Cientistas podem solicitar o recebimento do auxílio emergencial pela Caixa Econômica Federal. A informação foi confirmada pela Procuradoria-Geral Federal depois de ser questionada pela Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
A confirmação se dá em um momento em que os dois principais órgãos responsáveis pelo fomento à ciência no país — a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) — anunciaram mudanças na política de repasse de bolsas, realizando cortes e desestabilizando financeiramente a comunidade acadêmica.
A ANPG repassou a informação em suas redes sociais, pelo site e pronunciamento à imprensa por nota.
"Fica reconhecido que o pós-graduando bolsista, caso se enquadre nas regras gerais, tem esse direito garantido. E mesmo que esses casos possam ser raríssimos — o que não nos parece pelos relatos que têm chegado para a entidade — a ANPG precisa lutar para garantir que esse direito se aplique aos que precisam", diz o comunicado.
Além da possibilidade de terem suas bolsas cortadas
sob novos critérios de repasse da Capes e do CNPq, as quarentenas atrasam o desenvolvimento de pesquisas, o que aumentaria o cronograma para a conclusão delas. Mas, neste cenário de crise, é improvável que o fomento seja estendido.
"Acordo e durmo pensando nisso", diz Hélder Carneiro, químico e pesquisador de mestrado na Universidade Federal de Pernambuco. A preocupação financeira se alia à pressão de terminar a pesquisa. Afinal, se não mostrar resultados, terá de devolver o valor corrigido de todas as bolsas que recebeu até hoje da Capes.
Ele estuda os impactos dos vazamentos de óleo no litoral de Pernambuco na saúde dos pescadores locais. A pesquisa é feita em conjunto com cientistas das áreas de farmácia e medicina. Eles iriam começar a fazer análises de sangue nessas comunidades para desenvolver a pesquisa, mas com as medidas de quarentena, tiveram de parar as atividades.
Agora, o grupo precisará de mais tempo para continuar a pesquisa, pedindo prolongamento das bolsas — mas eles sabem que será quase impossível conseguir.
Apesar de não ser diretamente afetado pelos cortes recentes do CNPq e da Capes, Carneiro acredita que a quantidade de pesquisadores que precisarão de mais tempo de financiamento às suas pesquisas será grande e que isso pode gerar um colapso no pagamento dos cientistas.
Segundo o pesquisador, eram raros os pedidos de prorrogação de bolsas. Agora, quase todos de sua área precisarão. "Pode acontecer, por exemplo, de eu trabalhar até junho, mas só receber até fevereiro", diz ele, que terá o fim do fomento em fevereiro de 2021.
Carneiro mora com os pais e tem economizado ao máximo sua bolsa de mestrado, porque ainda não sabe como será seu sustento no ano que vem, além das incertezas sobre este ano. Seu plano era seguir a carreira acadêmica, continuando a pesquisa no doutorado. Com a pandemia e anúncios de cortes, ele diz realmente não saber como será seu futuro.
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Cortes de bolsas
No dia 9 de março, a Capes, que é vinculada ao Ministério da Educação, publicou a Portaria 34, documento que alterou os critérios de distribuição de fomento a pesquisas de mestrado e doutorado no Brasil.
"Na prática, todos os programas, incluindo os de notas 5, 6 e 7, perderam bolsas. A portaria torna quase impossível que programas com notas 3 e 4 cheguem à essas categorias", disse Hugo Tavares, arqueólogo e pesquisador de mestrado no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
As notas, de um a sete, são atribuídas pela Capes aos programas de pós-graduação — quanto maior o número, melhor a qualidade e o reconhecimento. No caso do Museu, a nota do programa é 5. Segundo manifestação assinada por diversas coordenações de programas da área de antropologia e arqueologia do país, 35 bolsas de doutorado e 50 de mestrado foram cortadas.
As bolsas de mestrado são de R$ 1.500 e, as de doutorado, R$ 2.200. Para recebê-las, o pesquisador deve trabalhar exclusivamente com a pesquisa, não podendo ter vínculo empregatício no momento do recebimento da bolsa.
Cientistas da área de humanas se sentem mais afetados. No dia 24 de março, a Portaria 1.122 do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI) excluiu as ciências humanas das prioridades de fomento a projetos de pesquisa até 2023:
"Estabelece como prioritários projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovações voltados para cinco áreas de tecnologias:
estratégicas, habilitadoras, de produção, para desenvolvimento sustentável e para qualidade de vida", diz a divulgação do ministério.
Já no dia 16 de abril, o CNPq, que é ligado ao ministério, divulgou o documento de "Novo Modelo de Concessão de Bolsas" para professores de ensino superior. No dia seguinte, o então presidente do órgão, João Luiz Filgueiras de Azevedo, foi demitido do cargo pela gestão de Bolsonaro. Azevedo fazia oposição ao desinvestimento no órgão, promovido pelo governo.
Para Felipe Benjamin, professor substituto de língua e literatura árabe da graduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o documento reforçou a conotação de exclusão das ciências humanas nas políticas econômicas para ciência.
"O comunicado tem palavras-chave como 'inovação' e 'tecnologia'. Parece que se considera ciência aquilo que é do campo das exatas e das biológicas, que teriam um retorno mais direto para a sociedade", afirma o professor.
Como resposta a essa ideia, o professor afirma que sem fomento à sua área de pesquisa, por exemplo, o atendimento a refugiados falantes de árabe no Brasil seria inexistente. Isso porque cientistas da área de língua e literatura árabe atuaram voluntariamente nesse tipo de atendimento humanitário durante a crise de refugiados em São Paulo, mostrando o descaso do governo brasileiro com o retorno das ciências humanas à sociedade.
Dupla jornada ou desistência
Até 2019, quando ocorreu o último grande corte de bolsas, o CNPq financiava 84 mil cientistas. De acordo com dados de abril do ano passado, apenas 10% dos R$ 1,1 bilhão pagos em bolsas do órgão se destinavam às ciências humanas.
Em agosto de 2019, do total de bolsas pagas pelo CNPq, 1,4% era destinado para as ciências sociais e 0,7% para a filosofia. Das bolsas da Capes, 14,9% eram para a área de humanas e 8,8% para a área de ciências sociais aplicadas, como é o caso da área de economia.
Benjamin relata que, como consequência aos baixos investimentos e cortes, "o pós-graduando é visto como um estudante no Brasil, e não como cientista". Os pesquisadores necessitam ter uma dupla jornada de trabalho, muitas vezes dividindo a dedicação à pesquisa com outras atividades remuneradas.
Segundo o professor, fazer "bicos" ou "freelas" e morar com os pais fazem parte do estilo de vida dos pesquisadores de pós-graduação no país por conta da baixa valorização econômica da atividade acadêmica.
Ele conta que, durante o mestrado, trabalhava em um centro de línguas e por isso, não pôde receber a bolsa da Capes. Além disso, para complementar a renda, fazia trabalhos de tradução como freelancer.
"Você não vai ter seguro de saúde, direitos básicos", diz o professor, comparando o ofício acadêmico com uma profissão de mercado. Esses fatores fazem com que muitos desistam da carreira científica, impactando a ciência brasileira.
O fomento deveria funcionar como salário aos pesquisadores. Mas, às vezes, a bolsa não dá conta das necessidades da pesquisa e da remuneração do cientista.
"As bolsas, além de serem o sustento dos pesquisadores, também servem para compra de suprimentos ou despesas com análises que devem ser feitas em laboratórios especializados. Muitos ficam entre sobreviver ou desenvolver suas pesquisas", diz Tavares.
Outra consequência citada pelo pesquisador para a ciência brasileira é a evasão de acadêmicos brasileiros para o exterior, buscando melhor remuneração com suas pesquisas em outros países.
Em 2019, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou em relatório que o Brasil é o quarto pior país do mundo quando se trata da proporção de doutores na população. Enquanto por aqui esse índice é de 0,2%, a média das nações é quase seis vezes maior, alcançando 1,1%.