O Portal iG teve a oportunidade de entrevistar com exclusividade o presidente da General Motors Mercosul, Carlos Zarlenga. No Brasil há cinco anos, o executivo faz análises do cenário econômico, político e projeções para os próximos anos.

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Carlos Zarlenga assumiu o cargo de presidente da General Motors (GM) Mercosul em janeiro de 2017
Divulgação/GM
Carlos Zarlenga assumiu o cargo de presidente da General Motors (GM) Mercosul em janeiro de 2017

Argentino, Carlos Zarlenga tem uma carreira sólida dentro da General Motors. Atuou como vice-presidente e diretor financeiro da GM Coreia (2012-2013), incluindo o papel de diretor no conselho de administração da GM Uzbequistão. Foi também presidente da GM Brasil (2016) e CFO da GM América do Sul (2013-2016).

O empresário revelou que a GM Mercosul prepara um novo anúncio de investimentos na região e como a empresa planeja crescer em um ano de eleições e greve de caminhoneiros. Confira a entrevista na íntegra:

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Quais os impactos que a greve dos caminhoneiros teve na indústria de automóvel e também na economia como um todo?

Olha, vou falar de três coisas. Do micro para o macro. Na indústria automotiva, o impacto mais evidente da greve foi a queda de 60 a 70 mil unidades de produção e nas vendas em 2018. Nosso setor trabalhava com uma previsão 2,7 milhões de unidades produzidas, mas agora teremos que rever, já que as produções de maio e junho caíram. Para nós da GM ainda tivemos o impacto adicional da nossa fábrica de Gravataí parada. Isso no curto prazo.

Agora, vamos falar no longo prazo. Para mim há dois impactos, primeiro o do déficit fiscal que não foi totalmente resolvido pois não avançou a reforma da Previdência, gerando incertezas de longo prazo. Houve algumas conversas, com um tom positivo, de que o País havia arrecadado mais impostos do que a meta para os primeiros meses do ano, gerando um fôlego que poderia financiar parte do impacto da crise gerada pela greve.

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Conhecemos bem esse fôlego porque grande parte dele veio do desempenho positivo da indústria automotiva que paga um imposto de 55% por cada carro vendido. Nossa indústria provavelmente é a que paga maior carga de imposto do Brasil, a gente sabe disso, mas quando você tem um "gap" do tamanho do déficit que tem o Brasil, é preocupante usar esse fôlego gerado pela retomada de crescimento para cobrir um déficit fiscal. 

E o outro ponto que eu acho importante é como os investidores externos olham para o Brasil, e a recente criação da tabela de preços mínimos de frete é um exemplo disso. A existência da tabela é um problema, já que você elimina a concorrência e eficiência em um setor que é absolutamente fundamental para o país. Quando você não tem um sistema de transporte multimodal, rodoviário, ferroviário, fluvial e marítimo para competir entre eles, a dependência de um meio de transporte tende a gerar ineficiências.

Estabelecer e fixar uma tabela de preços é ainda mais preocupante ao longo prazo, pois as flutuações normais da composição do custo são ignoradas por força de lei. Se existe a procura de eficiência e competitividade internacional, esse tipo de solução, a longo prazo, num setor tão importante é preocupante.

De um lado a economia brasileira anda como a de países do primeiro mundo, mas por outro adota medidas como tabelamento de frete. A carga tributária e a interferência do governo na formação de preços e nas relações trabalhistas são corretas?

A gente sempre acha que o governo tem que criar condições de justiça, legalidade e segurança para que o setor privado possa operar nos seus negócios. Intervenção, de qualquer tipo, normalmente vai gerar uma minimização do resultado geral do sistema no futuro. Por exemplo, o que é a primeira coisa que acontece com a tabela do frete? As empresas começam a pensar em adquirir sua frota própria de caminhões extinguindo o mercado livre de frete, ou seja quando você tenta regular uma coisa que não é para ser regulada, o mercado acha caminhos alternativos.

No caso de empresas internacionais, o maior problema é quando você tem de explicar isso para a matriz. De um lado convencemos a matriz que vale a pena investir em determinados mercados porque vão ser altamente competitivos e temos condições de competir entregando o melhor preço, produto e serviço. Medidas que geram incerteza e instabilidade complicam essa equação. Nós estamos aqui há 90 anos e entendemos muito bem o Brasil e por isso vamos continuar.

E a questão tributária do Brasil?

É comum se ouvir o comentário que o carro produzido no Brasil é caro e muitas vezes isso é atribuído ao lucro das montadoras. Mas ao se analisar as notícias financeiras no mundo, você vê que as operações da América do Sul tem perda, prejuízo, não tem lucro. O mito de que o lucro das montadoras é desmedido, podia ser verdade há 30 anos, mas hoje não é mais assim. O imposto para o nosso setor no Brasil é de 55% contra uma carga de 12%, 13% no resto do mundo. Qualquer pessoa pode fazer o exercício: se tirar os impostos locais e aplicar os dos Estados Unidos verá que a diferença não está tão longe assim.

O Ministério da Fazenda não é simpático ao que classificam como incentivos para a indústria automobilística no Brasil, mais especificamente para o plano Rota 2030. Foi sugerido que no Brasil deveria se adotar a mesma postura que países como a Austrália teve, ao abrir mão de sua indústria de carros. O que motiva esse tipo de declaração de pessoas esclarecidas, quando sabemos que os números do segmento representam cerca de 20% do PIB do Brasil?

Quando você pensa na indústria automotiva no Brasil, você tem que pensar em Brasil e Argentina juntos são um mercado só. Na crise de 2015, que representou a maior queda da história da indústria, a soma da produção dos dois países estava no patamar de 2,7 milhões de unidades. Hoje é de 3,6 milhões. Isso coloca o Mercosul, depois de EUA e China, como um dos mercados mais importantes do mundo. Com esse robusto volume de vendas você consegue fazer uma indústria competitiva que traz muita tecnologia, que gera emprego e desenvolve a economia em geral.

No Chile, a decisão de acabar com a indústria de carros foi muito mais simples pois seu tamanho é de 10% comparado com a nossa. Essa decisão é valida e correta para alguns países, mas não para o Brasil. Temos uma oportunidade enorme, pela escala que possuímos, para fazer um mercado e uma indústria vibrante que desenvolva a economia do país.

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Chevrolet Camaro: nascido dois anos chegou primeiro ao Brasil de forma oficial.
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Chevrolet Camaro: nascido dois anos chegou primeiro ao Brasil de forma oficial.

A Rota 2030 é principalmente uma visão de regulação de segurança e emissões para os próximos 12 anos. A indústria de carros precisa de uma visão de longo prazo para saber aonde e como investir. O ciclo de desenvolvimento, produção e vendas de um carro é longo. Além disso, o segmento automotivo iria investir 20 vezes o que se chama de incentivo. Faz sentido o Brasil abrir 100% do seu mercado, perder sua indústria, e passar a importar 3 milhões de carros por ano?

Mas o que motiva o ministério a se colocar nessa posição e deixar a Rota 2030 de lado?

Eu acho que temos acordo e ele deve ser anunciado em breve. Agora, por que a negociação demorou esses 19 meses quando devia ter sido anunciado em janeiro? Eu diria que foi uma grande oportunidade perdida.

O que você tem de perspectiva para o segundo semestre? O que deve acontecer antes da chegada do próximo presidente?

Olha, tivemos 23% de crescimento no Brasil até o mês de maio. Era para indústria ficar em torno de 2,7 milhões este ano, mas agora penso que estará entre 2,5 e 2,6 milhões. Veremos uma segunda metade de 2018 com uma taxa de crescimento menor. Três fatores desaceleram esse crescimento: o primeiro, a SELIC vai continuar subindo. Segundo, a desvalorização do real, já que cerca de 45% de um carro é importado, isso vai impactar em preços e não só nas montadoras.

E o terceiro ponto é a visão de confiança do consumidor em gastar, após os eventos recentes que temos visto no País. Eu estou menos confiante do que no passado. Eu acho que após a Copa o cenário ficará mais claro sobre o próximo governo. Mas, não acho que vai ter mudança real até o primeiro trimestre do ano que vem.

Na GM estamos bem, a liderança continua. A demanda caiu um pouco, mas ela existe. Em maio caiu contra o ano passado, mas acho que o crescimento vai continuar, embora em ritmo menor. 

Após a greve que afetou o abastecimento, impactando os carros a combustão do Brasil, vocês tem algum plano de adiantar a vinda do Bolt, o carro elétrico de enorme sucesso nos Estados Unidos, para o Brasil?

Não. Já anunciamos que vamos lançar o Bolt aqui no Brasil, mas a situação da greve não mudou a nossa visão. O carro elétrico é um processo irreversível, mas de muito longo prazo. A GM tem uma visão do mundo onde você terá zero acidente, zero congestionamento e zero poluição. É um mundo elétrico e autônomo. Em 2019, nós vamos lançar um carro 100% autônomo, o futuro chegou. Essa tendência, em longo prazo, não tem como voltar.

O governo entende essa questão da eletrificação e facilita a vinda desse tipo de tecnologia para o Brasil, para entregar ao consumidor o carro elétrico por um preço justo?

 O nosso produto é viável para trazer ao Brasil e vender hoje. Não há nenhum grande ajuste de projeto que precise ser feito. Nossa experiência em outros mercados indica que, mesmo sem uma infraestrutura robusta de abastecimento, devemos trazer o produto, fazer ele disponível e conhecido aos poucos.  A demanda em volumes maiores surge naturalmente na medida em que o consumidor conhecer o carro, e aí a regulamentação específica e infraestrutura aparecem naturalmente.

Mas não é uma questão que precisa ser resolvida imediatamente. Agora iremos trazer o produto e ver o que o consumidor quer como reage. A GM não acredita na solução intermediária do carro híbrido. O caminho é realmente o elétrico.

Pode falar um pouco dos planos de lançamentos e investimentos de automóveis da Chevrolet em função das incertezas e curtíssimo e também de longo prazo?

Bem, fizemos o anúncio dos 20 produtos até 2022. Estamos trabalhando no atual plano de investimentos de R$ 13 bilhões, entre 2014 e 2019.

Vamos fazer outro anúncio num momento mais adequado, que irá se referir ao próximo período de cinco anos, entre 2019 e 2024. E não temos motivos para mudar isso. Esse novo anúncio estará relacionado a outros produtos que serão lançados no Mercosul e que não estão incluídos nos atuais R$ 13 bilhões.

Não é o momento de trocar a visão de longo prazo. Deixa passar as eleições, vamos ver o que acontece. E, depois disso, veremos a necessidade de reavaliar.

De acordo com Zarlenga, Bolt é sinônimo do futuro
Divulgação
De acordo com Zarlenga, Bolt é sinônimo do futuro

Você chegou ao Brasil há cinco anos. O que mudou no Brasil e da própria GM?

Eu peguei um período interessante. Dois presidentes do Brasil, o pico de produção da indústria e a grande crise de 2016. Mas eu diria que isso tudo ajudou muito a melhorar a nossa empresa. Hoje temos uma empresa mais competitiva, com melhores produtos, mais eficiente e com a cultura mais sólida. Nosso objetivo não foi ser o número 1, isso é resultado de tudo que você faz. Se você faz tudo bem, aí aparecem os resultados.

Referente ao Brasil, ainda falta muito para melhorar. Mas é inegável que nos últimos três anos a sociedade tem procurado por mudanças, não aceita mais a corrupção e se preocupa com um futuro melhor. Essa mudança não é linear, mas o que importa é que está acontecendo.

E uma última pergunta, que faço aqui na GM nos últimos 20 anos:  Quando vocês vão trazer a Corvette ao Brasil?

Carlos Zarlenga - (Risos) Olha, lançamos o Camaro porque achamos que era o carro perfeito para esse tipo de alvo que queríamos no Brasil. Estamos sempre avaliando o Corvette. Um dia você vai se surpreender e ficar contente.

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