Relação entre presidente e ministro esfriou após interferência na Petrobras
Isac Nóbrega
Relação entre presidente e ministro esfriou após interferência na Petrobras

A promessa feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de autonomia total para Paulo Guedes  à frente do Ministério da Economia parece ter chegado ao fim. As interferências de Bolsonaro em estatais declarações de Guedes contrariando o governo abriram precedentes para o início de embates entre a pasta econômica e o Palácio do Planalto.

Tido por Bolsonaro como peça-chave na formulação do governo federal , Paulo Guedes foi anunciado como ministro antes mesmo da vitória do então candidato do PSL vencer as eleições presidenciais de 2018. Na época, o economista não poupava esforços para orientar o então postulante à presidência da República em questões delicadas, como os altos gastos da União.

O primeiro desafio da pasta econômica foi encontrar alternativas para diminuir as dívidas e aliviar os cofres públicos. Liberal, Paulo Guedes partiu para o ataque e viu nas privatizações a fórmula para ganhar fôlego no caixa.

Não satisfeito, o ministro e sua equipe criaram um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, para diminuir os gastos necessários e liberar uma quantia para despesas não obrigatórias . A PEC ainda prevê redução de incentivos fiscais para empresas e mudanças no funcionalismo público.

Entregue em 2019, a PEC ficou travada por ano no Congresso Nacional. Os desafios impostos pela pandemia de Covid-19 e relação conturbada entre Jair Bolsonaro e congressistas fizeram Paulo Guedes recuar nas demandas econômicas.

"Guedes é liberal, com venda de ativos e compromisso com interesses do mercado financeiro, agenda da década de 90. Redução de direitos, com reforma trabalhista, entre outras", analisa o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Carlos Delorme Prado.

"A agenda de Bolsonaro é visão de valores, são pautas ideológicas. Preocupação de liberação do mercado de armas, intervenção de políticas de interesse ideológicos, que são pautas de seus apoiadores", ressalta Prado. 

Um novo capítulo desse "casamento" ganhou forma, negativamente, na última semana. Irritado com os sucessivos aumentos nos preços dos combustíveis e temendo uma nova greve de caminhoneiros, Jair Bolsonaro demitiu Roberto Castello Branco da presidência da Petrobras . Era é o nome de confiança de Guedes. E a saída do comandante não foi bem vista por membros da pasta econômica.

A recepção da notícia pelo mercado financeiro também incomodou Guedes. Apoiador de uma relação estável com investidores para aumentar a confiança do país internacionalmente, o ministro da Economia viu a Bolsa apresentar forte queda, as ações da Petrobrás recuar e o dólar subir . Para investidores, a ação de Bolsonaro era uma interferência na estatal, indo contra os princípios de Paulo Guedes.

Foram 16 dias em silêncio: o chefe da economia do país suportou ameaças de interferência na  política de preços da Petrobras e nos valores nas contas de energia . A crise se tornou mais evidente após o vazamento de um áudio em que Guedes questiona Bolsonaro sobre as ações e afirma estar "levando um tiro" .

"Na hora em que estou ganhando a batalha, o senhor me dá um tiro", diz o ministro no áudio.

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Após a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública , as especulações sobre a possível saída de Guedes do governo federal ficaram mais fortes , principalmente após as ameaças em tirar secretarias Guedes para virarem ministérios - e dar cargos para indicados do centrão. Mesmo assim, ele resistiu.

Na opinião do cientista político, José Elias Domingues, o presidente deixou de dar carta branca a Guedes por influência política. No entanto, esse isolamento poderá prejudicar o andamento do governo Bolsonaro.

Saída de Guedes foi especulada em 2020, mas promessa de agenda de reformas manteve ministro no Governo
Reprodução: iG Minas Gerais
Saída de Guedes foi especulada em 2020, mas promessa de agenda de reformas manteve ministro no Governo

"Eu acho que o Guedes não dura até o fim de 2022 [fim do mandato do presidente]. Ele é um poder moderador em um governo que não mantém boas relações com outros poderes. Guedes é um liberal, mas tem interferência de Bolsonaro que tem seus interesses políticos", explica.

"O Bolsonaro é liberal em alguns aspectos. Na campanha prometeu uma equipe técnica e que o se atualmente é a nomeação de militares em áreas não correlatas aos cargos que ocupavam. Hoje são 6 mil militares no governo. Uma hora ou outra isso chegará na [pasta da] Economia e vai quebrar mais o elo entre Bolsonaro e Guedes", ressalta.

De fundamental para próximo a sair

O cientista político lembra da importância de Paulo Guedes para o governo federal em negociações com o Congresso Nacional. Domingues acredita que a agilidade do legislativo em pautar projetos econômicos se deu as conversas entre o ministro e congressistas.

"O Guedes é importante para o governo. Ele é responsável pelas negociações com o Congresso. As pretensões econômicas são atingidas por esforço do Paulo Guedes", afirma.

"O pilar do governo Bolsonaro era o Sérgio Moro e Paulo Guedes. Quando Moro saiu, o Planalto não sentiu tanto o baque por causa do ministro da economia. Hoje, quem sustenta o Bolsonaro no poder é o Guedes", completa.

Sinais de crise

O professor do Intituto de Economia da UFRJ, Luiz Carlos Delorme Prado, concorda que a pasta começa a mostrar sinais de crise. Mesmo assim, acredita que a convergência de interesses poderá manter Guedes no Ministério da Economia por mais tempo. 

"Sim, há uma crise na pasta. Mas, acredito que Guedes continuará por mais um tempo. O único governo que faria as agendas tão radicais como estão sendo feitas é o Bolsonaro. Acho que vão caminhar juntos a curto prazo, a médio é impossível prever", afirma. 

Prado acredita que a política econômica caminha para o fracasso em 2021. De acordo com o professor, há uma espectativa de crescimento na economia, mas não deve se concredizar com o aumento de casos da Covid-19 no país. 

"A política econômica não vai melhorar a curto prazo. O desempenho deste ano será pior que o ano passado. Esse ano se espera um crescimento, mas deve ser muito supérfulo. Em 2020, era esperada uma queda muito maior do que foi, por isso se conformaram como saldo positivo", finaliza.

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