Rol da ANS: STF julga hoje cobertura obrigatória dos planos de saúde
Sophia Bernardes
Rol da ANS: STF julga hoje cobertura obrigatória dos planos de saúde

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma, nesta quarta-feira (8), o julgamento sobre o rol de da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no qual estão listados procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.

O julgamento vai definir se o rol é taxativo ou exemplificativo. Isso significa na prática que se for considerado taxativo, apenas os procedimentos listados e com a indicação determinada pela ANS deverão ser pagos pelos planos de saúde.

Se o tribunal decidir pelo rol exemplificativo, entendimento até aqui majoritário no judiciário, o usuário de plano de saúde poderá discutir em instâncias administrativas e judiciais pedido de cobertura de procedimento não incluídos na lista pela agência e de uso diferente do inicialmente proposto pelo regulador nas diretrizes de utilização (DUT).

Até agora, há um voto a favor da taxatividade do rol, do ministro relator Luiz Felipe Salomão e um voto pelo rol exemplificativo proferido pela ministra Nancy Andrighi. O julgamento está empatado e foi interrompido em fevereiro pelo pedido de vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva . Apesar da decisão do tribunal não ser vinculante ou repetitiva, a decisão proferida pela Segunda Turma do STJ tende a se consolidar como uma nova jurisprudência sobre o tema e orientar os tribunais inferiores.

Em fevereiro do ano passado, ANS se pronunciou pelo entendimento do rol ser taxativo e exaustivo, ou seja, apenas os procedimentos listadas são de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.

E reforça agora que a "taxatividade do rol de procedimentos é imposta pela Lei 9.961/2000, que confere a prerrogativa da ANS de estabelecer as coberturas obrigatórias a serem ofertadas pelos planos de saúde, sem prejuízo das coberturas adicionais contratadas pelos próprios consumidores, com o pagamento da contrapartida correspondente. A Lei 14.307/2022 também respalda o entendimento de que o rol é taxativo", diz em nota.

A reguladora ainda destaca que sem a clareza do que deve ser coberto, fica impossível estimar os riscos e, logo, definir o preço dos produtos. A ANS acrescenta que essa clareza é necessária para ações regulatórias, como fiscalização de atendimento das coberturas, cobrança de ressarcimento ao SUS, definição das margens de solvência e liquidez das operadoras.

A agência diz "vem aprimorando sistematicamente o rito através do qual é atualizado o rol, tornando-o mais acessível e célere, bem como garantindo extensa participação social e primando pela segurança dos procedimentos e eventos em saúde incorporados, com base no que há de mais moderno em ATS (avaliação de tecnologias em saúde), primando pela saúde baseada em evidências".

Na terça-feira, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), por sua vez, recomendou aos ministros do STJ que votem pelo "entendimento de que o rol de procedimentos da ANS tem caráter exemplificativo e não taxativo, mantendo, assim, o entendimento histórico desta Corte Superior, garantindo o direito à saúde dos usuários que buscam o Poder Judiciário para a solução de conflitos".

O tema tem mobilizado as redes sociais, principalmente grupos relacionados ao autismo, como é o caso do apresentador Marcos Mion, já que uma das ações avaliadas pelo STJ é sobre a Terapia ABA, frequentemente indicada por médicos a pacientes do espectro autista, ainda não incorporada no rol e quem tem tido o seu acesso garantido pela via judicial.

"Caso o rol seja considerado taxativo, isso pode inviabilizar o tratamento desses autistas que até aqui vinham obtendo acesso à terapia pela Justiça, que entendia majoritariamente que se houve prescrição médica como tratamento adequado deveria haver cobertura pelo plano de saúde", explica Danilo Russo, advogado do Instituto Conduzir.

Ele explica que a ANS já reconheceu, em Nota Técnica, a eficiência e caráter cientifico do tratamento de TEA pela Intervenção ABA. No entanto, rejeitou a proposta de incluir expressamente "Psicoterapias no método ABA", por considerar que já estaria contemplada na sessão de psicoterapia.

Contudo, na prática, por ausência de menção expressa no rol, explica Russo, os planos de saúde continuaram a negar a Terapia ABA pela via administrativa.

Menor acesso

Apesar de usuários de planos de saúde com doenças raras e quadros como o autismos estarem os mais intensamente atingidos caso a decisão seja pela taxatividade do rol, Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), destaca que a medida afeta os 49,4 milhões de usuários do planos de saúde:

"Fechar a lista não apenas endurece as possibilidade do usuário levar a questão ao judiciário, como o vulnerabiliza ainda mais sua condição de hipossuficiente frente às empresas. Esperamos que o STJ reconheça seu papel de Tribunal da Cidadania e siga o Voto da Min. Nancy Andrighi, pelo rol exemplificativo, como é hoje e como tem sido há pelo menos dez anos, sem qualquer colapso econômico para as empresas", ressalta Ana Carolina.

Rodrigo Araújo, advogado especialista em Direito à Saúde, explica que o entendimento do rol exemplificativo, majoritário até o momento, decorre, principalmente, do fato de a ANS não atualizar esse rol de acordo com a necessidade dos pacientes nem tampouco de acordo com o ritmo com que a ciência da medicina incorpora novos procedimentos já comprovadamente eficazes e muitas vezes insubstituíveis para o tratamento de determinadas patologias.

"Ao se considerar o rol taxativo, haverá cobertura apenas para os tratamentos ali previstos e de acordo com as diretrizes de utilização (DUT) que a própria ANS estabelece. Ou seja, mesmo havendo previsão do tratamento nesse rol, ele só teria cobertura se atendesse os requisitos da DUT. Já o rol exemplificativo permite que o paciente possa recorrer à Justiça para garantir a cobertura de um tratamento negado. Além disso, é importante considerar os fundamentos da decisão que vier a ser firmada nesse sentido, pois estes servirão como uma espécie de requisitos para as demais demandas com este mesmo viés", avalia Araújo.

Insegurança jurídica

Para a diretora executiva da FenaSaúde, entidade que reúne as maiores operadoras do mercado, Vera Valente, não é válido o argumento da demora da incorporação, já que desde outubro do ano passado, a medida provisória 1.067, determina que a agência mantenha um processo permanente de avaliação de nova tecnologia, em prazo de até 180 dias, já com prorrogação, sob pena de incorporação automática.

Para Vera, o rol sempre foi taxativo, e a consolidação de um entendimento contrário trará grande insegurança jurídica ao setor e aumento da judicialização.

"O rol tem hoje 3.379 procedimento, cobre todas as doenças listadas pelo CID e é fundamental para a existência da saúde suplementar. Como fazer um contrato sem saber o que está previsto? E não estamos falando em coisas triviais, com o avança da tecnologia, apenas um medicamento para uma pessoa pode custar R$ 6 milhões. Desde outubro, o processo de atualização do rol na ANS é constante. De lá pra cá, 21 tecnologias foram incorporadas. O lugar de discutir incorporação não é o Judiciário ou o Legislativo, mas o órgão regulador, não só por questão de custo, mas pro questões técnicas para garantir a segurança dos 49 milhões de usuários da saúde suplementar", pondera Vera.

E acrescenta:

"Não haverá perda de nenhum direito. Tudo que está na lista está garantido ao consumidor. O que não é justo é que quem tem acesso à Justiça consiga autorização para procedimentos não cobertos e que serão pagos por todos.
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) reforça o argumento e ressalta que "esse escopo é usado para calcular o preço do plano, o que acontece em todos os países do mundo em que há atuação de uma agência de saúde. Formular o preço de um produto sem limite de cobertura, que compreenda todo e qualquer procedimento, medicamento e tratamento existente, pode tornar inviável o acesso a um plano de saúde e colocar a continuidade da saúde suplementar no Brasil em xeque", ressalta a associação.

Para o advogado Rafael Robba, especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, o argumento de que um Rol exemplificativo pode encarecer o plano de saúde não se sustenta. Ele lembra que as operadoras já demonstram receitas recordes e que o consumidor enfrenta reajustes abusivos mesmo com a negativa para determinadas coberturas.

Além disso, Robba reforça que a taxatividade vai comprometer o acesso a tratamentos e tecnologias avançadas de milhares de beneficiários.

"Um rol exemplificativo significa que o consumidor, ao contratar um plano de saúde, terá acesso a tratamentos adequados, indicados pelo médico, sem ser surpreendido com negativas para uma possível doença. Hoje, essa segurança é garantida pelo poder judiciário e as decisões da Justiça nunca colapsaram as operadoras".

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