.

"A autorregulação, as plataformas de bloqueio de chamadas e as várias leis que trataram do tema Brasil afora não se mostraram eficazes. Faltaram monitoramento e punição efetiva. A medida cautelar adotada pelo MJ, no entanto, dá um passo além ao determinar que as empresas comprovem a origem do banco de dados", diz Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
O diretor do Idec acrescenta:

"Temos de admitir que muitos dados dos brasileiros vazaram, e as empresas estão usando essas informações para oferta de produtos e serviços. É preciso puni-las severamente quando se comprovar essa prática."

Bloqueio de chamadas

As primeiras empresas já começaram a prestar esclarecimentos, e o próximo passo é a abertura de processos administrativos, diz Laura Tirelli, diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC). A medida cautelar, explica, é para fazer as empresas cumprirem a lei:

"Percebemos que as determinações da Anatel, de identificação de telemarketing ativo pelo prefixo 0303 e a suspensão das linhas responsáveis por robocall, não estavam sendo cumpridas. Continuavam as queixas, e decidimos atuar. Um idoso relatou 3 mil chamadas em uma semana, somando cinco celulares de sua titularidade. A medida prevê punição para toda a cadeia, a empresa que liga e a que contrata o telemarketing, todos têm responsabilidade solidária." 

A Anatel também acabou com a gratuidade das chamadas de até três segundos, para frear esse tipo de ligação.

"Em uma grande operadora, com mais de 80 milhões de linhas ativas, identificamos 357 linhas que faziam mais de cem mil chamadas por dia, que representavam 60% do tráfego da operadora. Com o bloqueio desses números, resolvemos boa parte das chamadas de robô. A cada 15 dias as empresas vão enviar relatórios de monitoramento, o primeiro está para sair", diz Emmanoel Campelo, conselheiro da Anatel. 

Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, diz que a cobrança de chamadas com menos de três segundos pode reduzir as ligações por robôs:

"As operadoras de telefonia podem ser aliadas na identificação e bloqueio de chamadas abusivas, se assim determinar a Anatel." 

O interesse em fugir das chamadas é grande. Desde 2009, está no ar o canal “Não me ligue” do Procon-SP, onde consumidores podem inscrever seu número para não receber ofertas de telemarketing. Há 3,6 milhões de usuários registrados e 350 mil denúncias.

Para Guilherme Farid, diretor executivo do órgão, a responsabilidade pelo telemarketing abusivo é da empresa que oferece o serviço e da contratada para fazer as ligações. E pondera que a Anatel deveria adotar multas mais pesadas e suspensão de serviços:

"O 0303 foi uma cortina de fumaça, pois quem pratica o telemarketing abusivo já viola a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Ou seja, a Anatel cria uma regra para dizer que quem for violar a lei terá de se identificar. O que temos visto é a baixa adesão das empresas ao 0303 e a busca de caminhos diversos, como serviço que camufla o número do telefone, ligação sem identificação ou de celulares pré-pagos."

Até quinta-feira, havia cerca de 2.200 números aptos a utilizar o prefixo 0303.

Na avaliação do coordenador jurídico da Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), Cláudio Tartarini, cabe à Anatel a responsabilidade de fiscalizar. A operadora também deveria monitorar, especialmente no que se refere ao tráfego. Segundo o executivo, as 19 empresas associadas, que representam um terço do mercado, têm autorregulação voluntária. A entidade defende que esta se torne obrigatória em todas as empresas de telesserviço.

Roberto Pfeiffer, professor de direito da Universidade de São Paulo, considera as denúncias do consumidor essenciais para reduzir a chateação das ligações, mas ressalta que este não é obrigado a fiscalizar e diz que a operadora de telefonia é importante no combate às violações:

"O Ministério da Justiça fundou sua decisão na importunação abusiva em massa para consumidores e na possibilidade da violação da proteção de dados. Como uma empresa com a qual o cliente nunca teve relação tem acesso aos seus dados?"

Ana Paula Ribeiro, de 40 anos, e o marido cadastraram números de telemarketing para bloqueio no “Não me perturbe”, iniciativa da Anatel para o bloqueio de ligações abusivas. Para evitar o incômodo, Ana não compartilha dados pessoais nem faz cadastros em lojas:

"Parei de dar meu telefone, CPF ou outra informação. É o dia todo recebendo ligações de operadoras, bancos ou serviços de internet. Você pode falar várias vezes que não quer comprar ou fazer nada, mas nada muda." 

Cansada das ligações incessantes, Marli Lopes, de 85 anos, já pensou em abandonar o celular, mas mudou de ideia por causa da preocupação dos filhos. Ela já recebeu até 50 telefonemas em um único dia, desde operadoras a bancos e avisos sobre sorteios.

"Era o dia todo recebendo ligação de cartão de crédito, banco, empréstimo. Eu até fico com pena porque sei que o pessoal está trabalhando, mas eles estressam muito a gente, é o tempo todo: manhã, tarde e noite." 

Procurada, a Anatel informou que houve queda de 12% nas reclamações sobre o tema no primeiro semestre em relação a igual período de 2021. Foram 7.590 queixas. Além disso, está em estudo uma forma de bloquear chamadas de números sem vínculo a CNPJ ou CPF, mecanismo usado para dificultar a identificação da empresa responsável.

A Conexis, que representa as operadoras, diz que iniciativas contra a prática fizeram o setor de telecomunicações deixar de figurar no ranking de ligações indesejadas.

“O setor recebeu com atenção a cautelar da Senacon que suspendeu o telemarketing de 180 empresas e ainda está avaliando os seus impactos no setor para só depois definir qual a melhor linha de atuação”, diz a Conexis em nota.

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